Trecho do livro Tragedy and Hope, por Carroll Quigley
Cap. 1 – Evolução Cultural nas Civilizações
* Este texto foi escrito em 1966.
Sempre existiram os homens que perguntaram “para onde estamos indo?”. Nunca
foram eles, no entanto, em tão grande número quanto em nossos dias. E é
certo que nunca antes a miríade de questionadores inquiriu em tons tão
dolorosos ou refraseou seus questionamentos com palavras de tamanho
desespero: “sobreviverá a raça humana?” Mesmo num âmbito menos cósmico, tais
inquiridores aparecem de todos os lados, buscando “sentido”, “identidade”, ou
mesmo, numa base mais estritamente egocêntrica, “buscando encontrar a si mesmo”.
Pelo menos uma destas persistentes perguntas é mais típica do século XX
do que de qualquer outra era: “o nosso modo de vida sobreviverá?” Está a nossa
civilização condenada a extinção, como o foram os Incas, os Sumérios e os
Romanos? De Giovanni Batista Vico no início do séc. XVIII a Oswald Spengler no
início do séc. XIX e Arnold Toynbee em nossa época, os homens vêm se debatendo
com a questão de se toda civilização tem um ciclo de vida e se segue o mesmo
padrão de mudança. Desta discussão surgiu um acordo quase geral de que os
homens vivem em sociedades separadamente organizadas, cada qual com a sua
cultura distinta, que algumas destas sociedades, tendo escrita e vida urbana,
existem num nível cultural superior ao resto, e que algumas destas civilizações
tendem a passar por um padrão comum de experiência.
Estes estudos apontam que, ao que parece, as civilizações passam por um
processo de evolução que pode ser descrito brevemente da seguinte forma: cada
civilização nasce de uma maneira inexplicável e, após um lento começo, entra
num período de vigorosa expansão, aumentando o seu tamanho e poder, tanto
internamente quanto as custas dos seus vizinhos, até que, gradualmente, surge
uma crise de organização. Quando esta crise passa e a civilização se
reorganiza, ela está, de alguma forma, diferente. O seu vigor e moral estão
enfraquecidos. Ela se torna estável e, eventualmente, estagnada. Após uma era dourada de paz e prosperidade, uma
crise interna novamente emerge. Neste momento surge, pela primeira vez, uma
fraqueza física e moral que levanta, também pela primeira vez, questionamentos
sobre a habilidade desta civilização de se defender dos inimigos externos. Atormentada
por conflitos internos de caráter social e constitucional, enfraquecida pela
perda da fé nas suas ideologias e desafiada por novas ideias, incompatíveis com
a sua natureza, a civilização se enfraquece gradualmente até ser submergida por
inimigos externos e, eventualmente, desaparece.
Quando aplicamos este processo, mesmo que vagamente, a nossa própria
civilização – a Civilização Ocidental – percebemos que algumas modificações se
fazem necessárias. Como outras civilizações, a nossa começou com um período de
mistura de elementos culturais de outras sociedades, transformou estes
elementos numa cultura distinta, começou a expandir num rápido crescimento como
as outras também fizeram e passou deste período a um período de crise. Mas neste
momento o padrão muda.
Em mais de uma dúzia de outras civilizações, a era de expansão foi seguida pela era de crise e esta, por sua vez, por um período de um império universal no qual uma única
unidade política governou toda a extensão da civilização. A civilização ocidental, no entanto, não
passou da era de crise para a era do império universal, mas, diferentemente,
foi capaz de se reformar e entrar em um novo período de expansão. Ademais, a civilização ocidental repetiu este
processo não apenas uma, mas diversas vezes. Foi esta habilidade de
reiteradamente reformar ou reorganizar a si mesmo que fez da civilização
ocidental a força dominante no mundo no início do século XX.
Na medida em que olhamos para as três eras que formam a centralidade do
ciclo vital de uma civilização, vemos um padrão comum. A era de expansão é geralmente marcada por quatro tipos de expansões:
1) populacional; 2) geográfica; 3) produtiva e; 4) de conhecimento. A expansão
produtiva e a de conhecimento fomentam a expansão populacional, e estas três
juntas fomentam a expansão da extensão geográfica. Tal expansão geográfica
possui certa importância porque é ela que dá a civilização o tipo de estrutura
nuclear constituída de uma área central (aquela que existia como parte da
civilização antes mesmo do período de expansão) e uma nova área periférica (aquela
que se torna parte da civilização a partir do período de expansão). É de bom
tom, ainda, fazermos uma terceira distinção geográfica, da área semiperiférica,
intermediária entre a área central e a área periférica.
Estas áreas são facilmente perceptíveis em todas as civilizações do
passado e tiveram um papel vital nas mudanças históricas destas civilizações.
Na Civilização Mesopotâmica (6000
a.C. – 300 a.C.), a área central era o vale inferior da Mesopotâmia, a semiperiférica
eram os vales central e superior, enquanto que a área periférica, os planaltos
que cercavam este vale e, mais remotamente, a região do Irã, Síria e até mesmo
Anatólia. A área central da Civilização
Cretense (3500 a.C. – 1100 a.C.) era a ilha de Creta, enquanto que a área
periférica incluía as ilhas do mar Egeu e as costas dos Balcãs. Na Civilização Clássica, a área central era
as margens do Mar Egeu, a semiperiférica era o restante da porção norte do
leste do Mar Mediterrâneo, enquanto que a área periférica cobria o resto das
margens do Mediterrâneo e, finalmente, Espanha, Norte da África e a Gália. Na Civilização Cananéia (2200 a.C. – 100
d.C.), a área central era o Levante, enquanto que a área periférica era a oeste
do Mediterrâneo, em Túnis, Sicília ocidental e Espanha oriental. A área central
da Civilização Ocidental (400 d.C. –
até algum ano no futuro) foram a metade norte da Itália, França, o extremo
oeste da Alemanha e a Inglaterra; a área semiperiférica foram as partes
central, oriental e sul da Europa e a Península Ibérica, enquanto que as áreas
periféricas incluem a América do Norte e do Sul, Austrália, Nova Zelândia, África
do Sul e outras áreas.
Esta distinção de pelo menos duas áreas geográficas em cada civilização
é da maior importância. O processo de expansão, que começa na área central,
também começa a diminuir nesta parte central enquanto que a área periférica
continua se expandindo. Em consequência, ao final da era de expansão, as áreas periféricas de uma civilização tendem a
se tornar mais ricas e mais poderosas que a área central. Em outras palavras, o
centro passa da era de expansão para
a era de conflito antes da periferia.
Eventualmente, na maioria das civilizações, o coeficiente de expansão começa a
declinar em todas as regiões.
É este declínio no quociente de expansão de uma civilização que marca a
sua passagem da era de expansão para
a era de conflito. Este último é o
mais complexo, o mais interessante e o mais crítico de todos os períodos do
ciclo vital de uma civilização. É marcado por quatro características principais:
a) é o período de declínio no quociente de expansão; b) é o período de
crescimento de tensões e conflitos de classes; c) é o período de guerras
imperialistas cada vez mais frequentes e violentas; e d) é o período de
crescente irracionalidade, pessimismo, superstições e alienações. Todos estes
fenômenos aparecem primeiramente na área central antes de aparecerem nas
porções mais periféricas da sociedade.
O decadente quociente de expansão da era
de conflito fomenta outras características da era, pelo menos em parte.
Após os longos anos da era de expansão,
a mente dos indivíduos e as suas organizações sociais estão ajustadas a
expansão, tornando a adaptação a este quociente decrescente um processo muito
difícil. Classes sociais e unidades políticas dentro da civilização tentam
compensar a lenta expansão natural pelo uso da violência contra outras classes
sociais ou contra outras unidades políticas. Daí surgem os conflitos de classes
e as guerras imperialistas. Os resultados destas lutas dentro da civilização não são de vital importância para o futuro da
civilização em si. Significativo será, na verdade, a reorganização da estrutura
civilizacional de forma que o processo de crescimento normal recomece. Uma vez
que esta reorganização requer a remoção das causas do declínio desta
civilização, o triunfo de uma classe social sobre a outra ou de uma unidade
política sobre a outra, dentro da civilização, não terá, normalmente, nenhuma
grande influência nas causas do declínio e não resultará (exceto por acidente)
na tal reorganização estrutural, na medida em que irá fomentar um novo período
de expansão. De fato, as lutas de classes e as guerras imperialistas servirão
provavelmente para aumentar a celeridade do declínio civilizacional por meio da
dissipação do capital e do desvio de riquezas e energias para atividades não
produtivas.
Na maioria das civilizações, a prolongada agonia da era de conflito finalmente termina em um novo período, a era do império universal. Como resultado
das guerras imperialistas da Era do Conflito, o número de unidades políticas é
reduzido pelas conquistas. Eventualmente, uma emerge, triunfante. Quando isso
acontece, temos uma única unidade política para toda a civilização. Assim como
a área central passa da Era de Expansão para a Era de Conflito antes das áreas
periféricas, geralmente a área central é conquistada por um único estado antes
da totalidade da civilização ser conquistada pelo Império Universal. Quando
isto acontece, o império central é, na maioria das vezes, um estado
semiperiférico, enquanto que o Império Universal é geralmente um estado
periférico. Assim, o centro da Mesopotâmia foi conquistado pela semiperiférica
Babilônia cerca de 1700 a.C., enquanto que a totalidade da civilização
mesopotâmica foi conquistada pela periférica Assíria cerca de 725 a.C.
(substituída pela ainda mais periférica Pérsia, cerca de 525 a.C.). Na
Civilização Clássica, a área central foi conquistada pela semiperiférica
Macedônia cerca de 336 a.C., enquanto que a totalidade da civilização foi
conquistada pela periférica Roma cerca de 146 a.C. Em outras civilizações o
Império Universal foi sempre um estado periférico, mesmo quando não houve
conquista prévia da área central por um estado semiperiférico. Na Civilização
Maia (1000 a.C. – 1550 d.C.) a área central era, aparentemente, Yucatan e
Guatemala, mas o império universal dos astecas tinha como centro o periférico
planalto central do México. Na Civilização Andina (1500 a.C. – 1600 d.C.), a área
central era nos vales e encostas das partes norte e central dos Andes, mas o
Império Universal dos Incas centrava-se nos planaltos andinos, uma área
periférica. A Civilização Canaanita (2200 a.C. – 146 d.C.) tinha sua área
central no Levante, mas o seu império universal, o Império Púnico, tinha como
centro Cartago, a oeste do Mediterrâneo. Se nos voltarmos ao Extremo Oriente,
veremos não mais do que três civilizações. Destas, a mais antiga – A
Civilização Sínica – surgiu no vale do Rio Amarelo após o ano de 2000 a.C.,
culminou nos impérios Chin e Han após o ano de 200 a.C. e foi em grande parte
destruído pelos invasores uralo-altaicos após 400 d.C. Desta civilização
sínica, da mesma forma que a civilização clássica surgiu da civilização
cretense ou a civilização ocidental surgiu da civilização clássica, nasceram
outras duas civilizações: a) Civilização Chinesa, que iniciou aproximadamente
nos anos 400 d.C., culminando no Império Manchu, após 1644, e foi destruída
pelos invasores europeus no período de 1790-1930, e b) Civilização Japonesa,
que começou aproximadamente na época de Cristo, culminando no Império Tokugawa,
após 1600, e pode ter sido completamente destruído por invasores ocidentais
após 1853.
Na Índia, assim como na China, duas civilizações se sucederam. Apesar de
sabermos relativamente pouco sobre a primeira, a última (assim como a China)
culminou num Império Universal governado por um povo periférico e estrangeiro.
A Civilização Índica, que começou cerca de 3500 a.C., foi destruída pelos
invasores arianos em 1700 a.C., culminando no Império Mogul e foi destruído por
invasores da civilização ocidental durante os anos de 1500-1900.
Analisando a área extremamente complicada do Oriente Próximo, podemos
perceber um padrão. A civilização islâmica, que começou em aproximadamente 500
d.C., culminou no Império Otomano no período de 1300-1600 e está em processo de
ser destruída pelos invasores da civilização ocidental desde cerca de 1750.
Expresso desta maneira, estes padrões nos ciclos vitais das várias civilizações
podem parecer confusos, mas se os catalogamos, tais padrões emergem com
facilidade:
CIVILIZAÇÃO
|
PERÍODO
|
IMPÉRIO UNIVERSAL
|
ÚLTIMOS INVASORES
|
DATA DAS INVASÕES
|
Mesopotâmica
|
6000-300 a.C.
|
Assírio e Persa
|
Gregos
|
335-300 a.C.
|
Egípcia
|
5500-300 a.C.
|
Egípcio
|
Gregos
|
334-300 a.C.
|
Cretense
|
3500-1150 a.C.
|
Minoico-micênico
|
Dórios
|
1200-1000 a.C.
|
Índico
|
3500-1700 a.C.
|
Harappa?
|
Arianos
|
1800-1600 a.C.
|
Cananéia
|
2200-100 a.C.
|
Púnicos
|
Romanos
|
264-146 a.C.
|
Sínica
|
2000 a.C.-400 d.C.
|
Han e Chin
|
Uralo-altaico
|
200-500 d.C.
|
Hitita
|
1800-1150 a.C.
|
Hitita
|
Indo-europeus
|
1200a.C.-1000d.C.
|
Clássica
|
1150a.C.- 500d.C.
|
Romano
|
Germânicos
|
350-600 d.C.
|
Andina
|
1500a.C.-1600d.C.
|
Inca
|
Europeus
|
1534
|
Maia
|
1000a.C.-1550d.C.
|
Asteca
|
Europeus
|
1519
|
Hindu
|
1800a.C.-1900d.C.
|
Mogul
|
Europeus
|
1500-1900
|
Chinês
|
400-1930
|
Manchu
|
Europeus
|
1790-1930
|
Japonês
|
850 a.C.- ?
|
Tokugawa
|
Europeus
|
1853-
|
Islâmico
|
500-?
|
Otomanos
|
Europeus
|
1750-
|
Ocidental
|
350-?
|
Estados Unidos
|
?
|
?
|
Ortodoxa
|
350-?
|
Soviéticos
|
?
|
?
|
Desta tabela surge um fato extraordinário. De aproximadamente vinte
civilizações que existiram em toda a história da humanidade, listamos
dezesseis. Destas dezesseis, doze (provavelmente catorze) já estão mortas ou
morrendo, as suas culturas destruídas por estrangeiros capazes de agir com
poder suficiente para destruir a civilização, destruir seus estabelecidos modos
de pensamento e ação e, eventualmente, destruí-la. Destas doze culturas mortas
ou moribundas, seis foram destruídas por europeus representantes da civilização
ocidental. Quando consideramos o incontável número de outras sociedades –
menores do que civilizações – que a civilização ocidental destruiu ou ainda
está destruindo, como os hotentotes, os iroqueses, os tasmanianos, os navajos,
os caribenhos e muitos outros, o inteiro e assustador poder da civilização
ocidental se torna óbvio.
Uma causa da habilidade da civilização ocidental em destruir outras
culturas, apesar de não ser de forma alguma a causa principal, repousa no fato
de que ela vem se expandindo há muito tempo. Este fato, por outro lado,
baseia-se em outra condição a que já nos referimos anteriormente, o fato de que
a civilização ocidental passou por três períodos de expansão, entrou na Era de
Conflito três vezes, cada vez tendo a sua área central quase totalmente
conquistada por uma única unidade política, mas não entrou na Era do Império
Universal porque, da confusão da Era de Conflito, a cada vez emergiu uma nova
organização da sociedade capaz de se expandir por seu próprio poder
organizacional, tendo como resultado o fato de que os quatro fenômenos
característicos da Era de Conflito (declínio no quociente de expansão,
conflitos de classes, guerras imperialistas, irracionalidade) foram
gradualmente substituídas mais uma vez pelos quatro tipos de expansões típicas
da Era de Expansão (demográfica, geográfica, produtiva e de conhecimento). De
um ponto de vista tecnicamente mais estrito, esta mudança de uma Era de
Conflito para uma Era de Expansão é marcada pela retomada do investimento e do
acúmulo de capital numa larga escala, da mesma forma que mudança anterior de
uma Era de Expansão para uma Era de Conflito foi marcada por um decréscimo no
quociente de investimento e eventualmente por um decréscimo no quociente de
acúmulo de capital.
A civilização ocidental começou, como todas as outras, por um período de
amálgama cultural. Neste caso em particular, foi uma mistura resultante das
invasões bárbaras que destruíram a civilização clássica no período de 350-700.
Ao criar uma nova cultura a partir dos vários elementos das tribos bárbaras, do
mundo romano, do mundo sarraceno e, acima de tudo, do mundo judaico
(Cristianismo), a civilização ocidental se tornou uma nova sociedade.
Esta sociedade se tornou uma civilização quando se tornou organizada, no
período de 700-970, de forma que passou a existir acúmulo de capital e o início
de investimentos deste capital em novos métodos de produção. Estes novos
métodos são associados com uma mudança das forças de infantaria para os
guerreiros montados (no campo da defesa), da força humana (e, portanto,
escravidão) para o uso da tração animal (no campo energético), do arado e da
tecnologia de alqueive e rotação bienal da Europa mediterrânea para o arado com
oito bois e o sistema de rotação trienal dos povos germânicos, e de uma
orientação política centralizada e estatal dos romanos para a rede feudal
descentralizada e de poder privado do mundo medieval. No novo sistema, apenas
um pequeno número de homens, equipados e treinados, tinham a obrigação de
servir em batalha, enquanto que a grande maioria se dedicava ao serviço
agrícola. Deste sistema de defesa desigual, mas eficaz, surgiu uma forma de
distribuição de poder desigual e, igualmente, uma desigual distribuição da
renda. Isto, com o tempo, resultou num acúmulo de capital que, criando a
demanda por bens de luxo advindos de áreas remotas, começou a mudar toda a
ênfase econômica da sociedade, da sua prévia organização em unidades agrárias
autossuficientes (feudos) para a especialização econômica de trocas comerciais
e, a partir do séc. XIII, a um padrão inteiramente novo de sociedade, com
cidades, uma classe burguesa, expansão da alfabetização, aumento da liberdade
na escolha de alternativas sociais e pensamentos novos e, muitas vezes,
perturbadores.
De tudo isso veio o primeiro período de expansão da civilização
ocidental, abrangendo os anos de 970-1270. Ao final deste período, a
organização da sociedade estava se tornando uma coleção petrificada de
interesses escusos, investimentos estavam em declínio e a taxa de expansão
começava a cair. Deste modo, a civilização ocidental, pela primeira vez, entrou
na Era de Conflito. Este período, época da Guerra dos Cem Anos, da Peste Negra,
das grandes heresias e de inúmeros conflitos de classe, durou de 1270 a 1420.
Ao final, surgiram esforços por parte da Inglaterra e de Borgonha para
conquistar o centro da civilização ocidental. Mas, naquele mesmo momento, uma
nova Era de Expansão, usando uma nova forma de organização da sociedade que
contornou os velhos interesses escusos do sistema feudal, começou.
Esta nova Era de Expansão, chamada de era do capitalismo comercial,
durou de 1440 a aproximadamente 1680. O ímpeto real da expansão econômica
durante o período veio dos esforços para a obtenção de lucros pela troca de
bens – especialmente bens de luxo e semi luxo – advindos de longas distâncias.
Em tempo oportuno, este sistema de capitalismo comercial se petrificou numa
estrutura de interesses escusos na qual os lucros eram obtidos pela imposição
de restrições na produção ou na troca de bens ao invés do incentivo a estas
atividades. Este novo sistema de interesses escusos, chamado mercantilismo, se
tornou um peso tal para as atividades econômicas que a taxa de expansão da vida
econômica declinou e inclusive criou um período de declínio econômico nas
décadas que seguiram ao ano de 1690. As lutas de classes e as guerras
imperialistas criadas por esta Era de Conflito foram chamadas de a Segunda
Guerra dos Cem Anos. As guerras continuaram até 1815, e as lutas de classes
foram ainda mais longe. Como um resultado da primeira, a França, em 1810, já havia
conquistado a maioria da área central da civilização ocidental. Mas mais uma
vez, como aconteceu em 1420 quando a Inglaterra conquistou parte da área
central da civilização e a era de
conflito parecia ir chegando ao fim, a vitória perdeu o sentido porque um
novo período de expansão começou. Assim como o capitalismo comercial contornou
a petrificada instituição do sistema feudal (cavalaria) após 1440, o
capitalismo industrial contornou a petrificada instituição do capitalismo comercial
(mercantilismo), após 1820.
A nova era de expansão que
impossibilitou a ampliação da vitória político-militar de Napoleão de 1810,
havia começado, muito antes, na Inglaterra. Ela apareceu como uma Revolução
Agrícola, cerca de 1725, e como uma Revolução Industrial, cerca de 1775, mas
não se deflagrou enquanto grande expansão até após o ano de 1820. No entanto,
uma vez iniciada, avançou como uma força tal qual nunca vista anteriormente no
mundo, fazendo parecer com que a civilização ocidental fosse dominar todo o
globo terrestre. As datas desta terceira era
de expansão podem ser fixadas entre 1770 e 1929, seguindo a segunda era de conflito, de 1690 a 1815. A
organização social que estava no centro deste novo desenvolvimento pode ser
chamada de “capitalismo industrial”. No curso da última década do séc. XIX,
este sistema começou a se tornar uma estrutura de interesses escusos, ao qual
podemos dar o nome de “capitalismo monopolista”. Já, talvez, no ano de 1890,
certos aspectos de uma nova era de
conflito, a terceira na civilização
ocidental, começou a aparecer, especialmente na área central, com o
renascimento do imperialismo, do conflito de classes, de violentas guerras e de
irracionalidades.
Por volta de 1930, a civilização ocidental estava novamente numa era de conflito; em 1942, um estado
semiperiférico, a Alemanha, havia conquistado a maior parte da área central da
civilização. A façanha foi malograda pela entrada, na guerra, de um estado
periférico (os Estados Unidos) e de outro estado, pertencente a uma civilização
estrangeira (a União Soviética). Ainda não está claro se a civilização
ocidental irá trilhar o mesmo caminho das demais civilizações ou se será capaz
de se reorganizar suficientemente para entrar numa nova, quarta era de expansão. Se a primeira opção for
verdadeira, a atua era de conflito continuará
indubitavelmente com as quatro características de conflito de classes, guerras,
irracionalidade e declínio do progresso. Neste caso, sem dúvidas viveremos em
um império universal no qual os Estados
Unidos governarão a maior parte da civilização ocidental. Este período será
seguido, como nas outras civilizações, por um período de decadência e,
finalmente, na medida em que a civilização se enfraquece, por invasões e a
total destruição da cultura ocidental. Por outro lado, se a civilização
ocidental for capaz de se organizar e entrar numa quarta era de expansão, a capacidade de ela sobreviver e prosseguir em
crescente prosperidade e poder será fulgurante. Deixando de lado este futuro
hipotético, pareceria então que a civilização ocidental, em aproximadamente mil
e quinhentos anos, passou por oito períodos, quais sejam:
1. Amálgama,
350-700
2. Gestação, 700-970
3A. Primeira Expansão, 970-1270
4A. Primeiro
Conflito, 1270-1440
Império
Central: Inglaterra, 1420
3B. Segunda Expansão, 1440-1690
4B. Segundo Conflito, 1690-1815
Império Central:
França, 1810
3C. Terceira Expansão, 1770-1929
4C. Terceiro Conflito, 1893-
Império Central:
Alemanha, 1942
As duas possibilidades de futuro são:
Reorganização
3D. Quarta Expansão, 1944-
Ou
Continuação do Processo
5. Império Universal (Estados
Unidos)
6. Decadência
7. Invasão (fim da civilização)
Pelas civilizações listadas anteriormente, se torna fácil de perceber
como a civilização ocidental foi capaz de destruir (ou estar destruindo) as
culturas de seis outras civilizações. Em cada um destes seis casos a
civilização-vítima havia passado por um período de império universal e estava se aprofundando numa era de decadência. Em cada uma destas
situações, a civilização ocidental desempenhou um papel similar ao papel das tribos
germânicas contra a civilização clássica, ao dos dórios contra a civilização
cretense, ao dos gregos na mesopotâmica e na egípcia, pelos romanos na
civilização cananéia, ou pelos arianos na civilização índica. Os ocidentais que
se lançaram sobre os astecas em 1519, sobre os incas em 1534, sobre o Império
Mogul no século XVIII, sobre o Império Manchu após 1790, sobre o império
otomano após 1774 e sobre o Império Tokugawa após 1853, desempenhavam o mesmo
papel que os visigodos e outras tribos bárbaras tiveram sobre o império romano após
377. Em cada caso, os resultados do embate de duas civilizações, um na era de expansão e o outro na era do declínio, tinham uma conclusão
inevitável. A Expansão sempre destruirá a Decadência.
No curso das suas várias expansões, a civilização ocidental colidiu com
apenas uma civilização que não se encontrava no estágio de decadência. Esta exceção
era, digamos, a sua meia-irmã, a civilização agora representada pelo Império
Soviético. O estágio desta civilização “ortodoxa” ainda não está claro, mas
obviamente não é a era de declínio. Ao que tudo indica, a civilização ortodoxa
teve o seu início numa era de amálgama (500-1300) e está no seu segundo período
de expansão. O primeiro período de expansão, que cobriu os anos de 1500-1900, estava
ainda entrando numa era de conflito
(1900-1920) quando os interesses escusos da sociedade foram destruídos pela
derrota pela Alemanha em 1917 e substituídos por uma nova organização da
sociedade que deu emergência a uma segunda era
de expansão (a partir de 1921). Durante boa parte dos últimos quatrocentos
anos que culminaram no século XX, a Ásia foi ocupada por um semicírculo de
velhas e moribundas civilizações (islâmica, hindu, chinesa, japonesa). Estas
civilizações estão vivendo sob a pressão dos ocidentais que vêm dos oceanos e
da civilização ortodoxa que os empurram para fora do centro da extensão
territorial eurasiana. A pressão oceânica começou na Índia em 1945, com Vasco
da Gama, culminou a bordo do encouraçado Missouri na Baía de Tóquio em 1945 e
continuou com os ataques anglo-franceses em Suez, em 1956. A pressão russa do
centro do continente foi exercida contra as fronteiras internas da China, Irã e
Turquia, desde o século XVII até o presente. Boa parte da História do século XX
surgiu da interação destes três fatores (o poder continental russo, as desestabilizadas
culturas da borda asiática e as potências oceânicas da civilização ocidental).
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