Escrito por Nick Cohen
Se os
lamentos de Je suis Charlie fossem
sinceros, o mundo ocidental estaria em convulsões de apreensão e furor pelo
caso Wallstrom. Ele possui todos os ingredientes para um confronto do tipo
‘conflito de civilizações’.
Há algumas
semanas atrás a ministra do exterior da Suécia, Margot Wallstrom, denunciou a
opressão a mulher na Arábia Saudita. Uma vez que o regime teocrático impede
mulheres de viajar, conduzir negócios oficiais ou se casar sem a autorização de um
guardião masculino, e meninas são forçadas a casamentos onde são, na verdade,
estupradas por homens velhos, a ministra não disse nada que não fosse a mais pura
verdade. Wallstrom criticou as cortes sauditas pela condenação de Raif Badawi a
10 anos de prisão e 1.000 chicotadas por ter criado um website em que defendia o
secularismo e a liberdade de expressão. Estes são “métodos medievais”, disse
ela, e uma “tentativa cruel de silenciar formas modernas de expressão”. E,
novamente, quem discordaria do que ela disse?
A
repercussão seguiu o padrão dos casos de Rushdie, dos quadrinhos dinamarqueses e do Hebdo. A Arábia Saudita retirou o seu embaixador e suspendeu a
emissão de vistos para empresários suecos. Os Emirados Árabes Unidos fizeram o
mesmo. A Organização para a Cooperação Islâmica, que representa 56 países de
maioria muçulmana, acusou a Suécia de desrespeitar a variedade e riqueza dos padrões éticos do mundo – tão rico e variado que incluem, aparentemente, o açoitamento
de blogueiros e a proteção a pedófilos.
Enquanto
isso, o Conselho de Cooperação do Golfo condenou a “inaceitável interferência
nos assuntos internos do reino da Arábia Saudita” e eu não apostaria contra uma
insurreição de protestos anti-suecos a qualquer momento.
Ainda
assim, não existe um “caso Wallstrom”. Fora da Suécia, a mídia ocidental
praticamente não cobriu a história e os aliados suecos na EU não demonstraram
qualquer inclinação no sentido de apoiar a ministra. Uma pequena nação
escandinava sofre sanções, acusações de islamofobia e pode vir a sofrer coisas
piores, e todos estão em silêncio. Mais uma vez, o escândalo é que não tenha
havido nenhum escândalo.
É um sinal
de como os valores da política moderna estão invertidos o fato de se presumir
que um político que defenda a liberdade de expressão e os direitos da mulher no
mundo árabe deva ser um esquerdista radical ou um neocon, ou talvez um defensor
dos novos partidos da extrema-direita populista escandinava, cujo
comprometimento com os direitos humanos são apenas uma desculpa para o ódio
anti-muçulmano. Mas Margot Wallstrom é uma raridade moderna: uma política de
esquerda que vai onde os seus princípios a leva.
Ela é a
ministra do exterior de uma fraca coalização sueca entre os sociais-democratas
e o Partido Verde, e assumiu o ministério prometendo uma política externa
feminista. Ela reconheceu a Palestina em outubro do ano passado – e não! a Liga
Árabe e a Organização para a Cooperação Islâmica e o Conselho de Cooperação do
Golfo não condenaram esta ação como “inaceitável interferência nos assuntos
internos de Israel”. Confesso que o gesto dela me pareceu contraproducente na
época. Mas após Benjamin Netanyahu ter rechaçado a criação do estado palestino
para garantir a sua reeleição, ela pode dizer com justiça que a História a
inocentou.
Ela tratou
então da versão saudita da lei de sharia.
A sua crítica não foi meramente retórica. Ela disse que não era ético para a
Suécia continuar com os acordos de cooperação militar com a Arábia Saudita. Em
outras palavras, ela ameaçou a possibilidade de lucros das empresas suecas. A
negação saudita em emitir vistos de negócios aos suecos ameaçam os lucros de
outras empresas também. Podemos pensar nos suecos como um povo social-democrata
que nunca deixaria preocupações tediosas se interpor no caminho da sua
honradez. Mas isso não é inteiramente verdade, muito menos quando o assunto
envolve dinheiro.
A Suécia é
o décimo-segundo maior exportador de armas de fogo – um numero impressionante
para um país com nove milhões de habitantes. Suas exportações para a Arábia
Saudita totalizam 1,3 bilhões de dólares. Executivos e funcionários públicos
estão cientes de que os outros países muçulmanos aderirão ao boicote saudita.
Durante a “crise dos quadrinhos” – uma expressão que não consigo escrever sem
virar os olhos de incredulidade – as empresas dinamarquesas sofreram ataques
globais e a rede de supermercados francês Carrefour retirou produtos
dinamarqueses das prateleiras para agradar aos clientes muçulmanos. Uma campanha
coordenada de países muçulmanos contra a Suécia não é uma idéia fantasiosa.
Existe inclusive a conversa de que a Suécia perca o seu assento no Conselho de
Segurança da ONU em 2017 por causa de Wallstrom.
Colocado de
forma simples, o establishment sueco entrou em polvorosa. Trinta executivos
assinaram um manifesto dizendo que a quebra do tratado comercial “comprometeria
a reputação da Suécia como um parceiro de negócios e de cooperação”. Ninguém menos
que o próprio Sua Majestade o Rei Carlos XVI Gustavo convocou Wallstrom num
final-de-semana para dizer que ele queria uma transigência. A Arábia Saudita
conseguiu transformar a crítica a sua brutal versão do islam num ataque contra
todos os muçulmanos, independentemente de serem ou não Wahhabis, e Wallstrom e
seus colegas ficaram debilitados diante das acusações de islamofobia. Os sinais
indicam que Wallstrom deverá ceder às pressões, principalmente porque o
restante da Europa “progressista” não manifesta o menor interesse em apoiá-la.
Pecados omissivos
dizem tanto quanto os pecados comissivos. Esta "não-questão" nos ensina três coisas.
É mais fácil educar países pequenos como a Suécia e Israel naquilo que eles
podem ou não fazer, do que a países como os Estados Unidos, China ou uma Arábia
Saudita, que pode mobilizar um apoio muçulmano global quando criticada. Segundo,
uma Europa que está ficando velha e pobre está descobrindo que a defesa da
moral em políticas internacionais são um luxo que não podem mais ter. A Arábia
Saudita está confiante desde o início de que a Suécia precisa mais do seu
dinheiro do que ela precisa das importações suecas.
Finalmente –
e o mais revelador na minha opinião – esta situação nos mostra que os direitos
das mulheres sempre vêm por último. Fazem verdadeiras tempestades no Twitter e frenesis alimentados pela mídia sobre homens machistas sempre que alguma
figura pública usa “linguagem inapropriada”. Mas quando uma parlamentar feminina tenta
iniciar uma campanha pelos direitos das mulheres que sofrem numa cultura misógina
e brutal, ela não é aplaudida, mas é recebida com um embaraçoso e revelador silêncio.
Original: http://blogs.spectator.co.uk/2015/12/swedens-feminist-foreign-minister-has-dared-to-tell-the-truth-about-saudi-arabia-what-happens-now-concerns-us-all/
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