O cientista
político russo Aleksandr Dugin é conhecido como o “Cérebro de Putin”, uma vez
que os seus escritos e palestras servem como sustentáculo filosófico e
ideológico ao “neo-eurasianismo” e as iniciativas da política internacional
expansionista de Putin. Dugin cita Heidegger como a sua maior fonte de
inspiração e se considera um estudioso do filósofo alemão. Em 2014, ele
publicou Martin Heidegger: A Filosofia de
Outro Começo, uma obra sobre a filosofia de Heidegger. Eu não li o livro
mas estudei a Quarta Teoria Política, onde Dugin traduz os conceitos centrais
de Heidegger em um manifesto político. Ambos foram publicados em inglês pela editora
supremacista Arktos.
A
influência de Heidegger nos departamentos de filosofia das universidades americanas
e européias diminuiu consideravelmente desde o lançamento, há dois anos atrás,
do seu Schwarze Hefte (Cadernos Negros), que mostra claramente que o
anti-semitismo era a base do seu pensamento. Pesquisadores já percebem agora um
encadeamento deste profundo anti-semitismo desde o seu Ser e Tempo (1927) até a
sua adesão ao Nacional Socialismo (Heidegger permaneceu um membro do Partido
Nazista até 1945). E é precisamente este período da carreira de Heidegger que
atrai Aleksandr Dugin. O ódio profundo a democracia liberal é o fundamento da
Quarta Teoria Política de Dugin. Heidegger via a democracia liberal como uma
criação da “Comunidade Judaica Mundial” – antagônica ao autêntico Dasein humano
– que controlava os Estados Unidos, que por sua vez a pretendia impor na Europa,
destruindo a Kultur européia. Dugin constrói uma hierarquia das ideologias do
mundo – com o liberalismo em último lugar – que deveriam ser substituídas por uma
nova forma de totalitarismo:
"A
Quarta Teoria Política… é construída sob o imperativo da superação da
modernidade e das três ideologias políticas, nesta ordem (e esta ordem é
extremamente importante): (1) liberalismo, (2) comunismo, (3) fascismo
(nacionalismo). O objeto desta teoria, numa versão simplificada, é o conceito
de narod, com significado quase
similar ao ‘Volk’ ou ’povo’, mas no sentido de ‘gente’ ou ‘pessoas’, e não de ‘massa’”.
Na teoria
de Dugin, portanto, o fascismo está num nível superior ao liberalismo. De fato,
tanto o fascismo quanto o comunismo são componentes do Admirável Mundo Novo de
Dugin: o comunismo, por seu anti-capitalismo e coletivismo, e o fascismo/nazismo,
por seu anti-racionalismo. Esta nova ordem, que Dugin chama de “Terceira Roma –
Terceiro Reich – Terceira Internacional, requer:
"o
desprezo aos preconceitos anti-comunistas e anti-fascistas. Estes preconceitos
são ferramentas nas mãos dos liberais e globalistas, com as quais mantêm os
seus inimigos divididos. Assim, devemos rejeitar com veemência o anti-comunismo
e o anti-fascismo. Ambos são ferramentas contra-revolucionárias nas mãos da
elite global liberal”.
A visão de
Dugin sobre a nova Eurásia é a de uma confederação de estados anti-liberais –
cada um com a sua própria ética e governo totalitário nacional exclusivo –
unidos sob a proteção da Mãe Rússia:
Ele (Dugin)
vê a Rússia como excepcionalmente posicionada para levar a cabo o confronto “metapolítico”
entre o Oriente e o Ocidente preconizado por Heidegger a fim de corrigir os
erros do racionalismo ocidental – apesar de o próprio Heidegger nunca ter
colocado este plano em prática. A Rússia então deveria encarnar a ‘quarta
teoria política’, corrigindo as falhas das três teorias do Ocidente moderno: liberalismo,
comunismo e fascismo. Em termos políticos concretos, isto significaria um
império russo que supostamente iria respeitar as diversas identidades étnicas
dos povos cativos sobre os quais governaria. Ou seja, ela respeitaria estas
identidades protegendo-as contra a homogeneização, as forças niveladoras do
universalismo atlanticista, à custa de coloca-las em suas devidas hierarquias,
submissas a hegemonia russa. Este império russo se aliaria com os demais
inimigos do universalismo ocidental para se oporem as potências ateístas,
plutocráticas e materialistas do Atlântico, comandadas pelos Estados Unidos e
por seu suposto representante, a União Européia.
A Rússia,
sob Putin e com o apoio da Igreja Ortodoxa Russa, está vivendo um ‘reavivamento
espiritual’ semelhante ao "geistige Erneuerung" que Heidegger viu no
Nacional Socialismo, sobre o qual escreveu numa carta de 1947 a Herbert
Marcuse:
“Zu 1933:
ich erwartete vom Nationalsozialismus eine geistige Erneuerung des ganzen
Lebens, eine Aussöhnung sozialer Gegensätze und eine Rettung des
abendländischen Daseins”.
Mas, para
Dugin, este reavivamento só será bem-sucedido por meio de um confronto global
envolvendo a Rússia e os proponentes da democracia liberal (os Estados Unidos).
Dugin divide os seus adversários americanos entre “gaviões” e “pombas”, dois
lados da mesma moeda: como defensores da democracia liberal, eles representam
um grande perigo a soberania da Rússia. Dugin usa o termo Enantiodromia para
ilustrar como a democracia liberal americana se esgotou e isto resultará num
conflito com a Rússia:
"A enantiodromia
termina assim que um dos lados começa a dominar. Quando os cesaristas perceberam
que a hegemonia americana e o liberalismo conduzirão inevitavelmente ao rebaixamento
da Rússia, e que disto independe quem prevalecerá nos Estados Unidos – se os
gaviões ou as pombas, eles (os cesaristas) então se voltaram a zona ideológica anti-liberal
e se prepararam para a guerra; uma guerra militar real. Porque eles sabiam que
mais cedo ou mais tarde a guerra seria imposta sobre eles caso insistissem em
soberania”.
Felizmente,
Putin é um pragmático e não segue os conselhos militares de Aleksandr Dugin. Quanta
influência tem Dugin sobre o Kremlin? Não sabemos. Talvez ele seja apenas o bobo da corte que entretém
os líderes da Igreja Ortodoxa. Por outro lado, não há dúvidas de que a ideologia
e as fantasias político-teológicas de Dugin têm influenciado um grande número
de pessoas, dentro e fora da Rússia. De acordo com Anton Barbashin e Hannah
Thoburn, existem mais de 56 filiais da União da Juventude Eurasiana de Dugin:
47 na Rússia e nove em outros países. O que também está evidente é que os escritos
de Martin Heidegger continuarão a inspirar os inimigos da democracia liberal e
a Open Society pelas próximas décadas.
No comments:
Post a Comment