É comum a crença de que as
mudanças culturais das ultimas décadas são resultado de um processo orgânico e
gradual de evolução da sociedade.
Nada poderia estar mais longe da verdade. Aristóteles, em sua Física, mostra que todas as coisas
possuem quatro tipos de causas, a material, a formal, a eficiente e a final,
sendo que as causas às quais mais precisamos nos atentar são a causa final e a
causa eficiente. Todas as coisas se movem na direção da sua finalidade e, para
existir movimento, ou seja, a passagem da potência ao ato, é necessária a
existência de um agente externo que lhe seja causa. Este agente é a causa
eficiente. Isto não poderia ser de outro modo, pois se a matéria pudesse se
mover da potência ao ato sem uma causa externa eficiente, já o teria feito
enquanto potência, e seria potência e ato ao mesmo tempo, o que é impossível.
Foi o materialismo que, na medida
em que restringiu as causas dos fenômenos às suas relações meramente materiais,
cegou o homem moderno para a percepção destas relações de causas finais e
eficientes das coisas. Não é de se estranhar, portanto, o desdém ou a
ignorância quanto a estas duas causas no que concerne, como é o caso presente,
por exemplo, às mudanças culturais
Este é um erro essencial daqueles
que acreditam que as mudanças nos costumes que atualmente assistimos na
sociedade brasileira são resultado de uma evolução,
no sentido moderno. Nada no seio social ocorre como em uma ordem espontânea ou
uma evolução determinística, pois tudo carece de uma causa eficiente. Este
texto pretende traçar uma breve cronologia dos principais agentes e eventos
históricos que concorreram como causa eficiente para o atual estado de coisas
no que tange aos costumes, orientadas principalmente ao controle social e ao
crescimento populacional zero.
Origem da Fundação Rockefeller
A origem das grandes fundações
remonta a meados do século XIX, quando as condições sociais, políticas e
econômicas dos Estados Unidos propiciaram o surgimento de fortunas nunca antes
conhecidas pela humanidade. Dentre os donos destas fortunas, se destacaram as
figuras de John Rockefeller, no setor petrolífero, e Andrew Carnegie nas
indústrias de aço. Sendo ambos oriundos de famílias muito pobres e
profundamente religiosos, consideravam como bênçãos divinas as fortunas que
adquiriram. Tanto que, em 1898, Carnegie escreveu O Evangelho da Riqueza, onde afirmava o seu compromisso de usar a
sua riqueza para promover o bem estar da humanidade, ao mesmo tempo em que
exortava os demais magnatas a fazerem o mesmo. Rockefeller, profundamente
tocado pelo livro, convida então seu pastor, Frederick Gates, a criar a
Fundação Rockefeller. Gates já havia criado a Universidade de Chicago, também
financiado pelo milionário.
Sob a gestão do pastor Gates, a
fundação se dedicou principalmente a erradicação de doenças e a causas
educacionais. Para tanto, começa a financiar pesquisadores de saúde e educação,
dando a seguir o aporte financeiro para a aplicação concreta das recomendações
advindas das pesquisas.
Ocorre, no entanto, que a Primeira
Guerra Mundial veio como uma surpresa e trouxe uma grave preocupação: “de que
adianta promover o bem da humanidade se o advento de uma guerra como esta
coloca todo o nosso trabalho a perder?”. É então que a fundação decide mudar a estratégia
e passa a investir em estudos nas áreas de ciências sociais e psicologia. Era
preciso, concluíram seus diretores, gerar uma transformação da estrutura social
e da mente humana, a fim de promover a paz mundial. Começavam assim os estudos
de engenharia social.
Cecil Rhodes e o Fim das Guerras
Na mesma época, em outra parte do
mundo, um outro grupo havia chegado às mesmas conclusões. Tudo começou quando
Cecil Rhodes (1853-1902), um milionário das minas de diamantes na África do
Sul, vai estudar em Oxford e fica extremamente impressionado com a aula
inaugural do professor John Ruskin. Ruskin era um socialista que defendia a
restauração dos valores humanos nas artes e no trabalho por meio do
estabelecimento de um império anglo-saxão. Neste famoso discurso, Ruskin
convocava os filhos da Inglaterra a abraçarem o destino desta “ilha poderosa,
fonte de luz e centro de paz para todo o mundo”.
Rhodes retorna a África e cria uma
bolsa acadêmica para financiar pesquisadores e acadêmicos ingleses ou
originários das colônias anglo-saxãs, a fim de que se tornassem os líderes
condutores da expansão que traria todo o mundo para sob a égide do império
inglês, inclusive buscando o retorno dos Estados Unidos a este império. Em seu Tragedy and Hope, Carroll Quigley afirma
que Rhodes foi o criador do Round Table Movement, uma fraternidade de pessoas e
organizações que buscava implementar o plano de unir todas as nações de língua
inglesa. Após desempenhar um importante papel no fim da Guerra dos Boeres e na
guerra tribal de Matabele, ele então dá início aos seus planos de unificar a
África, do Cairo à Cidade do Cabo, por meio de uma ferrovia.
A solução do problema da guerra
foi o forte mote para Rhodes e seus associados. É famosa a palestra The Prevention of War, de
Phillip Kerr, secretário da Rhodes Trust, ministrada no Institute of Politics
de Williamstown, Massachussets. Falando para americanos, Kerr usa o
exemplo do Velho Oeste para falar de uma organização global dividida em estados
soberanos. Segundo ele, no Velho Oeste americano, uma querela entre dois
indivíduos teria apenas dois finais possíveis: ou ambos tratariam de fazer as
pazes entre si ou acabaria na morte de um deles. Assim é em uma organização
global baseada na soberania das nações: uma desavença acabará sempre em guerra,
caso a diplomacia falhe. “A causa das guerras é a divisão da humanidade em
estados separados”,
afirma Kerr. A prevenção das guerras depende, então, do fim das soberanias
nacionais e da criação de um governo global.
O Surgimento da Ideia do Controle
Populacional
Raymond Fosdick, que representara
os Estados Unidos na Liga das Nações, assume a presidência da Fundação
Rockefeller em 1921. Para Fosdick, o caminho para a paz mundial passava por uma
reconsideração da ideia de soberania das nações, na construção de uma estrutura
mais econômica do que política de organização global. Em 1915, Warren Thompson
havia lançado o seu livro Population,
que se tornou muito influente e criou as bases para a teoria neo-malthusiana e
a necessidade de um controle populacional.
Começam a surgir inúmeras
denúncias contra as fundações Rockefeller e Carnegie, acusando-as de estarem
controlando todas as decisões educacionais nos Estados Unidos e minando a
liberdade dos professores e pesquisadores. Eram os resultados das influências
nefastas das políticas educacionais de John Dewey que começavam a ser sentidas.
Dewey tinha sido presidente da League for Industrial Democracy, antiga
Intercollegiate Socialist Society, um movimento estudantil ligado ao Partido
Socialista da América. Todo o mal que Dewey, reconhecido como o pai da
pedagogia moderna, promoveu na educação mundial deve ser objeto de um estudo
específico, e por isso sugerimos ao leitor a obra Maquiavel Pedagogo, de Pascal
Bernardin.
Após o pedido de demissão do
pastor Gates, o Comitê Executivo da Fundação Rockefeller prepara um memorando
onde afirma que “a Fundação não deverá apoiar trabalhos nem organizações cujos objetivos
sejam a alteração da legislação... a Fundação não deverá buscar obter reformas
políticas, econômicas ou sociais... a Fundação não deverá tentar influenciar os
resultados ou as conclusões das pesquisas que forem por ela patrocinadas...”.
Mas a orientação não dura. Em 1933, o relatório anual da Fundação Rockefeller
afirma a esperança da instituição de desenvolver “a genética sobre bases
sólidas para possibilitar no futuro a criação de um tipo superior da espécie
humana”. Rockefeller II passa a investir cerca de 2% de todo o patrimônio em
pesquisa científica no que a própria fundação passou a chamar de Biologia
Molecular. Em 1934, John Rockefeller III declara a seu pai que deseja dedicar
sua vida principalmente ao controle do crescimento mundial da população. Em
1946, apresenta um projeto, que é rejeitado pelos diretores, para reestruturar
a fundação, focando a partir de então na “construção de um mundo em que a paz
possa crescer” e em estudos do “comportamento humano dirigido para o
entendimento dos fatores que modificam ou controlam o comportamento humano”. No
entanto, ele conseguiu realizar esta reestruturação em 1963.
Dois anos após a morte de Henry
Ford, Rowan Gaither assume a presidência da fundação Ford, criada por Henry e
seu filho Edsel Ford, que até então se dedicava a obras filantrópicas de
interesse local. Gaither Rowan se inspira na reforma de John Rockefeller III,
afirmando que a Fundação Ford não mais se orientaria para a pesquisa médica ou
de saúde pública e que o primeiro de seus principais objetivos será o de
estabelecer a paz no mundo. Para tanto, trabalharia para que as nações
reconsiderem o conceito de soberania nacional e pelo empoderamento das Nações
Unidas. Os meios de ação principais serão, afirma Gaither, uma ampla
intervenção na educação e no desenvolvimento dos métodos de controle do
comportamento humano. Bernard Berelson, que viria a se tornar o terceiro
presidente do Conselho Populacional, se torna diretor da Divisão de Ciências Comportamentais
da Fundação Ford.
Em 1952, John Rockefeller III, juntamente
com mais 26 especialistas em demografia, entre os quais Warren Thompson,
Kingsley Davis e Frank Notestein, funda o Conselho Populacional, a fim de controlar
o crescimento mundial da população. A Fundação Ford se torna o principal parceiro
do projeto, colocando o controle demográfico entre suas prioridades. Sob a
presidência do líder eugenista Frederick Orborn, o Conselho investe na produção
de DIU e em centros mundiais de estudos demográficos. No ano de 1954, a
Fundação Ford cria o Centro de Estudos Avançados de Ciências Comportamentais na
Universidade de Stanford.
Em seu livro World Population
Crisis,
Phyllis T. Piotrow descreve assim a criação do Conselho Populacional:
Em junho de 1952, por sugestão de Rockefeller (John D. Rockefeller III)
e sob o patrocínio da Academia Nacional de Ciências, um grupo de especialistas
em saúde pública, planejamento familiar, agricultura, nutrição, demografia e
ciências sociais se reuniram em Williamsburg, Virgínia. A conferência recomendou a criação de um
conselho internacional que se dedicasse exclusivamente aos estudos
populacionais em todos os seus aspectos. Em novembro de 1952, o Conselho
Populacional foi organizado, tendo Rockefeller como presidente do conselho de
diretores e Frederick Osborn como vice. Seus propósitos declarados eram:
Estudar os problemas decorrentes do crescimento populacional no mundo;
encorajar e apoiar pesquisas e disseminar como apropriado o conhecimento
resultante de tais pesquisas; servir como um centro de coleta e expansão dos
fatos e dados em questões populacionais; cooperar com indivíduos e instituições
no desenvolvimento de programas; e assumir a iniciativa no vasto campo em cujo
agregado constitui o problema populacional.
Apesar de algumas insistências terem se mantido até 1965 de que “os
campos científicos e técnicos são aquelas onde a nossa organização pode ser
mais efetiva”, o Conselho Populacional foi rapidamente levado a assumir um
papel mais ativo, uma vez que seus profissionais estavam entre os melhores
qualificados para aconselharem os países em desenvolvimento sobre as melhores
ações a serem tomadas. (...) A criação do Conselho teve um impacto também na
área filantrópica. Sendo uma organização que evitava e não provocava
controvérsia, era mais suscetível ao recebimento de fundos que as organizações
militantes do controle de natalidade. As duas primeiras doações da Fundação
Ford que superaram a marca de $500.000 foram direcionadas ao Conselho
Populacional, que recebeu aproximadamente 80% de todas as doações da Ford
relacionadas as questões populacionais.
No mesmo ano de 1952, Margaret
Sanger funda a IPPF (International Planned Parenthood Federation), na Índia.
Em 1958, Ansley Coale e Edgar
Hoover publicam o livro Crescimento
Populacional nos Países de Baixa Renda, patrocinado por Rockefeller e pelo
Banco Mundial. O livro muda o foco da questão eugenista e a transfere para a
questão populacional. Por adotar um enfoque econômico, a obra se torna um
clássico e oferece toda a fundamentação ideológica do movimento demográfico, já
que o discurso eugenista pôde ser deixado de lado. Por outro lado, no entanto,
este enfoque dificultou a introdução da perspectiva sociológica na questão, que
só retornou nos anos 90. Tal perspectiva sociológica tem uma aplicação em
escala mundial relativamente simples e imediata a qual, porém, uma vez
aplicada, transcende facilmente estas mesmas questões demográficas. Esta
aplicação é na verdade um piloto experimental para testar técnicas mais amplas
de controle do comportamento humano.
Nos anos seguintes, o Conselho
Populacional, sob a presidência de Frank Notestein, instala projetos de controle
populacional em dezenas de países da Ásia e da África, evitando cuidadosamente
a América Latina e os Estados Unidos. Inaugura também fábricas de DIUs na
Coréia, Hong Kong, Taiwan, Índia, Paquistão, Egito e Turquia. John Rockefeller
III é responsável pelo lobby com ministros e presidentes destes países.
Na Segunda Conferencia Bienal da
FAO (Food and Agricultural Organization) da ONU, em Roma,no ano de 1961, John Rockefeller III discursa sobre os
efeitos da explosão populacional. Numa palestra com o título de “População,
Alimentos e Bem Estar da Humanidade”, ele afirma que “o crescimento populacional
é o segundo problema da humanidade depois do controle das armas atômicas”. O diretor
da FAO, R. B. Sem começa então a propagar a ideia de que o crescimento
demográfico tenha um impacto negativo na economia dos países pobres. John
Rockefeller III começa um lobby pessoal junto ao Papa Paulo VI sobre as questões
populacionais e R. B. Sen faz um discurso sobre o tema no Congresso Eucarístico
de Bombaim, que conta com a presença pessoal de Paulo VI. Apesar de afirmar na
Encíclica Populorum Progressio, em 1967, que “crescimento demográfico acelerado
traz novas dificuldades ao desenvolvimento”, no ano seguinte o Papa declara, na
Encíclica Humanae Vitae, a imoralidade dos métodos artificiais de controle de
natalidade, afastando de uma vez por todas a influência de John Rockefeller
III.
A partir do ano de 1965, o Senado
americano inicia uma série de audiências públicas para tratar do “problema
demográfico”, após ceder ao lobby de Rockefeller e da USAID, a agência
americana responsável pela administração da ajuda internacional. Estas
audiências culminam na inclusão do Título X no Foreign Assistance Act, que
passa a permitir o uso de dinheiro público americano em programas de controle
populacional ao redor do mundo. De 1968 a meados dos anos 70, a USAID gastou 1,7
bilhões de dólares para treinar médicos e promover em cerca de 80 países do mundo
o aborto clandestino, a esterilização forçada, a anticoncepção e o
desenvolvimento e a difusão clandestina do misoprostol. Reimer Ravenholt,
diretor do escritório populacional da USAID, declara que seu programa conseguiu
impedir, em uma década, o nascimento de um bilhão de seres humanos. No mesmo texto, ele ainda ironiza quem se ilude
de que o aborto está sendo promovido por causa da saúde das mulheres, já que o
aborto diminuiria para dois anos os mesmos resultados de redução da taxa
populacional que levaria cinco anos com a mera utilização da pílula e da
esterilização, em qualquer país do terceiro mundo.
Rockefeller III passa então a
visitar diversos chefes de Estado, a fim de os conscientizar sobre o problema
populacional e solicitar a assinatura de um documento que, em dezembro de 1967,
seria lido na Assembléia Geral das Nações Unidas pelo Secretário Geral da ONU e
invocado na criação do Fundo das Nações Unidas para Atividades Populacionais
(UNFPA), em 1969. Era a Declaração dos Líderes Mundiais sobre População, que,
dentre outras coisas, afirma que “a paz permanente depende de modo como o
desafio do crescimento populacional for enfrentado”. Dentre os países
signatários estão os Estados Unidos, o Reino Unido, a Suécia, a Holanda, o
Japão, a Índia, o Paquistão, a Indonésia, e a Austrália. A família Rockefeller
inicia um forte lobby junto ao governo americano, no sentido de transformar o
problema do controle demográfico mundial em uma questão de segurança interna
dos Estados Unidos. É como fruto deste lobby que surge o Relatório Kissinger,
aprovado quando Nelson Rockefeller era vice-presidente dos Estados Unidos.
Em 1973, a Suprema Corte americana
decide, no famoso processo Roe x Wade, que qualquer lei que proíba o aborto
durante todos os nove meses de gestação é inconstitucional em todo o território
norte americano. Não deveria haver mais a necessidade de apresentar motivos
para o aborto nos primeiros seis meses, sendo que a partir de então, qualquer
motivo também seria aceito. No mesmo ano, o Congresso americano, alarmado com o
trabalho de promoção do aborto realizado pela USAID, aprova a Emenda Helms, que
impede a utilização de recursos de assistência externa dos Estados Unidos para o
financiamento da realização de abortos como método de planejamento familiar. Diante
disto, os diretores da USAID decidem criar o IPAS, uma organização privada
internacional, com sede na Carolina do Norte, que se torna uma das principais promotoras
do aborto clandestino no mundo.
Kingsley Davis e Adrianne Germain
Kingsley Davis é um dos
intelectuais mais importantes para se compreender os caminhos tomados pelas
fundações a partir da década de 70. Após terminar seu mestrado em Filosofia na
Universidade do Texas, em 1932 Davis ingressa no programa de pós-graduação de
Sociologia da Universidade de Harvard, criado naquele mesmo ano pelo sociólogo
Pitirim Sorokin, cujo trabalho aborda principalmente as teorias da
diferenciação social, da estratificação social e do conflito social. Para
Sorokin, a relação social precípua é a familiar, que tem maior solidariedade,
os valores de todos os envolvidos são considerados e onde existe um alto nível
de interação. Além do alto nível dos acadêmicos que Sorokin conseguiu agregar
no novo departamento, ficaram conhecidos os debates que este teve com outro
professor de sociologia em Harvard, Talcott Parsons, criador da teoria do
funcionalismo estrutural e profundamente influenciado pelas ideias de Thomas
Malthus. Este debate influenciou profundamente o jovem Davis.
Davis foi um dos pioneiros na
teoria da transição demográfica, que afirma que o processo de industrialização
inicialmente causa um declínio no índice de mortalidade, que leva a um
considerável crescimento da população e só tardiamente ocasiona um declínio na
taxa de fertilidade, que eventualmente causa o fim do crescimento populacional.
Vinte anos depois, ele revisa e melhora esta teoria, analisando as mudanças nas
motivações que eventualmente produzem o declínio na fertilidade. Foi ele quem
cunhou o termo “crescimento populacional zero” e popularizou a noção de
“transição demográfica” e a metáfora da explosão populacional.
Antes, porém, de dedicar seus
estudos a demografia social, Kingsley Davis se destacou por vários artigos
publicados sobre a estrutura familiar e parentesco, influenciado por outro
professor de Harvard, o antropólogo W. Lloyd Warner. Em seu segundo artigo mais
importante, publicado em 1937, chamado “Reproductive Institutions and the
Pressure for Population”,
Davis faz a ousada e pessimista
afirmação de que as instituições familiares tradicionais são incompatíveis com
a natureza da sociedade moderna. Já neste artigo, Davis afirma que as medidas
contraceptivas eram usadas apenas quando as mulheres queriam evitar um aumento
da prole, mas que o desejo de limitar o número de filhos não está presente na
maioria das sociedades. Este argumento seria posteriormente melhor desenvolvido
e passaria a ser o novo fundamento do trabalho do controle populacional. Em um
jantar do Conselho Populacional, em maio de 1963, Davis travou uma acalorada
discussão com o então presidente do Conselho, Notestein, após este afirmar os
benefícios e vantagens do DIU como forma de promover o declínio populacional.
As ideias de Davis, no entanto, só seriam aceitas vários anos depois.
Esta discussão, no entanto,
estimulou Davis a publicar na revista Science, em 1967, um artigo chamado
“Population Policy: Will Current Programs Succeed”, em que afirma que os meios
médicos ou políticos não seriam suficientes para promover o controle populacional,
pois este requer um trabalho de mudança da própria estrutura da sociedade para
que as mulheres não queiram mais ter filhos, o que somente pode ser obtido por
especialistas em estudos sociais. Muitos sociólogos argumentavam em favor do
DIU, como David Bogue, que publicou um importante artigo na primavera de 1967,
onde afirmava que “o desenvolvimento tecnológico no campo da contracepção
promove a adoção do planejamento familiar, por parte da população sem
instrução, num ritmo acelerado”. Davis discorda, afirmando que o planejamento
familiar apenas seria adotado por pessoas que já estavam motivadas quanto a
baixa fertilidade; programas de planejamento não reduziriam a fertilidade a não
ser que a motivação estivesse presente. Além disso, conforme a sua teoria da
transição demográfica, a motivação para a redução da fertilidade só ocorreria
após um considerável declínio da taxa de mortalidade e modernização social.
Ainda no mesmo artigo, Davis
afirma que “o estudo da organização social é uma especialização técnica”. Para
alterar a motivação de ter filhos é necessário “alterar a estrutura da família,
o papel das mulheres no mundo do trabalho e as próprias normas sexuais, e não
proteger a família e a observância das normas familiares”. Isto não seria trabalho
para médicos nem para políticos, ao contrário, trata-se de uma especialização
técnica das ciências sociais. Aqui, Davis faz referência ao início dos seus
estudos sobre os grupos sociais, colocando o foco do trabalho de mudança social
na inversão da importância dos grupos primários e secundários. Uma criança
aprende normas, crenças, valores e linguagens nos grupos primários, chamados
assim por serem "primeiros" no tempo, na intimidade e na influência. É
preciso que sejam grupos de confiança imediata e da qual a criança dependa para
a sua sobrevivência. O mais importante deles é a família. Os grupos primários
tendem a ser menores em tamanho, mas longos em duração. Funcionam com base numa
interação face-a-face e dependem do auto-sacrifício e da lealdade dos membros,
que valem pelo que são, não pelo que possuem ou podem oferecer. Grupos
secundários são o contrário: são maiores, não dependem do contato direto e não
geram lealdade, como numa relação de funcionário para com a empresa onde
trabalha, por exemplo. Davis propõe que os grupos primários sejam reduzidos da
sua importância.
Em fevereiro de 1968, o Comitê
Populacional da Academia Natural de Ciências publicou na mesma revista Science
uma resposta contra o artigo de Kingsley Davis, apontando erros em partes da
sua análise e, enquanto concordava com outros pontos, afirmava a
improbabilidade da execução de suas alternativas no futuro imediato. A seguir,
Frank Notestein respondeu também negativamente, agora em nome do Conselho
Populacional, afirmando que a melhor solução ainda era prover os serviços
adequados àquelas mulheres que já, naquela data, possuíam a motivação para o
controle da fertilidade. Afirmava ainda que até o final do século o crescimento
populacional não seria mais um problema ao desenvolvimento econômico. A USAID também
responde energicamente ao trabalho de Davis, afirmando que ter filhos é algo
tão difícil em si mesmo que seria suficiente disponibilizar amplamente pílulas
e outros métodos anticoncepcionais para que as mulheres queiram usá-los. Não há
motivo para ter que utilizar as teorias da cultura e do comportamento humano
para modificar a estrutura da sociedade e os valores para somente então poder
controlar a população. Isto exigiria uma quantidade de recursos muito grande
que somente serviria para diminuir o muito que efetivamente deve ser usado em
atividades diretas de controle da população.
Seja pela aversão causada em seus
pares por seu temperamento explosivo ou porque os burocratas e pesquisadores
das agências de controle populacional não tinham interesse em direcionar fundos
para atividades diversas daquelas com as quais lucravam à época, o fato é que
Kingsley Davis não recebeu a atenção devida. Coube, portanto, a uma aluna sua, Adrianne
Germain, que segundo ele mesmo teria sido a sua aluna mais inteligente,
convencer John Rockefeller III, em uma única reunião, sobre a validade das
teorias do seu professor.
Adrianne Germain se graduou em Sociologia pela Wellesley
College, na turma de 1969, a mesma de Hillary Clinton. Ingressa então no
mestrado em Sociologia e Demografia em Berkeley, quando então se torna aluna de
Kingsley Davis. Se muda então para New York, onde é contratada pelo Conselho
Populacional. Conhece, então, Joan Dunlop, que havia sido contratada por
Rockefeller III para promover mudanças na estrutura do trabalho da fundação.
Dunlop fica impressionada com as ideias de Germain, principalmente quanto a
atestação de que a fundação precisava investir na diversidade do seu quadro funcional,
e, após citar Germain no relatório que envia a John Rockefeller, a convida a
redigir o discurso que ele proferiu na Conferência Mundial da População, em
Bucareste, em 1974. O discurso de Rockefeller causou furor entre os
especialistas do controle populacional, mas o sinal para a mudança já havia
sido dado. A partir de então, John Rockefeller III encontra-se cada vez menos
com chefes de Estado e outras autoridades mundiais e passa a promover e a
encontrar-se cada vez mais com líderes homossexuais e grupos feministas.
Germain assume a direção da
Fundação Ford em Bangladesh, oportunidade que utiliza como um laboratório para
o trabalho que foi aperfeiçoando no decorrer da sua carreira. Quando Merle
Goldberg, Joan Dunlop e Adrianne Germain reestruturam a IWHC (International
Women’s Health Coalition), esta ONG inicia os trabalhos em Bangladesh,
financiados pela Ford Foundation, sob o comando de Germain. Constroem clínicas
de aborto utilizando aparelhos de regulação menstrual, além de treinarem
agentes públicos de saúde para habilitá-los a realizarem abortos. Diante do
sucesso deste trabalho, a IWHC divide as ações entre diversos países, inclusive
o Brasil.
Onde os megacapitalistas e os
marxistas se encontram
O discurso de John Rockefeller III
na Conferência Mundial da População, no ano de 1974, em Bucareste, marca a
grande mudança no entendimento do magnata sobre qual deveria ser a orientação
do trabalho das grandes fundações. É então que acontece o grande encontro entre
os grandes capitalistas e os movimentos de esquerda, quando as fortunas que
buscavam operar a engenharia social do declínio populacional passam a financiar
os movimentos de libertação das minorias.
Uma importante representante desta
união macabra é a feminista Kate Millett (1943-2017), uma das mais importantes
figuras da segunda onda do feminismo. Grande parte daquilo que o movimento
feminista conquistou em termos de legalização do aborto, igualdade profissional
entre os sexos e liberação sexual se deu devido ao trabalho de Millett.
Em seu livro Sexual Politics
(1970), Millett afirma que, para que a revolução sexual prosseguisse adiante
teria sido necessária uma transformação social verdadeiramente radical, a
alteração do matrimônio e da família como foram conhecidos através de toda a
história. Sem semelhantes mudanças radicais torna-se impossível erradicar os
males que derivam destas instituições e que os reformadores julgavam
particularmente ofensivos. Uma revolução sexual completa necessitaria o fim da
ordem patriarcal através da abolição de sua ideologia que estabelece uma
socialização diferenciada dos sexos. A ideologia patriarcal era de fato erodida
e o patriarcado reformado, mas a ordem patriarcal social essencial permanecia.
Como a maioria das pessoas não consegue conceber uma outra forma de organização
social, a única alternativa para a sua perpetuação parecia ser o caos. O
problema não é tanto que a ordem social requer a subordinação da mulher, mas
que ela requer uma estrutura familiar que envolve a subordinação da mulher.
Ademais, o patriarcado é necessário para o sistema familiar.
As semelhanças com as teorias de
Kingsley Davis são claras. Em 1990, a Fundação Ford emite um relatório chamado
“Saúde Reprodutiva, uma Estratégia para os anos 90”, assumindo de uma vez por
todas a perspectiva dos movimentos de esquerda. A fundação estima que, para
alcançar o crescimento populacional zero seria necessária uma redução da
natalidade para a qual a oferta de serviços médicos poderia contribuir quando
muito com cerca de 40%, enquanto que os 60% restantes somente poderiam ser
alcançados mediante alterações sociais. Esta motivação de não mais ter filhos
não é um problema médico, mas de ciências sociais. O enfrentamento do problema
populacional, afirma o relatório, “envolve temas tão delicados como a educação
sexual precoce, o status da mulher na sociedade, os julgamentos de valor morais
e os valores éticos pelos quais as decisões reprodutivas são tomadas pelos
indivíduos e pela sociedade”. Para fazer frente ao problema, a Fundação Ford
pretende “combinar sua vasta experiência no campo populacional e a experiência
de sua equipe em ciências sociais”. A Fundação irá promover a discussão e a
educação sobre a sexualidade humana, em uma abordagem em que “não poderá
omitir-se o reconhecimento da necessidade de se promover o aborto”.
O relatório propunha
reconceitualizar a saúde e a doença não apenas como estados biológicos, mas
como processos relacionados aos modos como vivem as pessoas, introduzir os
conceitos de saúde e direitos sexuais e reprodutivos, empoderar as organizações
de mulheres para promover a saúde reprodutiva, financiar a promoção de debates
e a disseminação de informação para definir áreas de consenso com as políticas
de saúde reprodutiva, e promover o reconhecimento do aborto como um direito
reprodutivo.
Este foi o primeiro projeto de
controle do comportamento humano planejado a nível global, financiado pelas grandes fundações e consubstanciado por intelectuais marxistas, com o aval das agências internacionais.
A partir dos anos 90, a Fundação
MacArthur se une aos esforços de implementação do programa da Fundação Ford,
escolhendo principalmente o Brasil e o México como alvos preferenciais. No
Brasil, Carmen Barroso é escolhida como diretora de seu Programa Internacional
de População e Saúde Reprodutiva.
Em 1992, é criado o Centro de
Direitos Reprodutivos que atua, por meio da ONU, formando advogados e ativistas
na promoção do aborto.
Em 1993, David Rockefeller e parte
da elite política e econômica dos Estados Unidos passam a apoiar os movimentos
de esquerda, em troca da deposição da luta armada pelo poder e do apoio ao
movimento homossexual, à legalização do aborto e à educação sexual liberal.
No mesmo ano, a AVSC International, o IPAS, a International Planned
Parenthood Federation (IPPF), a Universidade John Hopkins e a Fundação
Pathfinder criam o Post Abortion Care Consortium, a fim de promover os cuidados
pós aborto como estratégia de saúde reprodutiva. Os tratamentos pós aborto
incluem diversas técnicas de esvaziamento de útero.
Em 1994, as feministas dominam a
Conferência Populacional do Cairo, tornando o relatório da Fundação Ford como
orientação geral da conferência.
Em 1995, a Conferência da Mulher,
promovida pelas Nações Unidas em Pequim, introduz, além dos conceitos já
aceitos na Conferencia do Cairo, a ideologia de gênero.
No ano de 1996, em uma conferência
secreta realizada en Glen Cove (NY), vários Comitês da ONU estabelecem um pacto
com as principais organizações que promovem o aborto para interpretar os
direitos humanos reconhecidos pelas nações como contendo implicitamente o direito
ao aborto e passam a acusar sistematicamente as nações, principalmente na
América Latina, de violarem os direitos humanos reconhecidos internacionalmente
por não terem aprovado o aborto.
A partir de 1998, o Comitê de
Direitos Humanos das Nações Unidas e outros órgãos de monitoração de tratados
internacionais da ONU passam a pressionar sistematicamente todos os países do
mundo que ainda não aprovaram o aborto para que legalizem a prática.