"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Friday, December 25, 2009

O fim é o começo – parte doce

CAMINHO
"Bem no fim do caminho, como flor
Esquecida de alguém,
Encontrei o começo."
(José Reis)


Exatamente uma semana atrás aconteceu a graduação dos estudantes da EPF. No dia seguinte a maioria deles já sabia em que região da província estarão indo trabalhar. Alguns já estão nestes rincões. A ADPP tem um convênio com o Ministério de Educação do país, que indica as áreas de maior necessidade de professores e se compromete a contratar todos os graduados, todo ano.
Eu não acredito que seja esse o meu momento de comentar sobre esse evento. Em outro tempo, quem sabe, quando eu tiver saído do projeto, estiver no Brasil ou em algum outro lugar e pensar nisso com calma, poderei explicar o turbilhão de pensamentos sobre o que aconteceu aqui na EPF desde que cheguei, todas as experiências que vivi e as contribuições – se existiram – que deixei aos alunos que por aqui passaram nesse ano.
Conheci alunos excepcionais aqui. Professores não do futuro, mas do presente. Pessoas que nasceram com o dom de aprender e de ensinar e sob outras circuntâncias e com a inteligência que possuem, estariam galgando posições de destaque em qualquer sociedade, qualquer cidade ou país. Muitos deles ainda têm essa possibilidade. São novos, apenas precisam do apoio, da voz que diga que tudo é possível, basta lutar contra os nossos gigantes, a maioria dentro de nós mesmos.

Faço uma referência respeitosa principalmente aos meus alunos Pacule e Finiasse. A vontade de aprender, a busca, mesmo com as dificuldades - que todos temos - no caminho, mesmo ouvindo de alguns palavras de desincentivo, eles (ambos) tinham um sorriso de canto de boca e na outra oportunidade faziam melhor. Vão ser excelentes professores e poderiam ser qualquer outra coisa que quisessem. Finiasse sempre sorria das minhas broncas, não um sorriso sarcástico, mas aquele de quem descobre um novo jeito de fazer alguma coisa. E conversar com o Pacule sempre me fazia sentir que valeu a pena ter vindo, que eu realmente contribuí com alguma coisa para a educação desse país.

Foi numa conversa com o Pacule que eu aprendi algo de verdade. Porque aprender por ler ou ficar sabendo por ouvir dizer é uma coisa. Aprender de verdade é quando a coisa entranha, o verbo se faz carne. Aprendi que os nossos maiores gigantes, nossos maiores desafios estão dentro de nós mesmos. Não adianta culparmos o nosso nascimento humilde, a corrupção do governo ou a posição dos astros quando do nosso nascimento. Ouvindo ele falar de si mesmo, eu lembro que muitas vezes dei essa mesma desculpa para me deixar ser derrotado. Ele me dizia que os alunos reclamavam que não tinham livros suficientes na biblioteca, que não tinham computadores suficientes e que não havia tempo suficiente para estudo, por isso tantas notas baixas. Eu perguntei em quantas escolas de todo o país de Moçambique haviam bibliotecas, em quantas tinham computadores e em quantas os alunos moravam, comiam e dormiam na escola. Ele me olhou, pensou e disse: “é, acho que o problema está em nós mesmos...”. Vencer a nós mesmos, aos nossos medos, é o nosso maior desafio. Sem desculpas, sem justificativas. É fácil apontar os defeitos e problemas em tudo o que nos cerca. Mas olharmos para nós mesmos inicia um processo de justificativas que não tem fim, a não ser que decidamos deixar de enganar a nós mesmos. E as opções para se integrar em qualquer grupo de excluídos é infinita: latino, negro, nordestino, mulher, homossexual, colonizados, não ter habilidades “x”, não ter graduação “y”. A vitrine oferece várias máscaras para nos escondermos de nós mesmos.

E se eu continuar falando sobre aprendizados por mais linhas do que estas, vou ser obrigado a reconhecer que eu levo mais desses alunos do que propriamente trouxe para eles. Eu ganhei mais do que dei e, no final, tenho que decidir não pensar nessa troca em termos do que é justo ou injusto.
Viver nessa pequena comunidade de Nhamatsane, nas dependências do projeto, com esses alunos, me ensinou coisas para a vida toda, porque o meu próprio eu foi objeto de ensino.
Aí habita o problema do convívio com o diferente. Viver com iguais é confortável principalmente porque massageia o ego. Ouvir, ver e reproduzir sempre os mesmos jargões de nós mesmos, dos nossos iguais, é uma afirmação constante de nós mesmos, da nossa própria beleza. É narcisístico. Nosso sotaque, nossas idéias, nossas tradições, nossos chavões, tudo isso dão testemunho de como especiais nós somos, de que nosso jeito de ser “é uma tradição de há séculos”, como dizia Pessoa.
Então, um dia, você se vê no convívio do diferente, do totalmente estranho e novo. E isso é repugnante. Sim, essa é a palavra mesmo. Daí surgem os motivos de racismo e xenofobia. O diferente é repugnante. Mas acontece que a raiz dessa repugnância é muito discreta. E pode nos fazer pensar que repugnante é o próprio outro. Bem, é aí que mora o engano. O repugnante, na verdade, somos nós mesmos. O outro aparece como um espelho que mostra a nossa própria imagem caricaturada, com defeitos acentuados de forma esdrúxula. O diferente nos obriga a pensar sobre nós mesmos, sobre quem e o que somos. Sem o suporte da masturbação mental nascisística, nós nos achamos no beco-sem-saída da nossa própria imagem, da nossa pergunta sobre nós mesmos.
E o povo com o qual vim morar, nessa simplicidade de vilarejo, são mestres da eloquência em suas ações e jeitos de ser. Tudo é exagerado, retumbante. Se é uma discussão, tem de haver gritos. Se é alegria, que hajam mais gritos ainda. Se é festa, cubram os tímpanos. Se é formalidade, eles são ao extremo. E a aula de “self interior” vai se dando assim, em gestos e ações muito exageradas. Se hoje vamos falar de preguiça, eles passam o dia inteiro sem fazer nada. Se hoje a aula é sobre trabalho, eles passam o dia inteiro na machamba. Se a aula é sobre vida simples, eles vivem apenas com o que plantam no fundo do quintal. Se é sobre a alegria de viver, mesmo em meio a dor, eles fazem as melhores festas e dão os mais belos sorrisos. Tudo aqui é erótico e dionisíaco. Ao mesmo tempo, tudo é de uma contrição da qual eu já até falei em outra postagem anterior.
E assim, nesta barulhenta estranheza e diferença, eu fui aprendendo muito sobre eu mesmo e até resolvi questões existenciais de alguns anos. Claro que isso é assunto apenas para o meu analista, se eu tivesse um...

Enquanto terminava estas últimas linhas anteriores, me veio à mente um momento da formatura que nunca vou esquecer. Um grupo de alunos foram à frente e cantaram uma música muito linda agradecendo à EPF e aos formadores por terem dado a eles a oportunidade de se formarem professores. No final da música era repetido várias vezes a palavra “obrigado”, enquanto eles se dirigiam para fora do salão. Eu estava próximo à porta de saída naquele momento e eles vieram cantando na minha direção. Todos aqueles que foram meus alunos, ao passarem por mim, acenaram e disseram “obrigado”. Eu brinquei, dizendo “de nada”, mas meu coração estava em prantos de emoção. E não posso evitar as lágrimas ao lembrar disso. E lembro de ouvir do Thiago naquele dia que, mesmo sendo tão pouco, aquilo já é muito. Sim, para quem não tem nada, uma gota mata a sede...
Agora, findo o meu trabalho, é o deles que começa.

O fim é o começo – parte amarga

Ao mesmo tempo, eu preciso sair do plano pessoal e tentar uma visão panorâmica do processo de formação de professores. E, nesse momento, o sentimento é outro. Eu não acredito mesmo que deva resolver todos os problemas e nem tenho um plano bem elaborado para transformar o mundo. Precisaria de muita imaturidade e um pouco de imbecilidade para pensar isso. Da mesma forma seria imaturo e infantil o romantismo que não me permitisse olhar com certa distância o que foi feito esse ano na EPF-Chimoio.
No que diz respeito à educação no país, o governo de Moçambique tem se orientado pelos Millenium Goals das Nações Unidas, que fixou metas para o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo. Um dos alvos é a melhoria do sistema educacional e a erradicação do analfabetismo.
Ora, essas metas são baseadas, obviamente, em números. E estes são, por sua vez, ineptos para medir a qualidade da educação. Os números, muitas vezes, servem para maquiar e produzem um efeito inverso daquele esperado. Veja o caso do Brasil, com o seu aumento dos numeros de universidades e de graduados no nível superior, quando descobrimos que, segundo outra combinação de números, mais de 30% deste grupo nas terras tupiniquins são analfabetos funcionais. São incapazes de ler um texto e entendê-lo. O primeiro grupo de números deu uma falsa impressão de que certo problema caminha para a sua solução.
Em Moçambique, a exigência da ONU e a preocupação do governo em resolver esse problema de pressão externa se somam no aumento do problema da educação, transformando o sistema educacional do país numa corrida por formandos.
É o que aconteceu com o programa de formação de professores da ADPP. O período de formação dos professores era de 2 anos e meio até o ano de 2007. A partir de 2008, por pressão do governo moçambicano, a ADPP reduziu o período de formação para apenas 1 ano. Assim, o governo poderá apresentar às Nações Unidas uma bela estatística com inúmeros professores formados e trabalhando nas áreas rurais mais remotas.
Mas, infelizmente, a maioria destes professores não estão preparados para serem aquilo do qual, a partir de agora, estão sendo chamados. Não quero dizer apenas que eles não estão preparados para serem os professores dos meus futuros filhos, mas estão aptos para ajudar no urgente combate ao analfabetismo moçambicano. Não, isso é muito mais sério. Antes de saírem no combate ao analfabetismo, precisaria ter sido combatido o analfabetismo de, talvez, 80% destes alunos. Uma aluna minha, por exemplo, durante uma prática pedagógica, tentava explicar “orações subordinadas adjetivas” aos alunos da escolinha do bairro, sem saber, ela mesmo, o que eram “orações”. Nesse dia, assumi a aula, expliquei para ela e para os alunos o que eram “orações”, o que eram “orações subordinadas”, “orações coordenadas”, até chegar no plano de aula daquele dia... Não era capaz de ler o livro-texto e interpretar. Não saiu, ela mesmo, da escola primária. Aliás, todo esse meu chororô já foi escrito no Golden Cut Report. Mas permitam-me repetir: 1 ano não é suficiente para formar um professor.
O problema não são os alunos-futuros professores. Eles são vítimas, das mais prejudicadas, nesse efeito-dominó dantesco. Saíram da EPF com a informação de que são professores. E, acredite-me, eles acreditaram nessa. Foram enganados pelo Ministério da Educação, pelo Governador da Província (que mandou representante para o evento) e pela EPF-ADPP. E agora se dirigem às comunidades onde irão trabalhar, crendo e espalhando as falsas boas-novas.
E não posso me permitir um otimismo tolo ao dizer que eles vão aprender, porque não vão. Se não aprenderam quando tinham formadores por perto (que não tiveram tempo suficiente para tal), agora eles acreditam que são professores. Tem um diploma para provar e duvido que você os consiga convencer do contrário.
Outro problema é o sistema de ensino, o DmM. Baseado em novas teorias educacionais, é um sistema aberto, onde o aluno acessa um banco de dados e escolhe o que quer aprender. Esse sistema é belo de se explicar, mas na prática não conta com alguns fatores. Primeiro, para um bom desempenho das atividades magisteriais, o formando não pode prescindir de aprender a grande maioria das disciplinas ensinadas no curso de formação de professores. Muito menos num curso que tenha duração de 1 ano. Ao mesmo tempo, ele possui, durante o curso, a ignorância da própria ignorância. Ou seja, ele não sabe o que precisa saber para ser um professor. Ele nunca foi professor antes na vida. Logo, não está apto para decidir o que quer (ou precisa) aprender. Seria como um engenheiro prescindir de aprender geometria espacial. E nesse momento uma ementa tradicional e pré-fabricada (por pior que seja vista pelas teorias educacionais da moda) é a melhor opção.
Além disso, as aulas presenciais na EPF também são “flexíveis”, pois a ementa é decidida a cada 3 semanas pelos formadores, a partir daquela expressão que até hoje eu não sei o que significa: “segundo as necessidades dos alunos”. O fato é que a reunião de decisão das matérias das próximas 3 semanas nunca ocorria. No final, aos formadores eram distribuídas as disciplinas e estes decidiam o que lecionar, sem que houvesse, na maioria das vezes, correspondência e continuidade com aquilo que fora ensinado nas semanas anteriores. Caso houvesse uma ementa tradicional e vinculante, o formador deveria espernear o quanto quisesse contra o autoritarismo da mesma, mas deveria dar aquela aula, seguindo um cronograma com continuidade, o que facilitaria a assimilação do aluno, não mais surpreendido com novidades a cada 3 semanas.
Pior que não ter educação é ter a impressão de que se está educado, sem estar. Isso sim, é o começo do fim.

The Great Zimbabwe!

A grama do vizinho é mesmo mais verde. Para quem se acostuma com o cenário da savana moçambicana, o Zimbabwe se mostra um pedaço do paraíso. Moçambique tem sim as suas belezas naturais, mas o Zimbabwe...
A cidade de Chimoio fica a 40 minutos da fronteira e foi graças a ineficiência tecnológica africana que eu precisei ir ao Zimbabwe finalizar a compra da passagem de avião que vai me levar para um feriado no outro extremo da Africa.
Se eu tivesse que aparecer com qualquer motivo dessa diferença entre os dois vizinhos, a guerra civil moçambicana que destruiu as matas e expulsou a vida selvagem, a ineficiência da colonização portuguesa e o atual descaso do governo e da população seriam os meus preferidos para apontar o lado lusófono da fronteira.
A savana do vizinho, por outro lado, é muito preservada. O cenário realmente muda exatamente na fronteira. Enquanto estamos na província de Manica, as casas são de barro e telhado de palha, nas matas predominam grandes clareiras e é muito dificil cruzar com pelo menos um macaco pelo caminho.
Assim que se recebe o carimbo no ultimo posto moçambicano e cruzamos uma cerca para uma sala com a foto do presidente-ditador Mugabe e um oficial de fronteira com cara de quem não dá a mínima se você não fala shona te manda preencher direito uma ficha para requerer o visto zimbabuano, começamos a ver macacos andando na cerca, javalis um pouco mais à frente e os pássaros são muito abundantes.
Carimbo no passaporte, tentamos escapar dos tipos mais assustadores de animais selvagens, os chamados cambistas, que oferecem dólares por meticais insistentemente. Sobreviventes, pegamos um táxi para Mutare, a cidade mais próxima. Por essa palidez de turista milionário, os taxistas querem cobrar 15 a 20 doláres. Mas eu tinha um trunfo. A minha primeira ida no Zimbabwe foi acompanhada pelo meu amigo e co-worker no projeto, o zimbabuano Kuda. O aumento de melanina garante o preço de apenas 3 dólares.
O cenário até Mutare é muito bonito. Além da vegetação bastante densa e muito verde e dos animais, acompanha a beira da estrada uma infinidade de esculturas com motivos africanos em pedra (serpentine stone). São as pedras que dão nome ao país. Em shona, dzimba dza mabwe significa “grande casa de pedra”.
Mutare é o total oposto de Machipanda, a cidade moçambicana da fronteira. Ao invés de casas de barro, um centro provinciano bem mais, de certa forma, moderno, com muitos carros e alguma pressa. Na estação de onibus, muita gritaria dos cobradores nos convencendo a entrar nas vans para Harare (e ali também chamam van de chapa, como em Moçambique). Um mais afoito pega minha bolsa para levar para a sua van e só consigo parar o feliz quando dou um grito ríspido dizendo para ele “calm down” (sossega a piriquita, para os íntimos...).
Deixamos ali o burburinho e fomos buscar um outro lugar para pegar um ônibus grande, porque Kuda diz que tem as pernas muito compridas e não consegue andar de van (!).
Mas acho por bem dar um salto na história, porque a primeira viagem ocorreu normalmente, com a exceção dos inúmeros animais que eu via da janela do onibus e até um bando de zebras, logo quando entrávamos em Harare.
A segunda viagem, que aconteceu nesse domingo, me deu uma visão melhor do país devido a algumas circunstâncias.
Eu deveria ter ido no sábado com o Kuda. Iria acontecer uma cerimônia tradicional na família e eu fui convidado. Era a chamada morte do boi. Quando um noivo casa, ele dá para a familia do pai da noiva um boi que, depois de certo tempo, conforme a tradição, é morto e comido por todos os familiares. O boi da familia Denga, depois de mais de 20 anos de espera, soube então que seria saboreado naquele domingo pelos familiares.
Mas por motivos alheios à minha vontade (sic, ou – devo dizer – burp!), não pude sair de Chimoio no sábado e então o Kuda foi comer o boi e eu deixei pra ir no domingo mesmo...
Ainda em Chimoio foi uma luta para a van sair. Uma coisa engraçada por aqui é que os onibus não tem um horário determinado para zarpar. Sai quando lota. Enquanto isso o motorista espera até certo tempo na “paragem” e então começa uma ronda pela cidade tentando convencer as pessoas a ir para o destino... Eu já tava com muita pressa, porque não queria chegar muito tarde em Harare. Mas não adiantaram os protestos. Lá algumas 2 horas depois o motorista resolveu sair.
Chegando em Manica, uns 15 minutos da fronteira, o sacana nos informou que tinha umas entregas a serem feitas na cidade. Perguntou para os passageiros remanescentes se isso era problema, como se tivéssemos a opção de escolher.
Depois de muita entrega, o cara resolveu que não ia pra Machipanda e eu tive sorte de encontrar uma outra van que estava indo naquela hora, ao invés de precisar clamar pelos meus direitos de consumidor. Aliás, direitos do consumidor por aqui é uma coisa totalmente inexistente (e, pelo que percebi depois em passagem pela Etiópia, vi que isso se extende por boa parte do continente). Um mito, verdadeira lenda urbana. Os prestadores de serviços, quaisquer que sejam, sempre deixam muito claro como estão fazendo um favor para o cliente e nunca – que eu tenha visto – um serviço é prestado com qualidade. Além disso, como aconteceu nesse caso também, sempre cobram muito caro pelo serviço se você tem pouca melanina na pele. Se você tem dinheiro sobrando, com o tempo se cansa e acaba alimentando o vício e pagando o preço exorbitante. Mas se você é voluntário e tem que economizar, precisa pedir pra ser considerado pessoa ao invés de branco.
Finda a praxe burocrática na fronteira, lá vamos nós na direção de Harare.
No caminho até a capital, a primeira coisa que incomoda o viajante é a interrupção continuada de policiais de trânsito durante todo o percurso. Além dos normais pedágios cobrados a fim de contribuir para os cofres de Mugabe, pelo menos de 15 em 15 minutos somos parados por policiais que pedem propina aos motoristas. Logo na saída de Mutare, o motorista, na ânsia de lotar o carro, voltou à estação para procurar mais clientes e foi parado por 2 policiais que tomaram os documentos do veículo e só liberaram quando o motorista contribuiu para a ceia de Natal daquelas autoridades. E assim foi durante todo o trajeto.
Um pouco mais à frente presenciei uma consequência da hiperinflação zimbabuana. Com vistas a conter uma inflação que chegou a 9.000.000% ao ano (isso mesmo, com essa tanto de zeros!), o presidente congelou os preços, mandou prender os comerciantes que desobedecia essa ordem e causou um desabastecimento geral de mercadorias, o que fortaleceu o mercado negro no país.
Ali pelo caminho, então, o nosso carro precisou de diesel e em nenhum lugar foi possível encontrar. Então, de repente, o motorista saiu da estrada e entrou num atalho camuflado por entre a vegetação. Uns 45 minutos depois chegamos numa casa no meio do mato, onde estava sendo vendido diesel sem o conhecimento do líder máximo daquela nação. Enquanto isso, o meu colega de poltrona tentava me explicar, muito envergonhado, a situação precária do país e os motivos do tão distante diesel. Era sua segunda vergonha naquela noite, pois já tinha sido vexado ao me explicar sobre o caso da propina aos policiais que faziam hora com os documentos do carro e nos impedia a viagem.
Até voltarmos ao caminho de Harare, o único inconveniente real foi a histeria de uma moça que jurava ter ali leões perigosos. Não resisti a piada de dizer para ela aproveitar o safari por aquele preço camarada.

Harare é uma cidade bastante moderna. O centro da cidade mistura a arquitetura londrina com prédios mais recentes e até uma torre com motivos “futurísticos”. Era ali onde a Inglaterra pretendia criar a capital da New England, o mesmo mote da colonização norte-americana. Harare, por sinal, significa, em shona, “cidade que nunca dorme”, um dos títulos tambem de New York City.
Antes da colonização, a região foi palco e sede de grandes impérios africanos, como o reino de Mapungubwe e o reino de Monomotapa, além do reino de Rowzi, todos assentados sob a etnia maShona. O fim desses impérios e reinos são eventos ainda muito recentes na História. Só em meados do século XX é que a Inglaterra consegue ter o controle de todo aquele território. É recente e toda aquela grandeza de alma e orgulho como povo ainda está muito arraigado no coração dos maShonas.
Muitos ingleses se mudaram para a região durante a colonização, que iniciou em 1890, ocupando principalmente a área rural e praticando a agricultura. Em 1980 foi proclamada a independência e desde então o poder está na mão de um único homem, Robert Mugabe.
Mugabe recebeu muitos títulos honorários ao redor do mundo durante a luta pela independencia do Zimbabwe, inclusive o título de Cavaleiro da Ordem da Cruz concedido pela rainha da Inglaterra. A maioria desses títulos hoje estão revogados, inclusive seus cursos de direito em algumas universidades americanas. Ainda assim, sempre que vai ser referido por algum órgão de mídia zimbabuana, antes do nome aparece alguma coisa como Sua Excelencia o Honorável Camarada Secretário-Geral Engenheiro Advogado Comandante das Forças Armadas, Sr Presidente Robert Gabriel Mugabe. E a frase continua mais ou menos assim: "disse hoje, em sua sabedoria, que..."

Outra coisa interessante que notei assim que entrei na região metropolitana é que as pessoas plantam em todos os lugares. Todos os lugares mesmo. Inclusive no espaço destinado à calçada, entre a rua e as casas ou prédios, se tiver terra, as pessoas estão plantando. Em morros, terrenos baldios, qualquer lugar é lugar de plantio. E cada um tem seu espaço, seu quadrado, e ninguem colhe na parte do outro.
Apesar do governo com todas as feições ditatoriais e toda a propaganda que daí decorre, eu senti um inconformismo bem generalizado. Diferentemente do povo moçambicano, que vivem uma forte impressão de que possuem uma democracia e se sentem felizes e conformados com os rumos do país, em Zimbabwe, pelo menos com todas as pessoas que conversei (à exceção do Kuda, que ama Mugabe), sempre sobra uma sensação no zimbabuano de que a situação precisa mudar. E, se lemos a história do país, parece que os tempos atuais estão melhores que os passados. Mesmo assim, todos com quem conversei, por mais que eu tentasse mostrar que a situação nos outros países estava ruim também, me diziam que o Zimbabwe deveria estar melhor e a culpa é do governo mesmo.
Uma situação que prejudica o crescimento econômico e aumenta muito os preços é a falta de moeda local. O governo adotou o dolar zimbabuano, mas a inflação fez com que chegassem à casa dos trilhões de dólares. Mugabe então iniciou um processo de impressão de dolares zimbabuanos e compra e armazenamento de dólares americanos que surgiam no país. A oposição conseguiu então que o dolar local deixasse de ser impresso e a moeda adotada passou a ser o dólar americano.
Acontece que praticamente todo o dólar que chega é de ajuda financeira externa americana (os Estados Unidos, coisa que ninguém gosta de dizer, é o país que mais envia ajuda externa aos países pobres). É interessante: nem nos EUA se vê tanta nota nova, inclusive de 100 doláres. Mesmo em Chimoio, quando vamos trocar meticais por dólares, sempre aparecem notas muito novas. No início eu desconfiava, conferia muitas vezes para ver se eram falsas. Não, são mesmo notas verdadeiras, do Tesouro Americano. Fui trocar alguns meticais com um cambista e ele não tinha nenhuma nota pequena, apenas notas de 100 com poucos dias de manuseio. Foram notas que usei no aeroporto de Cairo, em bancos em Cairo, no Zimbabwe, e foram conferidas também por funcionários destes bancos. Conversando com uma inglesa que mora em Harare e veio ao meu lado no aviao para Cairo, ela me dizia que todo esse dinheiro vem da ajuda externa, principalmente do próprio Federal Reserve.
Além de usar o dólar americano, outro problema é que não existe moedas de centavos americanos. Então, os preços de coisas com valores pequenos são todos aumentados para alcançar o dólar. Uma bolacha, uma pipoca, um parafuso e uma cerveja têm o mesmo preço de 1 dólar. Comprei 6 bananas por 1 dolar, um preco que nenhum lugar dos Estados Unidos cobraria. E no mercado convencional, onde os centavos garantem o lucro do empresário, usa-se a moeda sulafricana, o rand, como forma de dividir o dólar nas suas partes centesimais.
E nessa historia de trilhoes de dolares, algo sobrou para mim. Finalmente, depois de uma vida inteira de trabalho, eu consegui o meu primeiro bilhao de dolar. Na verdade, uma nota de 20 bilhoes de dolares. Como alegria de pobre dura pouco, a nota nao dava pra comprar nem uma banana.

Finalizando, apesar dos pesares, Zimbabwe me pareceu um país muito à frente de Moçambique. Eles parecem incorporar o lema do país, “Unidade, Liberdade e Trabalho”. Não se ouvem lamentos de fraqueza por terem sido colonizados, não colocam os brancos em pedestais como os únicos capazes de ficarem ricos. Muito pelo contrário, o povo zimbabuano é muito trabalhador. Nas ruas do centro da cidade, na área administrativa, muito trânsito de pessoas indo e vindo do trabalho, muita pressa e trabalho por fazer.
Também não vi divisão por questão de cor física. Da parte da população, nenhum problema com brancos, indianos ou chineses que vao ali ganhar dinheiro, montar negócio, negociar, investir e criar empregos. Como disse um amigo quando perguntei sobre racismo e agressão contra brancos em Zimbabwe, ele disse que, nesse tempo de crise, o povo está mesmo é preocupado em trabalhar e ganhar dinheiro. Se alguém propor alguma agressão contra outro por cor ou raça, o máximo que vai ouvir é: “Come on, man, get a life!”

Saturday, December 12, 2009

Na Humana, por Bobby's Band

Fizemos a primeira gravação de uma música da Bobby's Band. Próxima semana acontece a graduação dos futuros professores e, em seguida, cada um será encaminhado para uma região do país - principalmente áreas rurais e com alto índice de analfabetismo - conforme as vagas indicadas pelo Ministério de Educação. Sendo assim, planejamos para essa próxima semana gravarmos 6 músicas da banda num CD que vamos distribuir entre algumas pessoas e, também, deixarmos como um legado para a próxima turma continuar o projeto.

A primeira experiência pode ser ouvida no link abaixo:

http://www.4shared.com/file/171110680/5544ba51/Na_Humana.html

Na voz principal, a futura professora Rosa.
Nos vocais, demais alunos do projeto e este escriba.
No violão, o futuro professor Mateus.
No contrabaixo, o project leader Bobby Williamson.
Na bateria, o futuro professor Isaque Manhacha.
No teclado, este escriba, que nunca tinha tocado teclado à sério na vida e faz uma coisa que não sabe se é forró ou o quê...

As vozes, em alguns momentos desafinadas, dão certa personalidade ao trabalho... rsrs

A música é uma espécie de kizomba.

Aproveitem!


Letra:

NA HUMANA

Na Humana se forma professor do futuro em Moçambique. (repetir ad nauseam)

Em Manica já estão a trabalhar ensinando o DmM.
Em Nacala já estão a trabalhar...
Em Chiuta já estão a trabalhar...
Em Lamego já estão a trabalhar...
Em Quilimane já estão a trabalhar...
Em Chibata já estão a trabalhar...

...ensinando o DmM.

Monday, December 7, 2009

Fórmula mágica

Moçambique tem dois grandes problemas que precisam acabar urgentemente: as Ong's e a Frelimo. Feito isso, o desenvolvimento ocorrerá.

Monday, November 9, 2009

Polidez

Uma atitude dos moçambicanos que costuma irritar os brasileiros é a forma como são feitos os pedidos e já foram muitas as vezes em que presenciei os voluntários brasileiros reclamando do tom de voz nestas horas. É que o moçambicano sempre pede algo com um tom de ordem e nunca tem espaço a gentil palavra “por favor”. No final, a gente se acostuma, releva e, se tiver lidando com uma criança ou um aluno, até brinca com a pergunta: “qual é a palavrinha mágica?”

Mas um olhar nos significados de algumas palavras podem ajudar a explicar estas diferenças culturais, principalmente sob a ótima da interferência linguística e da etimologia.

Inicialmente, vale ressaltar que não existe correspondente palavra nas línguas da região para o nosso “por favor”. Assim, a “transferência” da idéia ou da palavra fica, inicialmente, prejudicada. O moçambicano tem como língua nativa todos estas vertentes das línguas bantu (chona, no caso da minha região especificamente) e, ao aprender a língua portuguesa, transfere os conhecimentos e a estrutura daquelas línguas para esta.

Não tendo a correspondente palavra para a expressão “por favor”, a transferência não ocorre. Não ocorre também o próprio conhecimento do que significa essa ação. E vêm dos Vedas o cediço entendimento de que o tamanho da alma é determinado pelo tamanho da linguagem. A alma é capaz de abarcar a riqueza do mundo na medida da sua riqueza linguística. Isso posto, não existe nada na alma que possa ser acessado sem que possua, previamente, um nome.

No mesmo tópico da “polidez” moçambicana, terminada a ação, recebemos, sim, um “obrigado”. Mas vejam o sentido da palavra nas línguas nativas. A expressão é maita bassa, que, literalmente, se traduz como “serviço feito” ou “trabalho terminado”. Ainda aqui a polidez não é mesma. Maita bassa é a atestação de que a tarefa foi completada. Serviço pronto, dirija-se ao seu lugar... Soa como um superior que certifica o fim de um trabalho ordenado anteriormente.

Já na língua portuguesa, a nossa palavra de gratidão, o “obrigado”, é uma redução da expressão: “fico obrigado a retribuir o favor”. Agradecer, gratificar, grátis e gratuito são palavras que se originam do latim gratiis, que quer dizer “pelas graças”. Todas as decorrências nas demais línguas latinas (gracias, gràcies, merci, grazie, grato) vêm da mesma origem latina e, no grego o termo é cháris, do verbo charizomai, que significa “mostrar favor para”, acentuando a bondade do doador e a indignidade do receptor. O termo passou pelo crivo do Cristianismo, significando ainda “favor imerecido”, quando diz da relação de bondade de Deus para com os homens.

No hebraico, cuja cosmovisão interfere diretamente no Cristianismo e na civilização ocidental, um dos termos para “graça” é chen, que significa curvar-se, conotando favor imerecido ou condescendência de um ser superior por alguém inferior em valor e posição. Ainda aqui a predisposição espontânea à retribuição e consciência da dívida.

Veja que agora a valorização das polaridades na ação muda em relação às línguas bantu. Neste caso, é o agente – e não quem recebe a ação – que ocupa essa posição de importância. É o agente que está em vantagem, por fazer algo que o paciente não merece. E, então, o paciente lhe fica grato, lhe promete estar obrigado a retribuir o favor. E então ele é polido.

Outra situação que ocorre de diferente entre ambas as culturas é que o moçambicano não admite um agradecimento até que o ato seja completado. Sempre que agradeço quando peço alguma coisa que ainda vai ser feita, eles perguntam como eu posso agradecer se eles ainda não fizeram o que tinha de ser feito. Ainda aqui prevalece a transferência advinda do “maita bassa”, o serviço feito. Serviço ainda por fazer não enseja motivo de agradecimento.

Por seu turno, a cultura ocidental valoriza a intenção do coração, ainda pela herança cristã e judaica. Se o agente demonstra apenas a intenção (no latim, animus, de anima, alma) de agir em nosso favor, isso já é suficiente para a gratidão. São Tomás já dizia que os atos morais qualificam-se de acordo com a intenção e é nesse mesmo sentido a tradição hebraica desde que o profeta Samuel soube que era a intenção do coração o padrão divino na escolha do rei Davi.

Religião lá e cá

O fenômeno religioso é o assunto da minha vida. E é bem por isso que eu não escrevo muito sobre ele. Sempre se mostra a mim como algo tão fascinante, tão grandioso e tão amplo que qualquer tentativa de escrever sobre isso é alguma coisa de petulante. E a demora para este tipo de atrevimento faz com que eu dificilmente escreva (ou até mesmo conclua) alguma idéia teológica. Protelar sempre, amadurecer sempre.

Não que eu me preocupe com a relevância teológica, pureza ortodoxa ou mesmo correção hermenêutica. Faço côro com Rubem Alves dizendo: “Faço teologia como respiro, não é para ter relevância”. E dele é ainda a metáfora da teologia como uma rede, não aquela que tecemos para pescar Deus como a um grande peixe, mas a que tecemos para o nosso descanso e deleite. Só me preocupo que esta rede fique bem tecida, realmente confortável à minha própria leitura posterior. E é assim que minhas andanças – que, no fundo, são todas buscas e pesquisas teológicas – aparecem tão desprovidas de desfechos nesse sentido. Daí então é que ouço de alguns amigos os reclames quanto a carência de comentários sobre o assunto que eu, como estudante de teologia, teria a obrigação de prestar mais atenção... E foi por isso que algumas idéias nascidas durante a minha estadia nos Estados Unidos nunca saíram do campo das divagações.

Mas uma destas idéias começou a se delinear melhor agora, quando, já fora dos EUA, vou conhecendo um pouco da religiosidade moçambicana. A de lá começa a fazer mais sentido enquanto esta de cá vai se mostrando a mim. Diante disso, vou anotando aqui, seja para um posterior detimento mais cuidadoso, seja para compartilhar com os amigos que formam a minha mesa de “debates teológicos” (regada a cervejas e heresias), seja para... auto-afirmação, provavelmente.

O fato é que nos Estados Unidos alguns eventos que presenciei não combinavam com o estereótipo de país cristão puritano e conservador que lemos nos nossos livros de História (e ouvimos dos enfezados intelectuais esquerdistas brasileiros). Não se se olha para os brancos, os herdeiros desse legado. Estes são da geração, parafraseando Fernando Pessoa, em que a maioria do jovens perderam a crença em Deus pela mesma razão que os seus pais a haviam tido – sem saber porquê. E foi já na década de 20 que Mencken, o grande iconoclasta americano, ironizou esse declínio em O Livro dos Insultos, em que certo parágrafo merece transcrição integral:

“O fato de que o protestantismo está gravemente doente nos Estados Unidos deve ser óbvio para qualquer observador da patologia espiritual. Metade dele está se mudando, lenta e progressivamente, em direção aos braços do Cortesão das Sete Colinas; a outra metade desliza para o vuduísmo. A primeira metade leva com ela a maior parte do dinheiro protestante; a segunda leva a maior parte da libido protestante. O que sobrar no meio pode ser comparado a um tronco a que faltam um cérebro pensante e pernas para dançar — em outras palavras, algo que começa a ficar profissionalmente atraente para os papa-defuntos, embora ainda rebole para continuar respirando. Não há falta de vida nos escalões superiores, onde os metodistas mais solventes gradualmente se transmutam em episcopais, e os episcopais escalam os velhos bastiões da Santa Madre; não há também falta de vida nos escalões inferiores, onde os batistas matutos da zona rural descem rapidamente, pela estrada do fundamentalismo, para os dogmas e práticas da selva africana”.

Atentem bem à referência à África, já chego lá. Por enquanto, vale ressaltar a “gradual transmutação”. Hoje, nos EUA, são as igrejas católicas que estão lotadas dos brancos e toda a contrição religiosa “branca” que eu vi estava, em partes, nas igrejas históricas – que não as da “história” americana – como a luterana e anglicana. Por exemplo, uma garota que conheci na Virgínia me contava fervorosamente sobre o seu chamado missionário estando sendo amadurecido numa igreja e seminário da linhagem de Lutero. Ou seja, a pouca convicção religiosa que eu vi se dava entre prosélitos.

Digo “em partes” porque a outra parte do grupo “branco”, os dos “escalões inferiores”, para usar a expressão do Mencken, está nas religiões cristãs carismáticas (ou melhor, agora, neo-carismáticas ou neo-pentecostais). Grandes expoentes desse grupo nos EUA, de onde importam estes fast-food espirituais para o Brasil, são Kenneth Hagin, Kenneth Copeland e Benny Hinn. E aqui eu também colocaria Norman Geisler e toda a turma dos fundamentalistas americanos, aqueles mesmos que tanto esforço fazem para provar a cientificidade da Bíblia com “evidências que exigem um veredicto...”.

Quem ocupa, então, a lacuna deixada nas igrejas de orientação puritana ou conservadora? Sim, ninguém menos que o grupo antes excluído deste mesmo lugar, os negros. Em relação a isso, presenciei um fato que a mim pareceu bastante interessante, durante um curso que fiz em Michigan sobre aconselhamento para aidéticos e, quando de um quiz organizado pelas palestrantes com perguntas sobre sexualidade e costumes, ouvia dos participantes (e todos ali eram adultos, líderes comunitários e conselheiros) brancos respostas como “free will”, “it’s relative”, “it depends on” ou “yeah, you can have anal/oral/whatever sex”, enquanto que os negros falavam de “morality”, vontade de Deus e “sex? just the missionary position...”.

O “meio” de Mencken, aquele tronco anencéfalo e aleijado, pode ser visto frequentando as reuniões das seitas dos pseudo-orientalismos, feiticismos e agnosticismos. São os vegetarianos que cruelmente assassinam maçãs à dentadas, os iogues massagistas das lojas de incensos e cristais e posso até incluir os adolescentes do wicca, se você entendeu que vuduísmo no texto citado é uma figura de linguagem... Como diria um amigo, “a onda agora é ser neo-qualquer coisa”.

E se ainda estamos falando de “transmutação”, nunca é tarde para lembrar as condições de criação do movimento pentecostal nos EUA, o Azusa Street Revival. O negro William Seymour, filho de escravos, caolho (para ressaltar a exclusão social pela aparência física) e pobre foi o iniciador do movimento que, neste primeiro momento, recebeu forte adesão dos grupos excluídos nos Estados Unidos, como latinos, negros e os brancos pobres. Isso aconteceu bem no início do século XX.

Sem adentrar muito no ambito da sociologia da religião, basicamente o pentecostalismo beneficiava as classes inferiores porque, principalmente, surgiu com a pregação da chamada “segunda benção” (Marco Pereira Davi). A religião puritana era excludente no sentido de que a espiritualidade está ligada à reta doutrina (PRD, cf. Rubem Alves) e, sendo assim, os mais instruídos são considerados, neste sentido, mais espirituais. Eram quem tinham acesso aos seminários e, por conseguinte, controlavam a instituição religiosa. A centralidade litúrgica, herdada do luteranismo, é o sermão, e fala melhor quem sabe mais. Vamos dizer, para fim meramente ilustrativo, que era o encontro com o Logos.

A doutrina da segunda benção – ou kárisma ou pentecoste – surge como uma espécie de “nivelador”. O ápice da experiência com o sagrado, nesse momento, se torna o “batismo com o Espírito Santo”, que não exige nenhuma instrução, nenhuma iniciação ou qualquer tipo de privilégio social. Basta a glossolália e toda a euforia de tremeliques e sapateados. O teólogo de Westminster e o Zé das Alfaces possuem o mesmo nível de espiritualidade, desde que falem tanto em “línguas” ou pulem a mesma altura em polegadas... Aqui, a analogia é o encontro com o Vento (ruah, no hebraico).

E como explicar então essa total inversão, filha dessa “gradual transmutação” de que fala Mencken? Bem, como não tenho intenção de explicar isso, pelo menos por ora, então deixo a pergunta para quem teve saco para ler até aqui. Eu poderia ser apressado e dizer sobre os “sinais dos tempos” (Guenon) ou declínio da civilização (Toynbee). Mas a questão interessante para este texto é ver o pentecostalismo tendo como personalidade o branco Benny Hinn e, por outro lado, o conservadorismo religioso e a defesa das idéias fundantes da sociedade americana, antes pregadas por Franklin, Jefferson e Hamilton, tendo como um dos grandes nomes nos últimos tempos os negros, como o pastor Martin Luther King.

A citação de Mencken – e o livro todo, em si – atesta o declínio destes fundamentos da sociedade americana. Ali, na década de 20, talvez ainda não fosse notável a inversão que se daria [ou ele detectou, mas não lembro de ter lido isso no livro e não vou relê-lo por agora]. O fato é que, gradativamente, essa religião dos pais foi sendo “ocupada” pelos excluídos de então. E ninguém, por enquanto, me tira da cabeça de que isso encontra consonância com a mímesis (Girard) em relação ao (ex) colonizador branco, que seria o “melhor” no estrato social, dignos, deste modo, de inveja mimética. Mas é também produto da mimesis o abraço dado pelos brancos à religião sobrenaturalista dos negros, mais – aparentemente – viva e carismática.

Próxima pergunta: E o que isso tem a ver com Moçambique, meu senhor? Ora, em Moçambique eu pude ver esse fenômeno ampliado numa escala global. O país está se tornando cristão. 41,3% da população professa o catolicismo ou o protestantismo. Vale dizer que o islamismo, mesmo tendo chegado à estas paragens primeiro e apesar de ser relevante (17% de adeptos), não supera o cristianismo. Não obstante a colonização portuguesa ter se tornado efetiva e forte após a Conferência de Berlim (1884), poderíamos esperar um declínio de conversões ao cristianismo após a independência, uma vez que muito se fala aqui sobre “conservar as raízes” e inclusive o processo de emancipação ter sido bem traumático, com os brancos sendo expulsos do país (Medida 20-24, que deu 24 horas para todos os portugueses deixarem o país, podendo levar apenas 20 kg de bagagem). Expulsaram os portugueses, mas não a sua religião.

E em toda a África é o cristianismo a religião que mais cresce, principalmente as suas vertentes históricas – não tão “históricas” por aqui – como o catolicismo e o anglicanismo. Quando da última visita papal ao continente, ouviu-se que “o Século XXI é a hora da África no Cristianismo global”. Sem esquecer que o Arcebispo de York, ou seja, o segundo homem mais importante da Igreja Inglesa, é o ugandense John Sentamu.

E o fato que marca esse cristianismo é uma contrição genuína e inabalável. Todos os cristãos mostram um compromisso muito forte com a confissão de fé. E defendem as formas mais – digamos – conservadoras da fé cristã. Anglicana e romana são, aliás, muito comuns por aqui. Mas não pense que você sabe tudo destas igrejas até conhecer as suas facetas deste lado do sul do Atlântico. Os debates na Europa e no continente americano não guardam muita semelhança com os daqui, como, por exemplo, as críticas à autoridade eclesiástica, aceitação do aborto e o fim do celibato clerical, comuns nos romanos europeus e americanos, e o sacerdócio feminino e inclusão homossexual da igreja inglesa. Para o povo africano em sua maioria, a homossexualidade e o aborto são dois males sociais, como a criminalidade e a prostituição também o são. Também estão satisfeitos com a direção dos bispos, obrigado!, e acreditam que a igreja daqui tem questões muito mais essenciais para discutir, como a corrupção, guerra, analfabetismo e pobreza (e, agora sim, um progressista americano poderia se alegrar). Quanto à mulher, essas fazem muito bem a limpeza dos templos e os demais serviços diaconais e deixam, satisfeitas, a direção da igreja aos senhores.

Não desconsidero os aspectos culturais – e ancestrais – da adesão em desfavor do homossexualismo, do aborto ou em favor da autoridade clerical. Eu gostaria mesmo de ter focado na questão da contrição religiosa. É que recebo um convite de um amigo moçambicano para a sua crisma. Ele explica que certo desinteresse do pai (branco portugues) fez com que ele não cumprisse o sacramento romano, mas que agora gostaria muito de cumprir, pois sente que precisa se aproximar de Deus. Uma aluna não acredita quando digo que o Brasil é um país católico, afinal as novelas mostram uma sociedade que defende aborto, homossexuais e divórcio: muito depravadas, afinal [e aqui eu faço uma pausa para o espanto dela quando soube que aquelas pessoas que se beijam e fazem sexo nas novelas não são casadas com os colegas de ação e bem podem ter algum conjuge assistindo aquele beijo, sem se preocupar e sabendo que aquela é apenas a profissão do beijoqueiro].

Essa contrição fala de conversões “autênticas”, ou daquela chama no coração do prosélito. E até a citação dos exemplos não poderiam expressar isso propriamente, porque o fato refere-se à alma mesmo. Sente-se nas conversas como isso é importante e, repito, autêntico. Claro que falamos aqui de proselitismo, que sempre possui um grau de “convicção” maior do que a religião herdada dos pais.

Isso refuta, pelo menos inicialmente, Samuel Huntington, quando ele diz que o islamismo deveria superar o cristianismo. O número de conversões em ambas as religiões mostram que em 2050 haverá 3 cristãos para cada 2 muçulmanos. E não venha me falar no mundo mudando em 11 de setembro de 2001, porque desde a queda das torres a propaganda islâmica cresceu bastante e o número de conversões não mudou o seu ritmo.

O eclipse do sagrado na Europa é seguido por um retorno ao sagrado no hemisfério sul. O cristianismo não mais coincide com a história européia. Jenkins, historiador de religiões, nota que “no sul do mundo a Bíblia fale dos problemas reais de cada dia, como a pobreza e a dívida, a carestia e a crise urbana, a opressão racial e sexual, a brutalidade do Estado e a perseguição”. E é o próprio Jenkins que afirma a dinamicidade dessa fé, não obstante o conservadorismo e a tendência sobrenaturalista, fatos facilmente observáveis na região em que me encontro. Novamente, para conectar os últimos pontos com o início do texto, a “lacuna” deixada pela secularização européia vai sendo “ocupada” pelos excluídos de outrora.

Wednesday, November 4, 2009

E pega fogo não apenas no clima...

Dia 28 de outubro aconteceu o pleito eleitoral moçambicano. Como aqui o sistema eleitoral usa a tecnologia da esferográfica, os votos ainda estão sendo contados até os dias de hoje. E a previsão é de que a contagem só termine na próxima semana.

Acontece que, como os resultados preliminares apontam a evidente vitória da Frelimo, vencendo por uma margem de 75% dos votos já contados, a Renamo e seu candidato Afonso Dhlakama manifestaram essa semana que não reconhecem os resultados das eleições e acusaram o partido Frelimo, no poder, de promover irregularidades e fraudar as eleições.

Essa declaração desencadeou uma onda de conflitos em várias regiões do país. Muita agitação, ameaças de tomada de poder e brigas entre partidários dão o tom da insatisfação da Renamo. Acusam a STAE, orgão da administração eleitoral de Moçambique, de ser uma “célula do partido Frelimo”.

Os numeros da contagem preliminar mostram um declínio de mais da metade dos votos da Renamo em relação ao ano de 2004. Segundo esse partido, a sabotagem iniciou-se já no recenseamento eleitoral, quando cerca de 60% dos eleitores ficaram de fora dos cadernos eleitorais, principalmente nas regiões onde a Renamo goza de maior apoio. “Mais de cinco milhões de eleitores não votaram, o que é uma violação grosseira à Constituição da República. Estamos perante um crime eleitoral”, disse Ivone Soares, porta-voz da Renamo.

No sábado, o delegado provincial da Renamo em Sofala, Fernando Mbararano, ameaçou dividir o país a partir de Sofala. Será a República de Sofala, com capital na Beira e governada pelo líder da Renamo e atual candidato a presidência, Afonso Dhlakama. Na província de Nampula, a líder da Renamo ameaçou incendiar orgãos públicos e a sede da STAE. Tudo sob os auspícios da afirmação de Dhlakama de que o país iria arder caso Guebuza não renuncie.

E toda a situação ficou mais grave na segunda-feira, quando um grupo de antigos guerrilheiros ameaçou iniciar uma rebelião armada caso as eleições não fossem anuladas. Com cerca de 300 homens, o grupo deu 72 horas para os órgãos eleitorais anularem os resultados das eleições.

Um amigo que é missionário em Maputo me informa que aquela região também está em polvorosa, principalmente em Machava e Matola.

Aqui em Chimoio, felizmente, a situação está tranquila, porque a grande maioria apoia a Frelimo e contam com essa vitória. Como Chimoio foi fortemente afetada pela guerra civil e sofreu as dores das torturas e assassinatos promovidos pela Renamo naquela época, o apoio à Frelimo é uma decorrência quase que natural. Alia-se a isso o fato de que Chimoio é capital de uma província mais – digamos – rural e, por isso, o debate político não é tão intenso quanto nas capitais maiores como Maputo, Beira e Nampula.

Wednesday, October 21, 2009

Golden Cut Report


ADPP – Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo
EPF – Escola de Professores do Futuro
Chimoio, Mozambique

GOLDEN CUT REPORT

by Rodrigo Morais


 My main activity at ADPP Chimoio is to integrate the teaching staff in Project II of EPF-Escola de Professores do Futuro, both training the prospective teachers and coaching the trainer staff.
The activity of teaching includes the regular classes along with others activities such as monitoring the DmM online studies, assisting the future teachers in extra-class activities, monitoring the teaching practices of future teachers in training at primary schools, participation in the student assessment “jury”, monitoring the student’s care of their machambas and involving in other project activities.
My first week classes were taught based on what was prepared during the period of Specialization. Topics included the Cognitive Learning Theory (Ausubel), the study of texts written by Brazilian authors (Rubem Alves, Moacir Gadotti and Paulo Freire) and foreign authors (Edgar Morin), and topics related to Portuguese Grammar.
During my training at IICD-Michigan, I have not bothered to prepare an excessive number of classes since I’ve intended to “feel out” the project upon arriving and then finding out what would be the real students' needs. At that time I believed I could draw up some more profound lessons about the Educational system in Mozambique, since I would come at a time close to the prospective's graduation.
And, in fact, the reality showed me that I should change most of my original plans. The students – almost the teachers as well – have many limitations. They came to the training course with a lot of disabilities, especially the lack of spelling skills and the difficulty to interpret texts despite their simplicity. Therefore, it makes the very production of texts almost impossible. The trained teacher goes on to teach yet unable to do the basics, which is to enter in the classroom and teach the subjects.
On conversations with my project leader, other teachers and the students themselves, I realized that there is not the encouragement to reading in the Mozambican schools. Students go through all the basic classes without contact with written texts. What follows is the failure of interpretation and production of texts and the lack of knowledge about the spelling and the grammar rules. And, in a sort of “domino effect”, it decreases the quality of teaching in all disciplines, since the teachers give classes without understanding the contents. I personally witnessed a situation in which, during Teaching Practice (práticas pedagógicas), I attended a class where the future teacher tried to explain some biology matter and, at the end of the class, when I approached him to give my feedback, I realized he had not understood the matter that he had taught. He hadn’t been able to interpret the content in the biology book.
In my first conversation with the students in the project I heard a great yearning for new teaching methods and lesson plans. But in the course of the conversation, I noticed that they get lost in the many teaching methods and attribute this as the cause for their inability to teach. The fact of the matter is that, with the difficulty to read and the "lack of intimacy" with the words, future teachers can not understand the subject they teach and can not explain scientific concepts of even low complexity. Any lesson plan or teaching method in the universe couldn't allow a good class without the teacher having previously understood and mastered the subject he/she teaches.
Since I began classes with the future teachers, I have heard from some of them that the teacher is a person who needs to educate himself daily, while engaged in the profession. I agreed immediately and it is not something I have doubted at some point in my life. This daily instruction, however, assumes the ability to read. If the teacher does not have the habit of reading, I do not see how one's education could occur on this daily basis.
I have noted the fact that schools in the region have the basic infrastructure lacking. All the schools I have encountered display the lack of chairs, desks and even chalk. Most of them also lacks teachers. And with all these absences, it is not surprising the lack of books in their libraries. Some communities in the region are utilizing the ADPP Pedagogical Workshop as the only place where books and computers can be found. I could go on and describe the plight of the people's limited access to knowledge in areas I have visited in the province of Manica.
But worse than the lack of books is the ignorance by the teacher about the importance of the act of reading. As said by a beautiful Adélia Prado's poem: "I don’t want a knife or cheese. I want the hunger". The eating act does not begin with the cheese, as the reading act does not begin with the book. If there is not hunger, the cheese is useless. Once there is hunger, the hungry man searches until he finds the cheese. Without books, but with the desire by the teacher to encourage reading, the problem is still there, but it has visible solutions. One can, with some effort, raise money or find another way to acquire books, or even the teacher can use fax-similes in order to promote and develop the reading. When the teacher does not have the habit of reading, we could assume he/she doesn’t understand the importance of it. So even if we transfer to his/her school the Library of Harvard University, the books will not be touched by the students, since the teacher does not encourage it to happen.
For this reason, I plotted as a goal in my classes to encourage reading and writing. Thus, I believe we can solve both problems: spelling errors and difficulty to read. Solving the problem of reading, begins a relationship with the words in which the student learns the correct ways of writing because they see the words in the texts they read.
After talking with my project leader, we came to the conclusion that it would be better to figure a way out to add reading classes to the curriculum of EPF. The fact is, among all existing assessments, reading is not included in the classes schedule. So, I wrote up a small project in order to start a reading plan which allows the evaluation by the teacher (or a panel of teachers) and which can be incorporated into the school year as another learning module.
Upon arriving at the college, I had set as a goal for my footprint the installation of a Poetry Workshop (or Poetry Club), where we could discuss poetry theory and also the analysis of Mozambicans poems and poets as well as universal poets. However, the reality has shown differently, the need is for the students to treat basic reading and writing skills. Poetry reading requires more than simply reading and understanding of a text. The reader must be able to interpret inferences and figures of speech, study writing styles and other matters. So I’m using my Tuesday class – which would be for poetry – to work on these fundamental issues of reading and writing. From now on, I will pursue as a footprint achievement the matter of adding reading to the EPF curriculum as I mentioned before. I just cannot give a weekly structure of my tasks, cause it’s flexible: depends on the schedule I receive weekly from my project leader, which has the weekly classes. Currently, I have the “práticas pedagógicas” at Monday and Wednesday and classes on Tuesday night, Thursday and Friday.

During my classes, an approach started regarding to the issue of the economic development of Mozambique. My time in Mozambique is very short, only 6 months. It is not enough time to produce a work that has longer lasting results. So I turned my attention to change the perspective of students (future teachers) to be themselves the agents of social transformation. Only people can liberate themselves, correctly according to Humana’s Charter. So, I started in the classroom to reflect on the role of the teacher as an agent of social transformation.
The first step was the screening of the film Freedom Writers, followed by a short discussion about the approach taken by the character of the film which can be applied to the Mozambican reality. What actions should be done by teachers that have a social impact of changing? What is the teacher's role in the country’s development? Is the act of teaching limited to a classroom?
The second step was to ask the students to produce a text about the community’s reality of each one of them. The goal was to make them reflect upon their community and think about actions that can be made in the daily teaching practice.

My interest in education as an instrument of social transformation guided my choice towards EPF and is based on the fact that I believe that education provides a revolution in ways of life and daily actions. The Austrian poet Hugo von Hofmannsthal said that nothing is in the political environment of a country that has not been beforehand in their literature. It is from the imagination formed that you get your ideas and ideals. Therefore I believe that education is the revolution the world needs. It is urgent to open people's eyes to the reality in which they live. Not teaching them to complain or blame others for their own problems, but making them realize that it is possible an effective change of life. As Shakespeare said, in Julius Caesar: “men at the same time are masters of their fates, the fault, dear Brutus, is not in our stars, but in ourselves, that we are underlings”.

The work of an educator is, in a certain sense, unfair. Working with education, we have no criteria to evaluate the results. We work with the unpredictable, at least in a short time frame. We can give notes, evaluate, complete reports, graduate students, but real results may not be noted immediately. A seed planted in the education act does not produce pumpkins that can be harvested in 6 months. Educating is like planting oaks.
At the same time, education is a radiating process, which goes in concentric circles: you educate ten whom educates one hundred whom educates one thousand and so forth. We need to create a tradition of education because, otherwise, the education will not “happen”. If you do not have the tradition, there is no love for culture and knowledge. Education must be very serious and begins with a group which radiates this value.

Finally, another work started with my team leader Bobby and students of the project is the Bobby's Band. No, it cannot be called a work. It’s a pleasure. We played songs written mostly by the students themselves, with local rhythms and themes that are mainly about AIDS, Education, etc. The band's goal is to spread messages of development and humanity through music. Therefore, we are taking care of organizing a sufficient repertoire and an schedule to move throughout the community. Because the issues addressed in our musics and the quality for which the group has managed to get, the band has sparked interest in the community of Chimoio and almost every weekend we have been invited to perform.

My project leaders are professor Domingos and Bobby. I have always heard from other DI's that the work on the project very much depends on the project leader. A good project leader facilitates the action and doors are opened. That is why I can say I’m very lucky to have been placed in the project II of EPF Chimoio. Both project leaders, since I started to work, have shown to be people concerned about Education in Mozambique, who believe in teacher training and the value of the DI's. They are always working to improve the project, as well as available for conversations, suggestions and contributions. As for me, I hope to meet the expectations of these two friends I found in Mozambique.


Rodrigo Almeida Morais
Development Instructor
EPF Chimoio
October 2009


Monday, October 19, 2009

citação...

"O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro de seus erros, empilhados, pedra sobre pedra, ao longo de milhares de anos... Romper a continuidade com o passado, querer começar de novo, é a humilhação do homem e o plágio do orangotango. Foi um francês, Dupont-White, que, por volta de 1860, teve a coragem de exclamar: 'A continuidade é um dos direitos do homem; é uma homenagem a tudo que o distingue de uma besta'." (José Ortega y Gasset)

Monday, October 12, 2009

E o Nobel da Paz vai para!

Laureado em reconhecimento aos anos na luta pela. O Comitê Nobel Norueguês averiguou, dentre todos os favoritos ao prêmio, que o trabalho de Obama na defesa dos direitos humanos foi notável em função de. As ações pela "preservação e promoção da paz" tem sido, sem a menor sombra de dúvida. De 1997 a 2009, abril a setembro. Com a decisão deste ano, o Comitê entrega. Dentre os seus esforços "extraordinários", podemos citar. Sempre, entretanto, vislumbrou, ou, como dizem os especialistas. De fato, como pode ser bem observado. Não obstante o fato do prazo para a apresentação de nomeações ao prêmio ter encerrado no dia 11 de fevereiro (11 dias depois da posse), o Comitê já podia prever que Obama, em defesa da paz, faria. A sua política externa em relação ao conflito na Palestina teve como resultado. Ao ser premiado, disse logo bem alto – e realmente não falou em vão. A prometida campanha de desarmamento nuclear mundial mostrou ao mundo que é possível. Quando o recebeu no Irã, o aiatolá Ahmadinejad, o que não significa absolutamente nada. Quanto à retirada dos soldados americanos do Afeganistão, para silêncio dos seus opositores. E, no Iraque, Obama conseguiu. No tocante ao seu país, implementou diversos programas para pôr fim. Concretamente, desde que Obama assumiu a presidência, o mundo conheceu uma nova fase de. Como é noção cediça. Para sempre e eternamente, amém.

Tao Te Ching (Chapter 4)

The Tao is so empty,
So hollow,
Yet somehow its usefulness is inexhaustible.
It is so very deep,
So very profound,
Like the source of everything.

It blunts the sharpest edges,
Unties the knots,
Softens the glare.

It is so very deep,
So tranquil,
It seems to barely exist at all.

Monday, October 5, 2009

Essas coisas de política...

O evento de comemoração ao acordo de paz foi, digamos, sui generis. Não tanto para um moçambicano, talvez. Mas aqui é interessante notar como qualquer ajuntamento se transforma rapidamente num comício político do partido Frelimo. Antes de tudo, estranhei o fato de que nenhum outro partido político, exceto a Frelimo, tinha enviado representante. Note-se que o evento era uma comemoração do acordo firmado entre a Frelimo e a Renamo, pondo fim à guerra. Por uma questão óbvia, era de se esperar a presença de representantes de todos os grupos envolvidos na assinatura do acordo. Além disso, como estamos no período eleitoral, nada melhor para qualquer partido do que se mostram em eventos públicos, dizendo do seu passado e presente interesse na paz e, aliás, votem em mim nas próximas eleições... Ou seja, o não comparecimento só pode ter duas razões: ou a Renamo sofre da falta de um bom marqueteiro político que a incentive a participar de eventos públicos a fim de ser “vista” pela população, ou a Frelimo não convidou a Renamo com o objetivo de, como de fato aconteceu, transformar o evento num comício.

O apresentador do evento, inclusive, vestia uma camiseta vermelha da Frelimo por baixo de um terno branco. Quando anunciou o discurso do governador, disse que este iria, além de discursar, ensinar ao povo, naquela momento, a real história do acordo. Não preciso dizer que o governador usou o momento do discurso para recontar a história sobre a perspectiva da Frelimo...

Vale dizer que a Renamo não tem teve mesmo uma influência grande na democratização e no fim da guerra. Aconteceu que Moçambique era uma das “questões de honra” do regime socialista soviético durante a guerra fria. A URSS apoiou a Frelimo na guerra da independência e patrocinou o regime socialista moçambicano, como fizeram ambas as nações envolvidas na guerra fria (EUA e URSS) a fim de mostrar, respectivamente, a superioridade (pelo número de adesões) do capitalismo ou do socialismo.

Assim, com o declínio do regime soviético, Moçambique sofreu um forte impacto econômico e, em 1987, o presidente Joaquim Chissano apelou para o apoio do Banco Mundial e do FMI, que condicionaram a ajuda ao abandono do socialismo e o fim da guerra civil. Democracia, pluripartidarismo e livre-mercado foram decorrências óbvias.

Nessa época de eleição, pode-se notar como o debate político é escasso na região. Isso, segundo notícias de outras províncias, aliás, é um problema no país todo. O fim da guerra civil não trouxe uma democracia efetiva, onde o cidadão tem acesso à informação e pode debatê-la. Aqui, a Frelimo domina não apenas o aparelhamento estatal, mas também interfere em outras instituições sociais.

Professores, nas escolas da província, são obrigados a se filiarem ao partido. Claro que é uma compulsoriedade tácita. Aquele professor que não faz é rechaçado pelos outros e não galga posições de direção na escola, além de ter a carga horária reduzida. Para montar um negócio, qualquer que seja, precisa da autorização do partido. Agem, em relação ao partido, como faziam os antepassados para com o líder da tribo. Tudo deve ser feito sob os auspícios do grupo político no poder, a Frelimo.

Algumas pessoas temem os líderes políticos como temiam os chefes das tribos. Os chefes sempre eram associados aos curandeiros e exerciam o poder por, além do uso da força, meio de magias que atemorizavam os aspirantes a opositores. Um aluno do projeto me contava, certo dia, que Samora Machel fora um grande líder porque era feiticeiro, fazia magias e mandava os espíritos matarem seus opositores. Contava isso, aliás, de um modo reverencial ao ex-presidente.

Além desse poder – digamos – arquetípico, a História ensinada nas escolas é totalmente (totalmente mesmo!) tendente ao partido no poder. Recentemente li um livro de História de Moçambique escrito por um grupo de professores do curso de História da Universidade Eduardo Mondlane, a maior universidade do país. O livro tinha o mesmo teor de um panfleto político. Nem um pouco mais, nem um pouco menos. Não apenas contava a história pelo ponto de vista do partido, como fazia verdadeiros chamados à nação de apoio ao partido que lutou pela libertação do país. Um colega DI me disse que o livro de História da 5ª classe ensina as técnicas militares usadas pela Frelimo durante a guerra, descrevendo cada técnica em todos os mínimos detalhes, que só interessariam a algum aspirante na escola das forças armadas moçambicana.

Ora, é claro que todos esses fatos históricos são muito recentes. Não se pode falar nisso aqui sem o ressentimento, sem a dor, sem o trauma. A visão do panorama histórico do país ainda é turva aos olhos dos moçambicanos. Toda a análise histórica e todo debate político é marcado não apenas pela paixão, mas pelo forte trauma da guerra, cujos heróis e vilões são nomeados pelo partido no poder.

À guisa de exemplo, pergunte a um moçambicano o que ele achava das antigas machambas comunitárias. Estas eram uma das formas como ocorria o socialismo do governo Frelimo antes do fim da guerra. Como em qualquer sistema socialista, os meios de produção pertenciam ao Estado. No caso das machambas, as pessoas hoje vão dizer que “aquilo não funcionava”, que poucos trabalhavam de verdade e, no final, os preguiçosos ganhavam a mesma quantidade de comida que os que tinham trabalhado arduamente. Vão dizer também que o governo distribuía à população apenas a “verdura seca” e o “tomate podre”, enquanto a boa comida ficava nas mãos dos líderes.

Mude, então, a pergunta, para saber da mesma situação das machambas comunitárias. Agora, pergunte como era a política de produção agrícola do partido Frelimo antes da democratização? Ao ouvir o nome Frelimo, a mesma pessoa vai louvar aquele período numa descrição que te lembrará o século de Péricles na Grécia Antiga. Vão dizer que o partido cuidava de todos, que todos eram gordinhos e felizes, et cetera e tal...

Eu presenciei um fato da mesma natureza, durante um júri feito 3 semanas atrás. Júri é o momento no curso de formação de professores onde os alunos apresentam alguma forma de avaliação com o fito de mudar de módulo. Um aluno falou sobre a democracia moçambicana e causou muita irritação no professor que fazia a avaliação juntamente comigo. Antes, eu elogiei aquela como uma das mais bem feitas que eu tinha visto, quiçá a mais bem feita. O aluno fez uma análise da transição dos tipos de governos em Moçambique desde o tempo dos grandes impérios e reinos africanos, passando pelo governo colonial, o socialismo e, então, a democratização. Ainda teceu interessantes críticas à própria democracia moçambicana, ainda imatura, comparando com outras democracias, inclusive com a democracia ateniense. Ótimo!

Pois bem, o professor, num exercício de duplipensar (ou novilíngua, como preferir), se exaltou na defesa da Frelimo, dizendo que antes do fim da guerra (ou seja, antes da democracia e pluripartidarismo) a democracia moçambicana era melhor que a atual democracia, que existia apenas um partido e não essa bagunça de pluripartidarismo, onde todo mundo debate sobre tudo. Não bastasse chamar o socialismo de democracia, para dar mais força à sua idéia, o professor ainda afirmou que na época dos reinos e impérios também existia democracia, já que o imperador possuía um conselho de anciões que lhe aconselhava. Monarquia e socialismo por democracia, o importante era ter respeitado o tempo em que a Frelimo “reinou” soberana.


Bobby's Band nas paradas de sucesso!

Ontem, dia 04 de outubro, se comemorou em Moçambique o dia da assinatura do Acordo Geral de Paz, o acordo que, em 1992, pôs fim à guerra civil que durara 16 anos, a chamada Guerra de Desestabilização. O acordo foi assinado em Roma por Joaquim Chissano, presidente de Moçambique, e Afonso Dhlakama, presidente da RENAMO, e mediado por representantes da organização católica Comunidade de Sant’Egídio com o apoio do governo italiano.

A comemoração, na capital da província de Manica, que contou com a presença do governador da província e demais autoridades, foi na Praça de Independência, no domingo, às 9:00 horas. E os convidados especiais que abrilhantaram o evento foi ninguém menos que a Bobby’s Band!!!!!

Yeah, baby! Na terça-feira passada, pela manhã, fui acordado por alguém que batia na porta do meu quarto. Era o secretário de cultura da província. Ele tinha visto a banda tocar na Escola Josina Machel, no sábado anterior, e veio à EPF nos convidar para tocar no tal evento cívico de comemoração ao dia do acordo. Levei-o ao escritório do Bobby e então agendamos a participação no evento.

Essa semana passada foi quase toda dedicada aos ensaios, preparação de repertório, e, inclusive, um aluno criou uma letra em homenagem ao município. Além de comprarmos alguns equipamentos que necessitávamos para dar uma potência melhor ao som. Tínhamos falta de microfones e a precária rede elétrica da cidade faz a corrente elétrica oscilar muito, com o perigo de queimar o som. O novo estabilizador, por enquanto, resolveu o problema. A EPF-Chimoio goza de uma parceria com a Kellogs, que também acatou o projeto de música e pagou pelos equipamentos. Parece que agora temos um equipamento suficiente para sairmos nas vilas fazendo o nosso projeto funcionar...

E, aliás, o nosso equipamento, tendo sido bem equalizado, ficou melhor que o som que a província contratou para o evento. Poucos minutos depois de iniciado o evento, era dos nossos microfones que eles estavam se valendo para os discursos e demais apresentações, mesmo que o nosso tinha apenas um amplificador e duas caixas de som, enquanto a outra aparelhagem possuía 3 amplificadores e 6 caixas de som. Quase no final do evento, eu pedi licença ao dono do outro som, mudei a equalização, puxei um cabo do nosso mixer pra um dos amplificadores e juntei a qualidade à quantidade.


Sunday, October 4, 2009

Poema ao pai

(C)omo em Emaús encontraram Cefas e seus amigos,
(E)stamos sempre viajantes, nunca vistos mesmo olhados,
(L)evando e trazendo de nós, sendo, estando, morrendo.
(I)nda assim, portanto, nós ficamos, em bocados, em quem,
(O) legado d’alma em espólio, recebe, entrega, convive.

(J)á por ti, a imperatriz Fortuna mais ainda me reservou,
(O) vigário divino, embaixador da vida e professor.
(S)ua exemplar lição de luta, força e perseverança,
(E)stará sempre comigo como espelho e cartilha.

(M)esmo quando do cândido esbulho em sua calvície
(O)u, quem sabe, a travessia por Caronte chegar,
(R)estará de ti a alma em bocados e amores, em mim.
(A) vida é mesmo um ciclo sem fim, o verbo em carne
(I)nterminavelmente se fazendo, num eterno retornar.
(S)e Ele É, portanto, Lhe sou grato por ti, meu pai!


Rodrigo Almeida Morais
Palmas, 11 de fevereiro de 2007.

Thursday, October 1, 2009

Re-ligare - I

Pacule nascera e fora criado numa pequena vila da província de Inhambane. Ainda era muito novo, com a idade de 5 anos, quando perdeu a mãe. Ela era uma curandeira muito respeitada na região, que cuidava do filho sem a ajuda de um marido. Pacule nem conhecera o pai. Era muito difícil para uma mulher que ocupasse uma posição de líder na comunidade conseguir manter um relacionamento matrimonial. Era embaraçoso para os homens as tomarem para si. Diziam: “Se ela é chefe na vila, vai querer mandar também dentro de casa”. Ou “Onde eu me encaixo como homem? Cuidando da machamba?”.
E o curandeiro, qualquer que fosse o seu sexo, sempre fora, para aquele povo, a pessoa para quem todos eles recorriam nos momentos mais difíceis. Fosse para solucionar conflitos de qualquer natureza existentes entre quaisquer moradores da região, fosse para consultar sobre o passado ou futuro, ou até para benzer a banca de verduras de algum vendedor que vinha amargando prejuízos. O temor a um curandeiro era maior que o temor ao chefe da tribo. Um curandeiro, sabia-se, com apenas uma palavra ou um jogo de búzios, poderia matar alguém instantaneamente. E esse era o respeito que tinha a mãe de Pacule.
Após o funeral, sua orfandade foi protegida pela adoção por uma entidade religiosa que atuava naquela área, mantida pela igreja de orientação metodista. Ali, ele recebeu uma cama, num grande quarto onde haviam trinta e nove outras camas. Destas, desde que Pacule passara a morar naquele orfanato, quase todas sempre estavam ocupadas por crianças que, como ele, por alguma razão, perdera a família. Essa passou a ser a sua família.
O casal de missionários que administravam a casa eram muito gentis. Amavam aquelas crianças como a seus próprios filhos. Atendiam as necessidades de cada um com especial atenção, como se único fosse. Todos os dias serviam alimentos nutritivos e saborosos para todos no refeitório. Antes do mata-bicho acontecia a oração. Após, todos eles se dirigiam à sala-de-aula, dentro do próprio orfanato, onde eram ensinadas as disciplinas das escolas primárias comuns. Além destas disciplinas, também eram ensinadas as lições bíblicas. Terminada a aula, eles voltavam ao refeitório para o almoço. Era sempre alguma refeição muito bem preparada pela cozinheira do orfanato.
Á tarde era reservada para brincadeiras, oficinas onde eles aprendiam várias profissões, liam livros de histórias infantis, cantavam, dançavam. Logo após o jantar, era o momento de culto na capela. Ali, Pacule ouvia sobre a vida de Jesus e outros homens da Bíblia, aprendia orações, cantava lindas músicas e até aprendeu a tocar violão.
Desde pequeno ele sempre se interessou muito pelas histórias bíblicas contadas pelos missionários. Era com especial prazer que participava todos os dias na capela. Quando se destacou nas aulas de violão, começou a acompanhar a missionária nos louvores do culto. Pouco a pouco, sua ajuda ao missionário foi sendo mais essencial. E, algum tempo depois, Pacule ensaiava os primeiros sermões a serem ministrados aos demais.
O tempo foi passando e a cada dia ele aprendia mais o exercício de capelania. Logo, se tornou um orador notável. E, no ano de completar vinte e um anos de idade, decidiu-se: “– Pai, quero seguir os seus passos. Quero me tornar pastor”.
Tudo foi preparado a seu tempo e qual não foi a alegria daquele senhor quando consagrou o pastor Pacule, numa cerimônia simples, porém bonita, que contou, inclusive, com a presença de pastores vindos de várias províncias. Era motivo de orgulho para todos aquele jovem pastor, tão apto à palavra e tão conhecedor dos assuntos teológicos.
Assumiu, assim, a direção de uma pequena igreja numa comunidade próxima. E logo uma outra característica que ficou evidente naquele jovem pastor era a forma cordial e sincera com que tratava as pessoas, sempre com um sorriso no rosto e uma expressão otimista e encorajadora. E naquela mesma comunidade se apaixona por uma dedicada moça da igreja, que, poucos meses depois, toma como esposa.
E, assim, as estações substituíram-se, acrescentando experiência e sucesso àquele ministério pastoral. No decênio da sua consagração foi removido para uma igreja na capital da província. Trouxe consigo a mesma bem-aventurança que o fizera um pastor tão amado pela comunidade em que servira anteriormente. Naquela capital atuaria por mais treze anos. Mas seria ali que a sua vida mudaria para sempre.
Começou com algumas visões que passara a ter, de forma cada vez mais constante. Na maioria delas, apareciam-lhe ossadas humanas distribuídas de formas características. Outros objetos, dispostos como oferendas, também surgiam diante dele, e desapareciam tão repentinamente quanto tinham surgido. Mas a visão que mais lhe perturbava o espírito era de uma mulher, que lhe aparecia muito bem vestida, com um enigmático olhar de um misto de severidade e doçura.
Ao mesmo tempo em que iniciaram as visões, também o seu espírito se tornara enfraquecido. Pouco a pouco o seu olhar foi perdendo aquela amabilidade que lhe fora peculiar. Dúvidas perturbavam o seu coração, levando-o, gradativamente, a questionar os rumos que tinha dado à sua vida. Seu ministério foi lhe parecendo sem sentido. Algo faltava. Mas a natureza deste algo lhe escapava.
Foi quando lembrou do seu pai, o missionário que o acolhera. Agora, já bastante idoso, continuava na direção daquele orfanato, cuidando dos muitos filhos, seu orgulho e feliz missão que recebera. Pacule foi ter com seu padrasto e contou-lhe da perturbação do seu coração. Ouviu então toda a vetusta sabedoria. Palavras de conforto e conselhos paternais saíram daquela já trêmula voz. Pacule deveria orar ao Senhor, jejuar e meditar sobre determinada passagem bíblica.
Cumpriu à risca toda a paternal sabedoria conselheira. Mas, desta vez, nada mudara. Ou, segundo lhe pareceu, as visões aumentavam de frequencia. Agora, a mulher da sua visão fazia-lhe visitas diárias.
Novamente, foi ter com o pai. Dessa vez, aproveitando a presença de outros pastores, foi sugerida uma sessão de exorcismo. Discreta, já que se tratava do exorcismo que tinha como paciente um pastor. Às portas fechadas, a sessão foi efetuada. Duas horas de comandos de expulsão, unções com óleos consagrados, imposição de mãos e toda sorte de ritos adotados. Terminada a sessão, foi-lhe transmitida a certeza de que as visões não mais o perturbariam. Porém, qual não foi a sua surpresa, poucos minutos após o exorcismo, novamente aparece-lhe a mulher das suas visões. E todo o dia seguinte permeou seus olhos de ossos e oferendas.
Diante disso, seu padrasto o aconselhou a se afastar temporariamente do ministério. Umas férias prolongadas o fariam bem. O conselho de pastores aprovariam aquela medida sem a subtração da sua prebenda.
Foi o que fez Pacule. Foi para casa, para o cuidado de sua mulher e seus dois filhos já crescidos, em busca de descanso para a sua alma perturbada.
As visões, no entanto, não o deixaram. Cotidianamente, cada vez mais frequentes, faziam com que seu coração sofresse mais e mais. O mesmo homem que dara tanto alento aos seus fiéis, cujas palavras fora guia daquele povo que lhe confiava as amarguras e sofrimentos, agora sofria intensamente e não via uma saída possível.
Um dia, sua esposa comentou o fato com uma amiga que conhecera na feira. Ela, então, sugeriu que ele consultasse o curandeiro daquele lugar. Pacule, porém, negou veementemente. Aprendera que o curandeirismo era abominação aos olhos de Deus, ora essa! “Nunca faria isso”, foi a sua resposta seca.
Mas a dor se intensificava mais a cada dia, juntamente com as visões. E, num átimo de desespero e incapacidade de visualizar o fim daquela dor, foi ter com o curandeiro.
Apesar de nunca ter estado num ambiente daquele, sentiu uma estranha familiaridade com a casa do curandeiro e todos os ornamentos e oferendas, filas de espera, búzios, raízes e etc. Parecera que já estivera numa lugar como aquele antes. Só não se lembrava onde e quando.
O curandeiro pediu que sentasse e contasse o que lhe pertubava o coração. Após ouvir silenciosamente, o homem ajuntou nas mãos um punhado de búzios e jogou-os sobre a mesa. Olhou, então, atentamente, para a disposição de cada peça derrubada. Moveu algumas, olhou novamente. Aqueles segundos pareciam horas a Pacule. Começava a se arrepender de ter ido ali. Seu coração batia acelerado, num misto de ansiedade pelo que iria ouvir e irritabilidade por estar naquela sala.
Então, o curandeiro começou a falar. Disse que aquelas visões eram sinais de um chamado. Que aquela mulher era a mãe de Pacule, que ele não mais lembrava o semblante, mas que vinha, agora, lhe dizer algo muito importante. Ele tinha uma responsabilidade para com a comunidade que a sua mãe deixara, com a morte, desgarrada. Aquelas pessoas precisavam de um guia espiritual. E este guia era ele. Ele, Pacule, deveria voltar à vila onde nascera. Não mais, porém, como pastor metodista. Ele deveria se tornar um curandeiro, como ela fora. Foi para isso que ele nascera. Era a sua missão.
As palavras penetravam seu ser como navalhas afiadas cortando a carne macia. O seu rosto, estampa do choque. Pacule se vê sentado naquela sala, sem nenhuma reação possível a ser tomada. Os pensamentos vinham e iam tão rapidamente que ele não conseguia se deter em nenhum. Ele, que sempre soubera todas as respostas, que sempre apontara o caminho, naquele momento tinha a visão turva. Apenas a imobilidade do seu corpo estupefado.
Assim ficou por longos segundos, até que foi informado que poderia se retirar. Outras pessoas aguardavam a vez. Vagarosamente, como que convertendo toda aquela informação em chumbo que trazia às costas, ele se retirou. Um gosto amargo na boca seca, um tremor que percorria todo o corpo e os olhos perturbados eram companheiros de viagem de Pacule na sua volta para casa.

Wednesday, September 23, 2009

A história do meu saxofone

A história do meu sax merece um post. Ainda no Brasil eu perdi meu antigo saxofone num negócio de jerico que fiz. Esse não era muito bom, mas tinha me acompanhado desde que aprendi tocar este instrumento. Eu precisava completar a grana para vir pro projeto e apareceu uma pessoa com um papo de comprar meu sax pra tocar na igreja e entre aleluias e glórias acabei oferecendo um preço muito barato, mas que, no final, o cristão fez questão de esquecer de pagar... Eu vim para o projeto e não pude cobrar o prejuízo. Ficar sem o dinheiro não foi grande problema. Problema mesmo foi ter ficado sem o sax.
Um dia, porém, quando andava em fundraising nos Estados Unidos, fiquei na casa de um rapaz em Washington, o Chethan. Ele tinha um estúdio dentro de casa, onde fazia música experimental e tinha, além da aparelhagem de som, muitos instrumentos musicais de todo o tipo. Para quem não sabe, Washington é a meca da música experimental no mundo e o Chethan é um dos caras que organizam os festivais em DC. Os 3 dias que passei na casa dele foram de conversas infindáveis sobre música. Nós trocamos muita informação e ele me deu tanta música em mp3 que ainda não consegui ouvir todas. Muita coisa boa mesmo!
E foi ali naquele estúdio que encontrei um sax alto de marca Conn num case quebrado e cheio de poeira. O cara tinha comprado pra aprender qualquer dia e esse dia estava demorando chegar... Peguei aquela coisa linda e fizemos uma jam: ele na guitarra e eu no sax. Nossa jam se prolongou até uma da manhã e só parou porque os coreanos que estavam comigo queriam dormir. Chethan, no outro dia, disse que tinha gostado demais da nossa jam e do meu som. Disse que só não me vendia o sax porque intentava aprender. Ele me deu o fone de algumas pessoas que poderiam me vender um sax usado, mas nenhum preço estava acessível. No final, eu até me decidi por comprar um mais barato que tinha visto, que fiquei de ir no outro dia.
Quando cheguei de volta na casa do meu anfitrião, continuamos a nossa conversa sobre música até que ele ficou pensativo, perguntou se eu tinha comprado o sax, coçou a cabeça e disse que não iria se sentir bem se deixasse de me vender aquele Conn. Chethan disse que do menor preço que eu tivesse encontrado, poderia pagar metade pra levar aquele sax. O preço mais barato que eu tinha encontrado por um sax como aquele, usado, em todas as minhas pesquisas, era de US$ 300,00. “Just give me US$ 150,00”. Entreguei o dinheiro antes que ele tivesse tempo de desistir da oferta e fui embora satisfeito, com meu sax de ótima marca por um preço inacreditável...

A invasão das abelhas africanas

Durante o festival, um fato inusitado. Enquanto as pessoas almoçavam, eu fiquei com alguns rapazes que conheci, estudantes de uma universidade da cidade, fazendo uma jam. Os caras tocavam blues muito bem, além de alguns ritmos da região. Ficamos improvisando muita coisa e dali não pretendíamos sair tão cedo. Nem o cheiro de peixe com chima tirava a atenção dos músicos. Algumas crianças se juntaram ao redor e se divertiam com a nossa performance. De repente, um enxame de abelhas africanas invadiu o lugar. Foi um pandemônio. Um deus-nos-acuda. As crianças gritavam de debandada. Eu não esperei ver nenhum inseto. Bastou o grito de “abelha!” e eu já corri qual azougue. Saí do jeito que estava, com o sax na mão e fui parar dentro da escola. Alguém derrubou o violão durante a corrida. Quem vinha ver o motivo da gritaria logo estava voltando com mais pressa do que a da chegada.
Depois de algum tempo, passado o susto, fui ver o estado dos meus novos amigos. Encontrei-os já no meio da rua, fora da escola, com microfones e percussão nas mãos e os olhos assustados.
As abelhas continuaram ali um bom tempo. Eu tentei ir em busca do case para guardar o sax, mas logo voltei correndo com um bando de furiosas atrás. Uma criança apontou acima da minha cabeça e gritou: “Estão todas em cima de você!”. Nem me voltei pra conferir. Do jeito que estava, corri de volta pra escola. Dessa vez uma das abelhas se enroscou no meu cabelo, fazendo um barulho de fúria. Quanto maior o barulho, mais eu me debatia; quanto mais eu me debatia, mais furiosa ela ficava e maior o barulho. Até que senti uma dor aguda no topo da cabeça. Tirei o nervoso inseto com um tapa, não sem antes ele ter me deixado uma marca de dor...


What the hell is Bobby’s Band?

Desde que cheguei em Chimoio tratei de por em ação um projeto que me foi partilhado por Bobby, meu team leader. Há algum tempo a Kellogs Foundation doou para a escola uma aparelhagem de som com o básico: amplificador, mixer, 2 caixas de som, 4 microfones e um teclado. A idéia, então, era montar uma banda para sair pelas cidades e vilas da região cantando e falando sobre prevenção de AIDS, educação e temas correlatos.
O Bobby era baixista de uma banda de rock nos Estados Unidos antes de vir para o projeto. Um aluno do projeto, o Mateus, toca violão. Outro aluno, o Manhacha, toca bateria e um grupo de alunos cantam e dançam. Está, então, formada a Bobby’s Band.
Bem, o nome não é muito criativo, mas foi idéia dos alunos. Bobby até quis argumentar, mas sem sucesso. Ficou Bobby’s Band mesmo.
Nós tocamos músicas feitas pelos próprios alunos, com ritmos africanos e temas que falam principalmente de AIDS e educação. Como não tem tecladista na banda, eu resolvi tocar teclado também, além do sax. Já tinha treinado alguma coisa em Michigan, no piano da IICD. Agora, estou conseguindo até arriscar uns improvisos...
Fim-de-semana passado foi a nossa estréia, no Festival Cultural da EPF Chimoio, que reuniu várias escolas com apresentações de teatro, danças e música.
No próximo sábado vamos tocar no evento de uma escola na cidade e, depois, vamos organizar uma agenda para as comunidades ao redor.



Monday, September 21, 2009

Nasceu onde mesmo?

Essa brincadeira no post anterior sobre nascer naquele ou neste lugar merece mais palavras. O post até poderia se chamar “a vingança que tardia” ou alguma coisa do gênero.
Aqui, em Moçambique, os brancos, principalmente os portugueses, andam todos com um ar de superioridade que irrita o mais asceta dos homens. Fazem pouco caso dos negros, desrespeitam-os no seu próprio continente. Se referem aos moçambicanos negros com termos que lhes afastem o máximo, aquele pronome na terceira pessoa do plural, mais indefinido impossível. Conversar com alguns brancos na cidade, para mim, tem sido torturante, a maioria das vezes. Gente em eterno choque cultural, cuja cura talvez só venha mesmo com outro tipo de choque, o elétrico, por uma agulha dentro da unha...
Bem, a parte da “vingança” veio de ter conhecido um deste citado tipo, português, branco, bonito aos próprios olhos e muito, mas muito chato mesmo.
Depois de alguma conversa, já na hora de me despedir, perguntei de qual cidade de Portugal ele era. Foi então que o candidato a "sêo Manuel da padaria" titubeou e disse que nascera aqui mesmo, em Moçambique. Ora, pela idade, ele nem poderia ter nascido antes da independência, mas não deu outra. Juntei tudo numa risada sarcástica e revelei ao enganado aprendiz de Dom Manuel o Venturoso que ele era, na verdade, moçambicano.
Fui saindo em despedida enquanto ele, entre gaguejos vergonhosos, tentava argumentar contra essa minha conclusão impecável. Mas impecável mesmo estava o meu sarcasmo...

Os bandidos da minha terra gorjeiam até demais...

“No dia em que o crime se ornamenta com os despojos da inocência, por uma curiosa deformação que é própria do nosso tempo, é a inocência que se vê intimada a apresentar suas justificativas”. É de um ‘francês’ nascido em terras africanas, Albert Camus, a frase que uso para lamentar a vergonhosa atuação do governo brasileiro em defesa do italiano Cesare Battisti, que matou a tiros quatro pessoas: Antonio Santoro (agente penitenciário), Pierluigi Torregiani (joalheiro), Lívio Sabatini (açougueiro) e Andréa Campagna (policial), além de ter remetido à prisão perpétua, em cadeira de rodas, o filho de Andrea Campagna, atingido por disparos da pistola.

O amor brasileiro ao banditismo já não é novidade e desde muito tempo está aí, nas músicas, literatura e cinemas nacionais. Foi o espírito que moveu as pessoas que adoravam Leonardo Pareja e que colocaram a bandeira brasileira sobre o seu caixão, sob os louvores de aprovação da mídia nacional. Foi o espírito que moveu Moreira Salles, menos notável pelos seus filmes do que por sua proteção ao bandido Marcinho VP. O teatro de Chico Buarque, obras de Ledo Ivo, apoio presidencial às FARC’s, ao MIR chileno, rifa feita por deputado para pagar a fuga de guerrilheiro colombiano, música deste ou daquele pensador que estava feliz porque matou o presidente, ... e a lista vai crescendo. No teor, o discurso pateta de que bandidos são bons (ou, pelo menos, vítimas da sociedade) e a polícia e as instituições democráticas são o mal.

A tese é tão absurda que nem vale a pena citar nomes de pessoas que nasceram na pobreza e são exemplos de vida. Também não vale a pena dissertar sobre a distância de valores entre os crimes de corrupção dos homens do poder político e os crimes contra a vida humana dos assassinos e bandidos do “submundo”. Até porque muito dessa dualidade bem-mal pregada diz respeito aos opostos entre a vida do culpadíssimo cidadão comum que tenta sobreviver montando o seu próprio negócio (um burguês filho da puta) e o venturoso bandido que escapa do presídio e dá entrevista nas páginas amarelas da Veja contando como a polícia é mal treinada e equipada, para o orgasmo nacional.

No caso atual, o ministro da Justiça, Tarso Genro, abandona todo o decoro e critica o posicionamento do ministro Peluso, do STF, que não fez coro com o grupo da torcida organizada do assassino que, nas terras tupiniquins, atende pelas alcunhas de escritor e preso político. Enquanto a novilíngua usa palavras como “preso político” para induzir o traumatizado cérebro brasileiro a se identificar com as prisões políticas da ditadura militar.

Então, outro ministro pede vista do processo, numa manobra que parece o “ganhar tempo” para que o novo ministro do STF, que logo será indicado pelo presidente, venha cantar em uníssono em defesa do assassino, já com a ordem de Sua Excelência (sua sim, minha não) o presidente dessa bagunça toda, digo, da República.

Lembrando que logo teremos uma candidata à presidência cuja único grande feito na vida foi o assalto à casa da ex-amante e secretária do político Adhemar de Barros, onde o político, já defunto, teria deixado um cofre contendo muito dinheiro, que a atual ministra nunca disse onde guardou... Enquanto isso, eu vou lendo notícias do Brasil e minha gastrite vai se tornando em úlcera.

E, para continuar com a xaropada de citações, termino com essa de Rui Barbosa, brasileiro que nasceu no Brasil mesmo: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.