O texto a seguir foi publicado no blog do jornal inglês The Spectator, no ano de 2014. Ainda é um dos artigos mais lidos do blog, ficando entre os 10 mais acessados tanto em 2014 quanto em 2015. O escritor cunhou a expressão "Estudantes de Stepford" para se referir ao tipo descrito no texto, fazendo um trocadilho com o título da obra de Ira Levin, The Stepford Wives, que foi adaptada para o cinema com o título em português 'Esposas em Conflito'.
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Você conhece os estudantes de Stepford? Eles estão em todo lugar. Em vários campi ao redor do país. Sentados apáticos nos corredores dos blocos da universidade ou policiando, sub-repticiamente, os trotes e brincadeiras feitas por alunos bêbados em bares universitários. Eles se parecem com estudantes, se vestem como estudantes e até cheiram como estudantes. No entanto, os seus cérebros de estudantes foram substituídos por cérebros desprovidos de faculdades críticas e programados para se conformar. Para quem não os conhece, eles se parecem com jovens normais, devoradores de livros e que gostam de discutir idéias, mas qualquer um que converse mais de cinco minutos com um deles vai descobrir que tais estudantes estão muito mais interessados em calar o debate do que em iniciá-lo.
Eu fui
atacado por um enxame destes estudantes esta semana. Na terça-feira eu deveria
participar de um debate sobre o aborto na Christ Church, em Oxford. Fui
convidado pelos Estudantes Pró-Vida de Oxford para defender os argumentos pró-escolha
contra o jornalista Timothy Stanley, que é pró-vida. Mas aparentemente é
proibido para homens falar sobre aborto. Uma tropa de feministas furiosas,
estudantes de Oxford, todas repetindo roboticamente a mesma conversa de estarem
se sentido ofendidas, criaram uma página no Facebook cheia de palavrões,
exigindo que o debate fosse cancelado. Elas diziam ser ultrajante o fato de que
dois seres humanos que “não possuíam úteros” defendessem posições acerca do
aborto – política de identidade na sua forma mais vilmente biológica – e afirmavam
que o debate ameaçava a “segurança mental” dos estudantes de Oxford. Trezentas
pessoas na página prometiam aparecer no debate com “instrumentos” – só Deus sabe
quais – a fim de interrompê-lo.
Incrivelmente,
a Christ Church capitulou aos censores universitários, fazendo jus ao
significado moderno do nome e anunciando que se recusariam a realizar o debate
em função das suscitadas “questões de segurança e bem-estar”. Assim, numa das
maiores instituições de ensino do mundo, o princípio democrático do debate
livre e aberto, que permite a contraposição de opiniões diferentes diante de
cidadãos aptos ao discernimento, foi transgredido, e os estudantes transformados
em criaturas frágeis, crianças crescidas que precisam ser protegidas contra quaisquer
idéias que possam alfinetar suas almas ou desafiar seus preconceitos. Uma das
estudantes censoras inclusive se gabou da sua participação no cancelamento do
debate, vestindo a sua intolerância como uma medalha de honra num artigo
independente em que ela afirmava que “a idéia de que, numa sociedade livre, absolutamente
tudo está sujeito ao debate tem um efeito danoso em grupos marginalizados”.
Esta não
foi a primeira vez em que encontrei os estudantes de Stepford. No último mês,
em outra prestigiada universidade inglesa, Cambridge, fui cercado pelos tais após participar de um debate sobre escolas confessionais. Não foi a minha
defesa de que os pais têm o direito de enviar os seus filhos para escolas
religiosas que fez com que eles quisessem me levar para a forca – por mais que
eles repudiem esta minha visão progressista – mas foi a minha sugestão, feita
nesta revista e em algum outro lugar, de que a “lad culture” (subcultura dos
anos 90 de reação ao feminismo) não transforma homens em estupradores. As suas
mentes mecânicas pareciam incapazes de computar que alguém poderia dizer uma
coisa destas!
Seus olhos
ficaram vidrados de certeza moral e eles demoradamente me explicaram que a
cultura deforma mentes e molda comportamentos e esta é a razão pela qual é correto
aos estudantes manterem coisas perversas e misóginas como o The Sun e música
pop sexista fora do campus. “Nós temos o direito de nos sentirmos confortáveis”,
diziam eles, como num mantra. Um deles – um rapaz – disse que as aulas obrigatórias
sobre consentimento sexual, recentemente introduzidas para calouros em
Cambridge para ensinar o que é e o que não é estupro foi uma ótima idéia porque
a universidade poderia identificar “pré-estupradores”: homens que ainda não
haviam estuprado ninguém, mas que poderiam fazê-lo. Os outros concordaram. Eu
não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Pré-estupradores! Eu perguntei
se algum deles havia lido a distopia de Phillip K. Dick sobre um terrível mundo
que caçava e punia pré-criminosos. Nenhum deles conhecia a obra...
Quando eu
os contei que passara, no final do último milênio, os meus dias de estudante argumentando
contra as mesmas idéias que eles hoje defendiam – contra a alegação de que o
rap transformava negros em assassinos ou que os filmes de Tarantino tornavam os
adolescentes selvagens e criminosos – nem mesmo uma centelha de ponderação passou
pelos olhos deles. “Naquela época, as pessoas que defendiam estes argumentos censuradores
e misantropos sobre a cultura determinar o comportamento não eram jovens como
vocês”, eu disse. “Eram pessoas velhas e mais conservadoras, com cabelos
tingidos”. Um momento de silêncio. Então, um dos Stepfords retrucou: “talvez eles estivessem certos”, ele
disse. Minha mente foi tomada pela visão de Mary Whitehouse dando uma risada
maligna em algum canto do cosmos.
Se a sua
imagem de um estudante é a de alguém de espírito livre e mente aberta, que
adora disparar contra ortodoxias, você precisa urgentemente atualizar o seu
banco de imagens. Os estudantes de hoje são exatamente o oposto disto. É difícil
pensar num segmento da sociedade que tenha sofrido uma transformação de tamanha
proporção como esta que sofreram os estudantes. Passaram de espíritos impetuosos
a estraga-prazeres, de questionadores inconvenientes a supressores da opinião ofensiva,
no espaço de uma geração. Meu embate com os Stepfords anti-debate de Oxford e
os criadores do sistema pré-crime de Cambridge repercutiram em outros encontros
que tive com os intolerantes estudantes do século XXI. Eu fui vaiado por
estudantes da Universidade de Cork por ter criticado o “casamento gay”; cercado
e tratado como um “negacionista” por estudantes da UCL por sugerir que o
desenvolvimento industrial da África deveria ser prioridade em relação ao combate ao
aquecimento global; ridicularizado em Cambridge (novamente) por afirmar ser uma
má idéia o boicote a produtos israelenses. Em todos estes casos, não foi o fato
dos estudantes discordarem de mim que achei alarmante – discordância é ótimo! –
mas porque eles ficavam em choque pelo fato de eu ter expressado tais opiniões,
porque eu falhei em estar de acordo com o que eles acreditavam ser correto,
porque eu ousei contaminar os campi e as suas frágeis massas cinzentas com idéias
tão ofensivas.
Onde antes os
estudantes permitiam que os seus olhos e ouvidos pudessem ser bombardeados por
tudo, de propaganda política perigosa a rock obsceno, agora eles se protegem de
qualquer coisa que possa minar a autoestima ou – o maior dos crimes! – os tirem
das suas “zonas de conforto”. Grupos universitários insistem que artigos online
devam ter um botão de denúncia para o caso da matéria ter algo ofensivo.
A política
de “no platform” [política da NUS, União Nacional dos Estudantes inglesa, que proíbe
grupos racistas ou fascistas de usarem ou partilharem da tribuna da entidade: N.T.]
de várias uniões de estudantes tem sido constantemente expandida para manter
fora do ambiente acadêmico praticamente todas as idéias que não se adequam
perfeitamente com o pensamento do grupo dominante. Onde antes apenas agitadores
extremistas eram excluídos, agora qualquer um, de sionista a feministas não
radicais, de pessoas com idéias “erradas” em relação aos transgêneros aos “negacionistas
do estupro” (qualquer um que questione a afirmação de que a Inglaterra moderna
está a um passo de uma “cultura do estupro”), se encontram em vias de exclusão
da esfera universitária. Pela minha experiência em Oxford, diria que os
próximos excluídos serão os grupos pró-vida. Em setembro a união dos estudantes
de Dundee baniu a Society for the Protection of Unborn Child da feira de
calouros, sob o argumento de que a sua campanha continha material “altamente
ofensivo”.
É difícil
que passe uma semana sem uma notícia de algo “ofensivo” sendo banido por
estudantes. A música Blurred Lines, de Robin Thicke, por exemplo, foi banida em
mais de 20 universidades. A justificativa dada pela Balliol College, em Oxford,
foi de que o banimento da música se deu como um “meio de priorizar o bem-estar
dos nossos estudantes”. Aparentemente, uma música pop de três minutos pode
prejudicar a saúde dos estudantes. Mais de 30 uniões de estudantes baniram o
The Sun, afirmando que a Página Três pode transformar aqueles “pré-estupradores”
em estupradores reais. Feministas radicais costumavam queimar sutiãs – hoje elas
insistem que as modelos os vistam. A união de estudantes da UCL baniu a
Sociedade Nietzsche sob a alegação de a sua existência ameaçava “a segurança do
corpo discente da UCL”.
As
preocupações dos Stepfords são amplificadas exponencialmente nas mídias
sociais. Assim que surge um tema contencioso, aparece também uma campanha no
Facebook ou uma hashtag no Twitter, exigindo que o debate seja silenciado. Com
a tecnologia, nunca foi tão fácil alardear um falso senso de indignação
coletiva – e mirar aquela fúria sintética em direção as autoridades. As
autoridades vítimas desta fúria se sentem tão assediadas que sucumbem as
demandas e ameaças.
E os céus tenham
piedade daqueles estudantes que não se curvam a mentalidade de Stepford. A
união de estudantes de Edinburgh recentemente aprovou uma moção para banir os
trotes “laddish” no campus. Estes estudantes estão sendo obrigados a renegar o
estilo e as brincadeiras. No mês passado, o clube de rugby da London School of
Economics foi suspenso por um ano após seus membros terem distribuídos
panfletos recomendando aos “lads” que evitassem “barangas” e “depravação
homossexual”. Sob pressão dos cartolas da LSE, o clube se retratou publicamente
do seu comportamento “indesculpavelmente ofensivo” e declarou que os seus
membros têm “muito a aprender acerca dos perniciosos efeitos dos trotes”. Eles
foram obrigados a participarem de treinamentos sobre diversidade e igualdade. Nas
universidades britânicas de 2014, você não recebe apenas educação, mas recebe reeducação,
no melhor estilo soviético.
A censura
alcançou o seu clímax com o surgimento das políticas de “espaço seguro”.
Diversas uniões de estudantes “colonizaram” vastas áreas nos campi e as
declararam “espaço seguro”, ou seja, lugares onde nenhum estudante deverá se
sentir ameaçado, rejeitado ou diminuído, seja por trotes, idéias ou músicas
como Blurred Lines. Segurança contra ataques físicos é uma coisa, mas segurança
contra palavras, idéias, sionistas, lads, música pop, Nietzsche? Criamos uma
nova geração que acredita que a sua própria autoestima é mais importante do que
a liberdade de todas as outras pessoas.
Era isso
que queriam dizer os alunos de Cambridge quando insistiam que tinham o “direito
de se sentirem confortáveis”. Não se referiam a liberdade de se deitarem numa
espreguiçadeira; se referiam ao direito de nunca serem desafiados por idéias ou
terem as suas mentes assoladas por ofensas. Precisamente na época em que
deveriam pular “de cérebro” em discussões pesadas e adultas, os estudantes
estão tentando se esconder de qualquer lufada de controvérsia. Estamos
testemunhando a vitória sub-reptícia do politicamente correto. Enquanto os
extremos do politicamente correto são expostos ao público, como a censura a
músicas de ninar, ninguém parece notar que os postulados principais do PC, que
vai desde o desejo de acabar com algumas gírias ofensivas a necessidade de
reeducar mentes aparentemente corrompidas, já foram engolidas por toda esta
nova geração. Isto é um desastre sem medidas, pois significa que as nossas
universidades estão se tornando criadouros para um novo dogmatismo. Como disse
John Stuart Mill, se não permitirmos que as nossas opiniões sejam “frequente,
completa e corajosamente discutidas”, esta mesma opinião será mantida como um “dogma
morto, não como uma verdade viva”.
Um dia estes
estudantes de Stepford, com os seus apetites para a censura, as suas guerras
contra as gírias ofensivas e a assustadora conversa acerca de pré-crimes,
estarão governando este país. E então não serão apenas nós que temos uma razão
para visitar os campi que sofreremos os efeitos dos seus cadavéricos dogmas.
Escrito por Brendan O'Niel
http://blogs.spectator.co.uk/2015/12/free-speech-is-so-last-century-todays-undergraduates-demand-the-right-to-be-comfortable/
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