A
perseguição aos cristãos permanece como a maior história jamais contada,
rotineira e deliberadamente esquecida em nossa era.
Por Rodrigo
Morais
Era o dia 6
de janeiro de 2010, data da véspera da celebração do Natal no calendário ortodoxo,
quando, enquanto viajava pelo norte da África, tive uma experiência que mudaria
para sempre a minha percepção do que é ser cristão no nosso século. Peguei um
ônibus de Cairo para a cidade de Taba, onde pretendia atravessar a fronteira
para Israel, como havia feito até então em outros países naquela viagem.
Chegando em
Taba, notei uma certa tensão no ar, estranha para um país como o Egito que
conheci, anterior a chamada Primavera Árabe, de relativa calma (com exceção do trânsito,
o mais caótico de todos) e com pessoas cordiais e ordeiras. Após conversar com
algumas pessoas no hostel e nas ruas, percebi então o perigo que corria. Soube
que era comum, naquelas cidades de fronteiras, a ação de grupos islâmicos que,
armados, aguardam a onda de trânsito dos pedestres que atravessam a fronteira
para celebrarem, com as suas famílias, os feriados cristãos. Ali naquele local
estes grupos esperavam os cristãos sudaneses que vinham de Israel.
Fui então instruído por um policial a retornar para Cairo e dali pegar um avião para Tel-Aviv caso quisesse
continuar a minha viagem. Naquele dia, dezoito cristãos sudaneses foram
friamente assassinados na fronteira de Taba, segundo informações da imprensa
local. Assassinados por nenhum motivo senão o fato de serem cristãos.
Este tipo
de ataque se intensifica nos feriados cristãos, quando pessoas se deslocam para
celebrar as festas com a família ou quando é certa a aglomeração dos mesmos em
igrejas e locais de reunião.
Ainda hoje,
na Páscoa de 2016, o problema subsiste – se não for errado dizer que tenha se
intensificado. Neste domingo, em Lahore, a segunda maior metrópole paquistanesa,
mais de 70 pessoas foram mortas num ataque suicida contra cristãos que
celebravam a Páscoa. Em anos recentes, imagens de ataques direcionados
especificamente a cristãos chocaram o mundo, como na outra cidade paquistanesa
de Peshawar, onde 85 pessoas morreram quando dois homens-bombas invadiram uma
igreja anglicana.
Mas o mais
terrível do último final de semana foi a crucificação, nesta Sexta-feira da
Paixão, do padre salesiano Tom Uzhunallil, após ter sido sequestrado pelo
Estado Islâmico numa invasão a congregação Missionárias da Caridade, no Iêmen,
onde 16 pessoas foram mortas, incluindo quatro freiras. Como o sequestro havia
ocorrido no início do mês, vários grupos cristãos já expressavam a preocupação
de que o padre estava sendo poupado a fim de ser crucificado na Páscoa. E foi o
que infelizmente aconteceu.
Consideremos
então alguns dados desta perseguição aos cristãos. De acordo com a Sociedade
Internacional de Direitos Humanos, um observatório secular com sede em
Frankfurt, oitenta por cento de todos os atos de perseguição religiosa no mundo
são contra cristãos, tornando-os o grupo mais perseguido do mundo por uma
enorme “desvantagem”.
De acordo
com o Forum Pew, entre os anos de 2006 a 2010, cristãos foram vítimas de
discriminação em 135 países do mundo, ou seja, em quase três quartos dos países
do mundo. Segundo o Centro de Estudos do Cristianismo Global do Seminário
Gordon-Conwell, em Massachusetts, uma média de 100 mil cristãos são
assassinados por ano nas últimas décadas pelo simples e único motivo de serem
cristãos. Isto significa que, a cada hora, morrem 11 cristãos no mundo por
motivos de perseguição religiosa.
É fato
então que o mundo tem testemunhado o surgimento de uma nova geração de mártires
cristãos. Esta carnificina vem ocorrendo numa escala tão grande que representa
não apenas a mais dramática história cristã da nossa era, mas sem sombras de
dúvida é também o maior desafio dos direitos humanos dos últimos anos.
Os números
e os exemplos são estarrecedores. Para se ter uma ideia, no início da primeira
Guerra do Golfo, em 1991, haviam 1,5 milhão de cristãos no Iraque. Atualmente,
a melhor estatística indica um número inferior a 500 mil, com números mais
realistas indicando apenas 150 mil. Muitos destes cristãos iraquianos simplesmente
fugiram, mas a grande maioria foi assassinada.
O estado
indiano de Orissa foi palco, em 2008, de um dos mais violentos pogroms
anti-cristãos do século XXI. Grupos de radicais hindus, munidos de facão e machete,
mataram mais de 500 cristãos, deixando ainda milhares de feridos e pelo menos
50 mil desabrigados. Os cristãos que escaparam fugiram para campos de
refugiados, onde definharam por mais de dois anos. Estima-se que 350 igrejas e
escolas foram destruídas. Uma freira católica, a irmã Meena Barwa, foi
estuprada e obrigada a marchar nua, enquanto era surrada. A polícia local, simpática
aos radicais, a desencorajou de prestar queixa e se recusou a prender os
agressores.
Em Myanmar,
os grupos étnicos Chin e Karen, de maioria cristã, são considerados dissidentes
do regime e expostos diariamente a toda forma de prisões, torturas, trabalhos
forçados e assassinatos. As vilas de cristãos são consideradas “zonas negras”,
onde o exército tem autorização para atirar e matar quem quer que seja. Apesar
de não haverem números oficiais, estima-se que milhares de cristãos já morreram
nesta ofensiva.
Na Nigéria,
o grupo islâmico Boko Haram é responsável por pelo menos 3.000 mortes desde
2009, sendo 800 só no ano passado. O grupo é especializado em atacar grupos de
cristãos e igrejas e estão determinados a expulsarem todos os cristãos daquele
país.
A Coréia do
Norte é considerada o lugar mais perigoso para um cristão, sendo que se estima
que pelo menos um quarto da população cristã de 400 mil pessoas vive em campos
de trabalho forçado por se recusarem a adorar o fundador do atual regime, Kim
Il Sung (cuja mãe, por incrível que pareça, foi uma diaconisa presbiteriana).
Desde o armistício de 1953, pelo menos 300 mil cristãos na Coreia do Norte
desapareceram ou foram dados como mortos.
Por que
então que as dimensões desta guerra global permanecem ignoradas? Além do fato
de que estas vítimas pertençam a grupos minoritários que vivem em países pobres
e logo não são considerados dignos de serem noticiáveis, esta guerra global reflete
uma inversão de um estereótipo retrógrado que coloca os cristãos como opressores,
e não como oprimidos.
Diga a
palavra “perseguição religiosa” e os formadores de opinião da nossa era
pensarão nas Cruzadas, na Inquisição, em Giordano Bruno e Galileu e nos julgamentos
das bruxas de Salém. Ocorre que não vivemos numa ficção de Dan Brown, onde os
cristãos enviam assassinos para resolver um conflito histórico, mas num mundo
em que, ao contrário, os cristãos são os alvos destes assassinos.
Além disso,
a discussão pública ocidental sobre Liberdade religiosa sofre dois tipos de
cegueira. Primeiro, considera que toda a questão da liberdade religiosa se
resume a um conflito entre igrejas e o estado, como na questão de se ensinar
ideologia de gênero nas escolas ou de se obrigar as igrejas a celebrarem “casamentos”
homossexuais. No mundo ocidental, a ameaça à liberdade de religião significa
que alguém vai ser processado judicialmente. Nas outras partes do mundo,
significa que alguém vai ser assassinado. Certamente que o último cenário é o
pior.
Segundo, a
discussão esbarra numa limitação que é a estreiteza do conceito de violência religiosa.
Se um missionário é assassinado no Congo porque ele está, por exemplo,
persuadindo os jovens a não se juntarem a milícias de rebeldes ou gangues,
alguém diria que isto é uma tragédia, mas não um martírio, já que os agressores
não foram movidos por um ódio ao Cristianismo. Ocorre que o ponto crucial neste
caso não é a mente dos agressores, mas o coração do missionário, que
sabidamente colocou a vida em risco para servir ao evangelho. Focar nos motivos
dos agressores só serve para distorcer a realidade.
Junte-se a
todos os motivos acima o fato de a imprensa ocidental ser regida pelo mais
superficial politicamente correto que, por exemplo, numa situação que beira ao
genocídio de cristãos perpetrado por grupos muçulmanos, esteja mais preocupada com
a percepção da opinião pública em relação aos islâmicos, a fim de “não se confundir
a ação de um grupo de extremistas com a totalidade desta religião da paz...”.
Qualquer
que seja, no entanto, o real motivo deste silêncio, é urgente uma mudança de
postura da igreja ocidental em relação aos irmãos que padecem do outro lado do
mundo. Que o conhecimento da realidade do sofrimento daqueles que dão a própria vida
por amor de Cristo nos fazer sentir como se padecesse a nossa própria
família. Não existe uma questão
sobre o destino do Cristianismo mais importante do que esta.
Denunciemos
os seus algozes e oremos por estes corajosos e decididos mártires de Cristo,
por Seu nome humilhados, supliciados e sentenciados, padecendo flagelos em mãos
cruéis.
Consegues
escutar o clamor dos mártires? Quantas atrocidades ainda sofrerão até que corramos
ao seu socorro?
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