SAHLBERG, Pasi. "Equity of Outcomes". Finnish Lessons 2,0: What can the world learn from educational change in Finland. Second Edition. Teachers College Press: New York, 2015.
Tradução: Rodrigo Morais
Tradução: Rodrigo Morais
EQUIDADE DE RESULTADOS
Muitos pensam equivocadamente que equidade, em educação, consiste em todos os estudantes estarem submetidos ao mesmo currículo ou que alcancem os mesmos resultados na escola. Esta também foi a crença corrente na Finlândia por muito tempo, após a reforma educacional fundada na igualdade, que foi lançada no início dos anos 1970s. Equidade educacional, no entanto, consiste na possibilidade de todos os estudantes terem acesso a uma educação de alta qualidade, não importando onde vivem, quem são seus pais ou qual escola frequentam. Neste sentido, a equidade garante que as diferenças nos resultados não dependam das diferenças no contexto econômico familiar.
A equidade dos sistemas educacionais é medida nos testes internacionais pelo cálculo da relação entre os resultados escolares dos estudantes e os vários aspectos do contexto familiar. A OCDE usa um indicador que inclui a situação econômica, social e cultural (ESCS) para calcular o índice de equidade entre os estudantes baseado na formação acadêmica, profissão e riqueza dos pais, além de outros aspectos do contexto socioeconômico. Nos sistemas mais igualitários, o aprendizado escolar é menos dependente do contexto familiar. Existe uma grande variação, entre os países, na relação entre os resultados escolares e o contexto familiar, assim como variam, entre os mesmos, os resultados escolares em leitura, matemática e ciências.
Igualdade de
oportunidade educacional e equidade de resultados são
características importantes dos países nórdicos, e significam mais
do que simplesmente a garantia de que todos tenham acesso a escola.
Na Finlândia, esta equidade consiste num sistema educacional
inclusivo e socialmente justo, que oferece a todos a oportunidade de
conquistar os seus sonhos e objetivos por meio da educação. Como
resultado da reforma da educação secundária, na década de 1970,
as oportunidades educacionais para um aprendizado de qualidade se
espalharam uniformemente pelo país. No início dos anos 70, quando
se inicia a implantação desta reforma, havia uma significante
desequidade de oportunidades entre jovens adultos devido as
diferentes orientações educacionais associadas com o velho sistema
paralelo. Esta disparidade educacional correspondia fortemente a
divisão socioeconômica da sociedade finlandesa da época. E apesar
dos resultados começarem a se uniformizar em meados dos anos 80, a
separação dos alunos em níveis quanto a habilidade com matemática
e línguas estrangeiras manteve esta disparidade relativamente alta.
Após a mudança
do sistema de níveis para o sistema global, em meados dos anos 80, e
o consequente aumento da expectativa de aprendizado para todos os
estudantes, a disparidade de resultados começou a decair. Ou seja,
todos os estudantes, independentemente das condições sociais ou
interesses, passaram a estudar matemática e línguas estrangeiras
nas mesmas classes, sem nivelamento. Antes disto, estas disciplinas
eram divididas em três níveis, em que os alunos eram colocados de
acordo com desempenho acadêmico anterior ou mesmo, muitas vezes,
pela influência dos pais ou conhecidos.
Até o primeiro
teste do PISA, em 2000, não estava claro se as políticas
igualitárias e os altos investimentos em equidade educacional eram
de fato eficientes para aumentar a qualidade dos resultados. Muitos
pensavam que a valorização da igualdade e da equidade como os
fatores fundamentais da política educacional nacional impediria o
desenvolvimento do talento individual e, por conseguinte, a melhora
da qualidade. Uma das descobertas mais inesperadas do primeiro PISA
foi que a maioria dos sistemas educacionais com os melhores índices
de aprendizado era também os mais equânimes. Desde então, o PISA
tem revelado, dentre outras coisas, que a Finlândia tem a menor
variação de desempenho entre as escolas, nos índices de leitura,
matemática e ciências, de todos os países da OCDE (2001; 2004;
2007; 2010b; 2013b).
Se calcularmos o
quanto da variação total do desempenho escolar está associado com
as diferenças dentro de cada escola e o quanto dele está associado
com as diferenças entre as escolas, vemos ainda outro aspecto da
igualdade e da equidade em sistemas educacionais. As variações de
desempenho entre escolas mostram o quanto estas são estatisticamente
diferentes em qualquer país. Na Holanda, Bélgica e Alemanha, por
exemplo, as diferenças de aprendizado entre escolas é maior do que
dentro da mesma escola, o que sugere que exista uma disparidade maior
entre as escolas quanto ao desempenho geral. A figura 2.2 mostra a
variação de desempenho entre diferentes escolas e na mesma escola,
nos países da OCDE, conforme as notas de matemática em 2012 (OECD,
2013b). Nestes países se observa uma diferença média de 37% entre
diferentes escolas e 63% na mesma escola. A variação total do
desempenho educacional na Finlândia em relação a variação da
OCDE é de 86%.
De
acordo com a Figura 2.2, a Finlândia tem uma variação entre
escolas de aproximadamente 6% na escala do PISA, enquanto a média no
Canadá, Estados Unidos e Grã-Bretanha é de, respectivamente, 18%,
23% e 30%. A variação de desempenho entre escolas na Finlândia em
2012 estava no mesmo nível mostrado nos exames anteriores do PISA. O
fato de que quase toda a variação (ou desigualdade) ocorre “na
mesma escola”, conforme mostra a figura 2.2, indica que as
diferenças restantes são provavelmente devidas principalmente a
variação entre os talentos naturais dos estudantes. Variações
entre escolas se relacionam a desigualdades sociais. Uma vez que esta
variação é ínfima na Finlândia, isto mostra que o país foi
capaz de lidar eficazmente com as desigualdades sociais. Outrossim,
isto sugere, como observado por Norton Grubb em seu estudo sobre a
equidade educacional na Finlândia, que a reforma educacional
finlandesa foi bem sucedida na construção de um sistema educacional
igualitário num período relativamente curto de tempo, um dos
objetivos principais da proposta de reforma educacional na Finlândia,
criada no início dos anos 1970s (OECD, 2005; Grubb, 2007). Esta
variação quase insignificante do desempenho entre escolas faz com
que os pais finlandeses raramente se preocupem com a qualidade da
escola na sua vizinhança. Mesmo que a busca por uma escola que naõ
seja a da vizinhança seja um fenômeno crescente em grandes áreas
urbanas da Finlândia, os pais normalmente buscam por uma escola
comum e segura para os seus filhos.
Uma ênfase mais acentuada na equidade educacional dá um sentido diferente ao desempenho escolar e na forma como ele é medido. Testes padronizados se tornaram o modo mais comum de se avaliar o desempenho das escolas em muitas partes do mundo. As prestações de contas são baseadas nos dados coletados nestes testes. Os professores e diretores são responsabilizados pelo aprendizado dos alunos com base nestes dados. Mas não na Finlândia. A ausência de testes padronizados na Finlândia deixa as escolas responsáveis pelas avaliações de desempenho dos alunos. Um escola com um desempenho considerado excelente, na Finlândia, é aquela onde todos os estudantes superam as expectativas. Em outras palavras, quanto maior a equidade, melhor é a escola, de acordo com o critério finlandês.
Um sistema
educacional equânime e onde os estudantes aprendem bem é também
capaz de corrigir os efeitos das desequidades sociais e econômicas.
Desde a década de 70, as políticas educacionais finlandesas têm
alcançado altos índices de desempenho escolar, ao mesmo tempo em
que diminuem as influências do contexto familiar nos resultados de
aprendizado, conquistando assim um alto nível de equidade. Alguns se
perguntam porque os finlandeses consideram isto tão importante. A
desequidade no sistema educacional da Finlândia é vista como
particularmente problemática porque demonstra a incapacidade da
utilização de todo o potencial cognitivo dos estudantes. Por ser
uma nação pequena, a Finlândia não pode deixar nenhuma criança
para trás. As evidências também mostram que o fortalecimento da
equidade educacional pode ser custo-benéfico. A OCDE concluiu
recentemente, após examinar os quatro ciclos de dados do PISA, que
os sistemas educacionais com os melhores desempenhos dentre os seus
países-membros são aqueles que combinam qualidade com equidade
(OCDE, 2012). Outra pesquisa (Cunha & Heckman, 2010) mostra que o
investimento em educação de alta qualidade, para todos os
estudantes e que direciona recursos adicionais aos menos favorecidos
o mais cedo possível, é uma estratégia efetiva que produz os
melhores impactos na melhora acadêmica como um todo.
Como a Finlândia
transformou estas descobertas em práticas que melhoraram a equidade
nas escolas? Um fator é o direito universal de que toda criança
finlandesa tenha educação básica de alta qualidade. O outro,
igualmente importante, é a inclusão de crianças com necessidades
educacionais especiais no sistema comum de ensino – um importante
princípio-chave da educação finlandesa. Todas as escolas precisam
ter professores de educação especial e assistentes de classe que
possam ajudar os alunos com necessidades especiais. Existem
diferenças notáveis na forma como a educação especial é definida
e ofertada na Finlândia, em comparação com outros países do
mundo, inclusive os Estados Unidos. A mais importante delas é que a
educação especial é direcionada a todos os estudantes
finlandenses, com base na premissa de que, em algum momento das
nossas vidas, todos precisamos de apoio e ajuda para avançar.
Primeiro, a
educação especial é definida, na Finlândia, como direcionada
primariamente as dificuldades relativas ao aprendizado, como a
leitura e a escrita, e as dificuldades de aprendizado em matemática
ou língua estrangeira. Nos Estados Unidos e em muitos outros países,
estudantes são identificados como portadores de necessidades
especiais com base em critérios que normalmente se referem a uma
variedade de condições incapacitantes, como deficiências
sensoriais e fonoaudiológicas, deficiência intelectual ou
dificuldades comportamentais.
Segundo, na
Finlândia as dificuldades especiais são identificadas e tratadas o
mais cedo possível: a prevenção é a estratégia comum. Isto
significa que existe um grande número de crianças em atendimento
especial na Finlândia, em comparação com os Estados Unidos e
outras nações, principalmente nos primeiros anos escolares. Nas
escolas secundárias finlandesas, quase um terço dos estudantes
frequentaram a educação especial em 2012, seja em período integral
ou parcial.
Finalmente, o novo
sistema de educação especial na Finlândia, desde 2011, é definido
com o título de Apoio Escolar e de Aprendizado, e todos os alunos da
educação especial estão sendo integrados nas classes regulares.
Existem três categorias de assistência ofertadas a estes estudantes
com necessidades especiais: 1) apoio geral, 2) apoio intensificado e
3) apoio especial. A primeira inclui as ações dos professores das
classes regulares, em termos de diferenciação, assim como esforços
da escola para lidar com as diferenças entre os estudantes. A
segunda categoria consiste na terapêutica, pelo professor regular em
parceria com o professor de educação especial, e ensino
individualizado ou em grupos pequenos com um professor de educação
especial trabalhando meio período. A terceira categoria inclui uma
gama de serviços de educação especial, de educação regular em
tempo integral a colocação em instituição especial. Todos os
estudantes nesta categoria recebem um Plano de Aprendizado Individual
que leva em consideração as características de cada estudante e,
assim, personaliza o aprendizado de acordo com as habilidades de cada
aluno. Os efeitos desta nova política de educação especial são o
aumento do número de estudantes no apoio intensificado e a
diminuição do número no especial. No ano escolar 2013-2014, no
peruskoulu (educação básica), 6,5% receberam apoio intensificado e
7,3%, apoio especial. Em 2013, cerca de 22% de todos os estudantes no
peruskoulu receberam apoio intensificado ou geral de meio período. O
total de estudantes em educação especial no peruskoulu finlandês
em 2013 era de 28%, de acordo com as estatísticas oficiais.
Muitos acreditam
que o sistema de educação especial da Finlândia é um dos fatores
chaves que explicam os excelentes resultados de sucesso e equidade do
sistema escolar finlandês, em recentes estudos internacionais. Minha
experiência pessoal, baseada no trabalho e na visita a centenas de
escolas finlandesas, é que a maioria das escolas dá uma atenção
particular aquelas crianças que precisam de mais ajuda para serem
bem sucedidas, comparadas com outros estudantes. Muitos professores e
administradores que visitam as escolas finlandesas pensam o mesmo,
mas estão normalmente presos no dilema “excelência vs. equidade”
devido a demandas externas e regulações nos seus próprios países.
Os testes patronizados que comparam indivíduos com médias
estatísticas, as competições que deixam para trás os estudantes
mais fracos e os salários para professores baseados em mérito
prejudicam os esforços escolares para promover a equidade. Nada
disso existe atualmente no sistema educacional finlandês.
Ao final da
reforma da peruskoulu, a Finlândia adotou uma estratégia de
intervenção antecipada e prevenção, a fim de ajudar aqueles
indivíduos com necessidades educacionais especiais, quaisquer
fossem. Assim, os possíveis déficits de aprendizado e
desenvolvimento são diagnosticados ainda no início do
desenvolvimento e cuidado infantil, antes que a criança entre na
escola. Nos primeiros anos da educação infantil, o apoio intensivo
especial – principalmente em leitura, escrita e aritmética – é
oferecido para todas as crianças que tenham necessidades especiais.
Como resultado, a proporção de estudantes em educação especial,
na Finlândia, nas primeiras séries do ensino primário, é
relativamente maior do que na maioria dos países. Como mostra a
figura 2.3, o número de estudantes que recebem apoio especial nas
escolas finlandesas diminui no final da educação primária e,
então, tem um leve aumento na medida em que os estudantes passam
para as séries iniciais da escola secundária, baseada em
disciplinas. O motivo para o aumento da necessidade de apoio especial
nestas séries iniciais da educação secundária é que o currículo
único define certas expectativas para todos os estudantes,
independente das suas habilidades ou aprendizado anterior. A
estratégia comum adotada internacionalmente é corrigir os problemas
da educação primária e secundária na medida em que ocorrem ao
invés de tentar preveni-los (Itkonen & Jahnukainen, 2007). Os
países que utilizam a estratégia acima têm um número crescente de
estudantes com necessidades especiais por toda a educação primária
e secundária, como mostra a figura 2.3.
O sistema de
educação altamente igualitário da Finlândia não é resultado
apenas de fatores educacionais. As estruturas básicas do estado de
bem-estar social finlandês têm um papel importante na provisão de
condições equânimes para todas as crianças e suas famílias, a
fim de que iniciem uma vida estudantil bem sucedida, ao completarem 7
anos. Longas licenças parentais, sistema de saúde amplo e
preventivo para todos os bebês e suas mães e monitoramente
sistemático do desenvolvimento mental e físico das crianças estão
disponíveis a todos, independente das circunstâncias de vida ou
econômicas. Educação básica infantil, pré-escolas gratuitas que
atendem 98% das crianças com 6 anos de idade, amplos serviços de
saúde e medidas preventivas para identificar possíveis dificuldades
de desenvolvimento e aprendizado antes que a criança ingresse na
escola estão acessíveis para todos. As escolas finlandesas também
oferecem para cada criança almoço grátis e saudável diariamente,
independente da situação econômica de cada um. A pobreza infantil
está num nível muito baixo de aproximadamente 5% da população de
crianças, comparada com 23% nos Estados Unidos e 13% no Canadá. A
fim de evitar que os alunos de escolas primárias sejam classificados
de acordo com as suas performances estudantis, os testes com notas
não são normalmente utilizados nos primeiros cinco anos da
peruskoulu. Este é um importante princípio no desenvolvimento da
educação primária na Finlândia: os elementos estruturais que
causam o fracasso escolar devem ser removidos. É por isto que
repetência e confiança excessiva nas medições de performance
acadêmica, que serão discutidas no proximo texto, têm sido
gradualmente retiradas das escolas finlandesas.
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