"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Monday, January 4, 2016

As melhores coisas do mundo sempre surgiram por acaso. A internet, por exemplo. E quase tudo de ruim é resultado de utopias que pretendem melhorar o mundo.

Escrito por James Delingpole
Tradução: Rodrigo Morais


Já que ninguém me perguntou qual o melhor livro de 2015, eu vou dizer: É o livro de Matt Ridley, Evolution of Everything.

Este livro não apareceu em tantas listas de recomendações quanto os seus antecessores do mesmo autor, Genoma e O Otimista Racional, nem recebeu tantas resenhas. E eu tenho uma forte suspeita do por quê: a sua mensagem é tão revolucionária que causaria desconforto em praticamente todos os grupos do espectro político: de cristãos e muçulmanos a executivos corporativos, historiadores, feministas, educadores e teoristas da conspiração, de verdes e socialistas (se é que são diferentes) a conservadores como George Osborne e David Cameron.

E ainda é o caso de ser, em minha opinião, cem por cento correto em todos os temas abordados, da internet aos banqueiros, da agricultura a educação, do debate sobre cultura vs. natureza a religião. E ninguém gosta de um espertinho – principalmente se ele é um espertinho formado em Eton, com um título, um patrimônio (construído por meio da exploração de minas de carvão) e uma infeliz reputação do homem que foi diretor da Northern Rock quando a empresa precisou ser socorrida pelo contribuinte – não é verdade?

O que é ainda mais interessante do que o livro é a forma como ele tem sido resenhado pelos bem-pensantes – principalmente John Gray, do The Guardian. Ele odiou o livro. Odiou tanto que nem foi capaz de fazer um esforço para lê-lo. Ou, se leu, ficou tão consumido por uma justa indignação que não conseguiu analisar nenhuma das “terríveis” questões levantadas ali.

A resenha de Gray é cheia de um desdém injurioso e arrogante: “um folheto pretencioso e enfadonhamente repetitivo”; “Se ele fosse um escritor mais sério e atencioso, Ridley poderia...”; “uma versão mecânica e atual de um libertarianismo de direita”. Há ainda um parágrafo inteiro de afirmações ad hominen, sobre os seus títulos, graduação e o caso Norther Rock. Quase nada, no entanto, sobre o assunto tratado.

Basicamente, o que o livro diz é que a evolução é um fenômeno que ultrapassa Darwin para abranger tudo. A internet, por exemplo. Ninguém a planejou. Ninguém – vai devagar, Al Gore e Tim Berners Lee – rigorosamente a inventou. Ela simplesmente surgiu, impelida pelas necessidades dos consumidores e tornada possível pela tecnologia disponível. Como diz Ridley, “ela é um exemplo vivo, diante de nós, do fenômeno de emergência evolucionária – de complexidade e ordem criada espontaneamente, de uma forma descentralizada, sem um planejador.

O que é obviamente uma terrível heresia para todos os tipos de controladores, desde os chineses, iranianos e russos, a Barack Obama, com célebre declaração em 2012: “A internet não se inventou a si mesma. Foi a pesquisa governamental que a criou”.

Esta alegação – como Ridley demonstra – é na melhor das hipóteses, discutível, e, na pior, mentira pura e simples. De fato, o governo foi responsável, na verdade, por postergar a internet. Uma das suas formas iniciais foi o Arpanet, financiado pelo Pentágono, que até 1989 ficou proibido aos propósitos comerciais ou privados. Um folheto do MIT de 1980 adverte os usuários de que “enviar mensagens eletrônicas via ARPAnet para fins comerciais ou políticos é tanto antissocial quanto ilegal”. A internet decolou apenas quando foi efetivamente privatizada, nos anos 90.

A mesma regra se aplica ao faturamento hidráulico, outra tecnologia normalmente atribuída a R&D, empresa financiada pelo governo. De acordo com um meme disseminado pelo California’s Breakthrough Institute, ele foi baseado numa tecnologia de imagem microssísmica desenvolvida pelo laboratório federal Sandia National. Hum. Não necessariamente. Ridley fez uma pesquisa e descobriu que o financiamento veio, na verdade, de uma empresa inteiramente privada, a Gas Research Institute, que contratou um técnico do Sandia. “Então, o único envolvimento do governo federal foi ter oferecido um espaço para eles trabalharem”.

Pode ter certeza, no entanto, que o falso meme vai continuar a ser compartilhado, porque ele encaixa numa narrativa na qual a maioria de nós gosta de acreditar, de que sem uma direção “do alto”, nada seria feito, nunca. Na sua forma mais bruta, este é um impulso que, no decorrer da história, levou os homens a atribuírem eventos a divindades – seja a extração de corações ainda palpitantes dos prisioneiros a fim de melhorar a colheita, ou a ordem governamental moderna que transforma colinas em complexos de energia eólica (no estilo Monte Caveira), para acalmar a deusa Gaia. E você encontra este impulso em todo lugar, da teoria dos Grandes Homens, defendida por muitos historiadores, a maneira como as ações das companhias sobem ou despencam assim que elas mudam de CEO.

Isso tudo decorre, acredito, de uma desconfiança inata que muitos de nós temos das indescritíveis maravilhas da nossa própria espécie. Pessoalmente, acredito desde há tempos que, deixados a nossa própria sorte, tenderíamos mais aos resultados bons do que aos maus – mesmo que motivados pelos interesses pessoais. Mas até o momento não tinha conseguido dar uma resposta perfeita para a pergunta que escuto de pessoas com uma visão pouco liberal clássica: “Você não gosta do governo. Então o que prefere, a Somália? ”.

Agora, graças a Ridley, eu tenho uma resposta. Nós dois concordamos que existe lugar para um governo que seja bastante limitado. Mas o que o peso da evidência histórica mostra, de forma esmagadora, é que praticamente tudo de bom que surgiu no mundo, o fez por acidente, e quase tudo de mal é (largamente) consequência não intencional de utópicos, com muito poder, tentando consertar o mundo.

Destes últimos, Ridley aponta, nós ganhamos a primeira guerra, a revolução russa, o Tratado de Versalhes, a Grande Depressão, o regime nazista, a segunda guerra, o Revolução Chinesa, a crise de 2008.

Dos primeiros, ganhamos o crescimento da renda global, o desaparecimento de doenças infecciosas, a limpeza dos rios e do ar, o uso da técnica de impressão digital para descobrir criminosos e livrar inocentes. Ainda assim, todo o nosso sistema global está orientado no sentido de receber diretivas de cima para baixo, que invariavelmente tornam as coisas piores. Nós nunca aprendemos, não é verdade?



Original: http://www.spectator.co.uk/2016/01/the-best-things-in-the-world-have-always-sprung-up-by-accident-take-the-internet-for-instance/

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