"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Monday, November 9, 2009

Polidez

Uma atitude dos moçambicanos que costuma irritar os brasileiros é a forma como são feitos os pedidos e já foram muitas as vezes em que presenciei os voluntários brasileiros reclamando do tom de voz nestas horas. É que o moçambicano sempre pede algo com um tom de ordem e nunca tem espaço a gentil palavra “por favor”. No final, a gente se acostuma, releva e, se tiver lidando com uma criança ou um aluno, até brinca com a pergunta: “qual é a palavrinha mágica?”

Mas um olhar nos significados de algumas palavras podem ajudar a explicar estas diferenças culturais, principalmente sob a ótima da interferência linguística e da etimologia.

Inicialmente, vale ressaltar que não existe correspondente palavra nas línguas da região para o nosso “por favor”. Assim, a “transferência” da idéia ou da palavra fica, inicialmente, prejudicada. O moçambicano tem como língua nativa todos estas vertentes das línguas bantu (chona, no caso da minha região especificamente) e, ao aprender a língua portuguesa, transfere os conhecimentos e a estrutura daquelas línguas para esta.

Não tendo a correspondente palavra para a expressão “por favor”, a transferência não ocorre. Não ocorre também o próprio conhecimento do que significa essa ação. E vêm dos Vedas o cediço entendimento de que o tamanho da alma é determinado pelo tamanho da linguagem. A alma é capaz de abarcar a riqueza do mundo na medida da sua riqueza linguística. Isso posto, não existe nada na alma que possa ser acessado sem que possua, previamente, um nome.

No mesmo tópico da “polidez” moçambicana, terminada a ação, recebemos, sim, um “obrigado”. Mas vejam o sentido da palavra nas línguas nativas. A expressão é maita bassa, que, literalmente, se traduz como “serviço feito” ou “trabalho terminado”. Ainda aqui a polidez não é mesma. Maita bassa é a atestação de que a tarefa foi completada. Serviço pronto, dirija-se ao seu lugar... Soa como um superior que certifica o fim de um trabalho ordenado anteriormente.

Já na língua portuguesa, a nossa palavra de gratidão, o “obrigado”, é uma redução da expressão: “fico obrigado a retribuir o favor”. Agradecer, gratificar, grátis e gratuito são palavras que se originam do latim gratiis, que quer dizer “pelas graças”. Todas as decorrências nas demais línguas latinas (gracias, gràcies, merci, grazie, grato) vêm da mesma origem latina e, no grego o termo é cháris, do verbo charizomai, que significa “mostrar favor para”, acentuando a bondade do doador e a indignidade do receptor. O termo passou pelo crivo do Cristianismo, significando ainda “favor imerecido”, quando diz da relação de bondade de Deus para com os homens.

No hebraico, cuja cosmovisão interfere diretamente no Cristianismo e na civilização ocidental, um dos termos para “graça” é chen, que significa curvar-se, conotando favor imerecido ou condescendência de um ser superior por alguém inferior em valor e posição. Ainda aqui a predisposição espontânea à retribuição e consciência da dívida.

Veja que agora a valorização das polaridades na ação muda em relação às línguas bantu. Neste caso, é o agente – e não quem recebe a ação – que ocupa essa posição de importância. É o agente que está em vantagem, por fazer algo que o paciente não merece. E, então, o paciente lhe fica grato, lhe promete estar obrigado a retribuir o favor. E então ele é polido.

Outra situação que ocorre de diferente entre ambas as culturas é que o moçambicano não admite um agradecimento até que o ato seja completado. Sempre que agradeço quando peço alguma coisa que ainda vai ser feita, eles perguntam como eu posso agradecer se eles ainda não fizeram o que tinha de ser feito. Ainda aqui prevalece a transferência advinda do “maita bassa”, o serviço feito. Serviço ainda por fazer não enseja motivo de agradecimento.

Por seu turno, a cultura ocidental valoriza a intenção do coração, ainda pela herança cristã e judaica. Se o agente demonstra apenas a intenção (no latim, animus, de anima, alma) de agir em nosso favor, isso já é suficiente para a gratidão. São Tomás já dizia que os atos morais qualificam-se de acordo com a intenção e é nesse mesmo sentido a tradição hebraica desde que o profeta Samuel soube que era a intenção do coração o padrão divino na escolha do rei Davi.

Religião lá e cá

O fenômeno religioso é o assunto da minha vida. E é bem por isso que eu não escrevo muito sobre ele. Sempre se mostra a mim como algo tão fascinante, tão grandioso e tão amplo que qualquer tentativa de escrever sobre isso é alguma coisa de petulante. E a demora para este tipo de atrevimento faz com que eu dificilmente escreva (ou até mesmo conclua) alguma idéia teológica. Protelar sempre, amadurecer sempre.

Não que eu me preocupe com a relevância teológica, pureza ortodoxa ou mesmo correção hermenêutica. Faço côro com Rubem Alves dizendo: “Faço teologia como respiro, não é para ter relevância”. E dele é ainda a metáfora da teologia como uma rede, não aquela que tecemos para pescar Deus como a um grande peixe, mas a que tecemos para o nosso descanso e deleite. Só me preocupo que esta rede fique bem tecida, realmente confortável à minha própria leitura posterior. E é assim que minhas andanças – que, no fundo, são todas buscas e pesquisas teológicas – aparecem tão desprovidas de desfechos nesse sentido. Daí então é que ouço de alguns amigos os reclames quanto a carência de comentários sobre o assunto que eu, como estudante de teologia, teria a obrigação de prestar mais atenção... E foi por isso que algumas idéias nascidas durante a minha estadia nos Estados Unidos nunca saíram do campo das divagações.

Mas uma destas idéias começou a se delinear melhor agora, quando, já fora dos EUA, vou conhecendo um pouco da religiosidade moçambicana. A de lá começa a fazer mais sentido enquanto esta de cá vai se mostrando a mim. Diante disso, vou anotando aqui, seja para um posterior detimento mais cuidadoso, seja para compartilhar com os amigos que formam a minha mesa de “debates teológicos” (regada a cervejas e heresias), seja para... auto-afirmação, provavelmente.

O fato é que nos Estados Unidos alguns eventos que presenciei não combinavam com o estereótipo de país cristão puritano e conservador que lemos nos nossos livros de História (e ouvimos dos enfezados intelectuais esquerdistas brasileiros). Não se se olha para os brancos, os herdeiros desse legado. Estes são da geração, parafraseando Fernando Pessoa, em que a maioria do jovens perderam a crença em Deus pela mesma razão que os seus pais a haviam tido – sem saber porquê. E foi já na década de 20 que Mencken, o grande iconoclasta americano, ironizou esse declínio em O Livro dos Insultos, em que certo parágrafo merece transcrição integral:

“O fato de que o protestantismo está gravemente doente nos Estados Unidos deve ser óbvio para qualquer observador da patologia espiritual. Metade dele está se mudando, lenta e progressivamente, em direção aos braços do Cortesão das Sete Colinas; a outra metade desliza para o vuduísmo. A primeira metade leva com ela a maior parte do dinheiro protestante; a segunda leva a maior parte da libido protestante. O que sobrar no meio pode ser comparado a um tronco a que faltam um cérebro pensante e pernas para dançar — em outras palavras, algo que começa a ficar profissionalmente atraente para os papa-defuntos, embora ainda rebole para continuar respirando. Não há falta de vida nos escalões superiores, onde os metodistas mais solventes gradualmente se transmutam em episcopais, e os episcopais escalam os velhos bastiões da Santa Madre; não há também falta de vida nos escalões inferiores, onde os batistas matutos da zona rural descem rapidamente, pela estrada do fundamentalismo, para os dogmas e práticas da selva africana”.

Atentem bem à referência à África, já chego lá. Por enquanto, vale ressaltar a “gradual transmutação”. Hoje, nos EUA, são as igrejas católicas que estão lotadas dos brancos e toda a contrição religiosa “branca” que eu vi estava, em partes, nas igrejas históricas – que não as da “história” americana – como a luterana e anglicana. Por exemplo, uma garota que conheci na Virgínia me contava fervorosamente sobre o seu chamado missionário estando sendo amadurecido numa igreja e seminário da linhagem de Lutero. Ou seja, a pouca convicção religiosa que eu vi se dava entre prosélitos.

Digo “em partes” porque a outra parte do grupo “branco”, os dos “escalões inferiores”, para usar a expressão do Mencken, está nas religiões cristãs carismáticas (ou melhor, agora, neo-carismáticas ou neo-pentecostais). Grandes expoentes desse grupo nos EUA, de onde importam estes fast-food espirituais para o Brasil, são Kenneth Hagin, Kenneth Copeland e Benny Hinn. E aqui eu também colocaria Norman Geisler e toda a turma dos fundamentalistas americanos, aqueles mesmos que tanto esforço fazem para provar a cientificidade da Bíblia com “evidências que exigem um veredicto...”.

Quem ocupa, então, a lacuna deixada nas igrejas de orientação puritana ou conservadora? Sim, ninguém menos que o grupo antes excluído deste mesmo lugar, os negros. Em relação a isso, presenciei um fato que a mim pareceu bastante interessante, durante um curso que fiz em Michigan sobre aconselhamento para aidéticos e, quando de um quiz organizado pelas palestrantes com perguntas sobre sexualidade e costumes, ouvia dos participantes (e todos ali eram adultos, líderes comunitários e conselheiros) brancos respostas como “free will”, “it’s relative”, “it depends on” ou “yeah, you can have anal/oral/whatever sex”, enquanto que os negros falavam de “morality”, vontade de Deus e “sex? just the missionary position...”.

O “meio” de Mencken, aquele tronco anencéfalo e aleijado, pode ser visto frequentando as reuniões das seitas dos pseudo-orientalismos, feiticismos e agnosticismos. São os vegetarianos que cruelmente assassinam maçãs à dentadas, os iogues massagistas das lojas de incensos e cristais e posso até incluir os adolescentes do wicca, se você entendeu que vuduísmo no texto citado é uma figura de linguagem... Como diria um amigo, “a onda agora é ser neo-qualquer coisa”.

E se ainda estamos falando de “transmutação”, nunca é tarde para lembrar as condições de criação do movimento pentecostal nos EUA, o Azusa Street Revival. O negro William Seymour, filho de escravos, caolho (para ressaltar a exclusão social pela aparência física) e pobre foi o iniciador do movimento que, neste primeiro momento, recebeu forte adesão dos grupos excluídos nos Estados Unidos, como latinos, negros e os brancos pobres. Isso aconteceu bem no início do século XX.

Sem adentrar muito no ambito da sociologia da religião, basicamente o pentecostalismo beneficiava as classes inferiores porque, principalmente, surgiu com a pregação da chamada “segunda benção” (Marco Pereira Davi). A religião puritana era excludente no sentido de que a espiritualidade está ligada à reta doutrina (PRD, cf. Rubem Alves) e, sendo assim, os mais instruídos são considerados, neste sentido, mais espirituais. Eram quem tinham acesso aos seminários e, por conseguinte, controlavam a instituição religiosa. A centralidade litúrgica, herdada do luteranismo, é o sermão, e fala melhor quem sabe mais. Vamos dizer, para fim meramente ilustrativo, que era o encontro com o Logos.

A doutrina da segunda benção – ou kárisma ou pentecoste – surge como uma espécie de “nivelador”. O ápice da experiência com o sagrado, nesse momento, se torna o “batismo com o Espírito Santo”, que não exige nenhuma instrução, nenhuma iniciação ou qualquer tipo de privilégio social. Basta a glossolália e toda a euforia de tremeliques e sapateados. O teólogo de Westminster e o Zé das Alfaces possuem o mesmo nível de espiritualidade, desde que falem tanto em “línguas” ou pulem a mesma altura em polegadas... Aqui, a analogia é o encontro com o Vento (ruah, no hebraico).

E como explicar então essa total inversão, filha dessa “gradual transmutação” de que fala Mencken? Bem, como não tenho intenção de explicar isso, pelo menos por ora, então deixo a pergunta para quem teve saco para ler até aqui. Eu poderia ser apressado e dizer sobre os “sinais dos tempos” (Guenon) ou declínio da civilização (Toynbee). Mas a questão interessante para este texto é ver o pentecostalismo tendo como personalidade o branco Benny Hinn e, por outro lado, o conservadorismo religioso e a defesa das idéias fundantes da sociedade americana, antes pregadas por Franklin, Jefferson e Hamilton, tendo como um dos grandes nomes nos últimos tempos os negros, como o pastor Martin Luther King.

A citação de Mencken – e o livro todo, em si – atesta o declínio destes fundamentos da sociedade americana. Ali, na década de 20, talvez ainda não fosse notável a inversão que se daria [ou ele detectou, mas não lembro de ter lido isso no livro e não vou relê-lo por agora]. O fato é que, gradativamente, essa religião dos pais foi sendo “ocupada” pelos excluídos de então. E ninguém, por enquanto, me tira da cabeça de que isso encontra consonância com a mímesis (Girard) em relação ao (ex) colonizador branco, que seria o “melhor” no estrato social, dignos, deste modo, de inveja mimética. Mas é também produto da mimesis o abraço dado pelos brancos à religião sobrenaturalista dos negros, mais – aparentemente – viva e carismática.

Próxima pergunta: E o que isso tem a ver com Moçambique, meu senhor? Ora, em Moçambique eu pude ver esse fenômeno ampliado numa escala global. O país está se tornando cristão. 41,3% da população professa o catolicismo ou o protestantismo. Vale dizer que o islamismo, mesmo tendo chegado à estas paragens primeiro e apesar de ser relevante (17% de adeptos), não supera o cristianismo. Não obstante a colonização portuguesa ter se tornado efetiva e forte após a Conferência de Berlim (1884), poderíamos esperar um declínio de conversões ao cristianismo após a independência, uma vez que muito se fala aqui sobre “conservar as raízes” e inclusive o processo de emancipação ter sido bem traumático, com os brancos sendo expulsos do país (Medida 20-24, que deu 24 horas para todos os portugueses deixarem o país, podendo levar apenas 20 kg de bagagem). Expulsaram os portugueses, mas não a sua religião.

E em toda a África é o cristianismo a religião que mais cresce, principalmente as suas vertentes históricas – não tão “históricas” por aqui – como o catolicismo e o anglicanismo. Quando da última visita papal ao continente, ouviu-se que “o Século XXI é a hora da África no Cristianismo global”. Sem esquecer que o Arcebispo de York, ou seja, o segundo homem mais importante da Igreja Inglesa, é o ugandense John Sentamu.

E o fato que marca esse cristianismo é uma contrição genuína e inabalável. Todos os cristãos mostram um compromisso muito forte com a confissão de fé. E defendem as formas mais – digamos – conservadoras da fé cristã. Anglicana e romana são, aliás, muito comuns por aqui. Mas não pense que você sabe tudo destas igrejas até conhecer as suas facetas deste lado do sul do Atlântico. Os debates na Europa e no continente americano não guardam muita semelhança com os daqui, como, por exemplo, as críticas à autoridade eclesiástica, aceitação do aborto e o fim do celibato clerical, comuns nos romanos europeus e americanos, e o sacerdócio feminino e inclusão homossexual da igreja inglesa. Para o povo africano em sua maioria, a homossexualidade e o aborto são dois males sociais, como a criminalidade e a prostituição também o são. Também estão satisfeitos com a direção dos bispos, obrigado!, e acreditam que a igreja daqui tem questões muito mais essenciais para discutir, como a corrupção, guerra, analfabetismo e pobreza (e, agora sim, um progressista americano poderia se alegrar). Quanto à mulher, essas fazem muito bem a limpeza dos templos e os demais serviços diaconais e deixam, satisfeitas, a direção da igreja aos senhores.

Não desconsidero os aspectos culturais – e ancestrais – da adesão em desfavor do homossexualismo, do aborto ou em favor da autoridade clerical. Eu gostaria mesmo de ter focado na questão da contrição religiosa. É que recebo um convite de um amigo moçambicano para a sua crisma. Ele explica que certo desinteresse do pai (branco portugues) fez com que ele não cumprisse o sacramento romano, mas que agora gostaria muito de cumprir, pois sente que precisa se aproximar de Deus. Uma aluna não acredita quando digo que o Brasil é um país católico, afinal as novelas mostram uma sociedade que defende aborto, homossexuais e divórcio: muito depravadas, afinal [e aqui eu faço uma pausa para o espanto dela quando soube que aquelas pessoas que se beijam e fazem sexo nas novelas não são casadas com os colegas de ação e bem podem ter algum conjuge assistindo aquele beijo, sem se preocupar e sabendo que aquela é apenas a profissão do beijoqueiro].

Essa contrição fala de conversões “autênticas”, ou daquela chama no coração do prosélito. E até a citação dos exemplos não poderiam expressar isso propriamente, porque o fato refere-se à alma mesmo. Sente-se nas conversas como isso é importante e, repito, autêntico. Claro que falamos aqui de proselitismo, que sempre possui um grau de “convicção” maior do que a religião herdada dos pais.

Isso refuta, pelo menos inicialmente, Samuel Huntington, quando ele diz que o islamismo deveria superar o cristianismo. O número de conversões em ambas as religiões mostram que em 2050 haverá 3 cristãos para cada 2 muçulmanos. E não venha me falar no mundo mudando em 11 de setembro de 2001, porque desde a queda das torres a propaganda islâmica cresceu bastante e o número de conversões não mudou o seu ritmo.

O eclipse do sagrado na Europa é seguido por um retorno ao sagrado no hemisfério sul. O cristianismo não mais coincide com a história européia. Jenkins, historiador de religiões, nota que “no sul do mundo a Bíblia fale dos problemas reais de cada dia, como a pobreza e a dívida, a carestia e a crise urbana, a opressão racial e sexual, a brutalidade do Estado e a perseguição”. E é o próprio Jenkins que afirma a dinamicidade dessa fé, não obstante o conservadorismo e a tendência sobrenaturalista, fatos facilmente observáveis na região em que me encontro. Novamente, para conectar os últimos pontos com o início do texto, a “lacuna” deixada pela secularização européia vai sendo “ocupada” pelos excluídos de outrora.

Wednesday, November 4, 2009

E pega fogo não apenas no clima...

Dia 28 de outubro aconteceu o pleito eleitoral moçambicano. Como aqui o sistema eleitoral usa a tecnologia da esferográfica, os votos ainda estão sendo contados até os dias de hoje. E a previsão é de que a contagem só termine na próxima semana.

Acontece que, como os resultados preliminares apontam a evidente vitória da Frelimo, vencendo por uma margem de 75% dos votos já contados, a Renamo e seu candidato Afonso Dhlakama manifestaram essa semana que não reconhecem os resultados das eleições e acusaram o partido Frelimo, no poder, de promover irregularidades e fraudar as eleições.

Essa declaração desencadeou uma onda de conflitos em várias regiões do país. Muita agitação, ameaças de tomada de poder e brigas entre partidários dão o tom da insatisfação da Renamo. Acusam a STAE, orgão da administração eleitoral de Moçambique, de ser uma “célula do partido Frelimo”.

Os numeros da contagem preliminar mostram um declínio de mais da metade dos votos da Renamo em relação ao ano de 2004. Segundo esse partido, a sabotagem iniciou-se já no recenseamento eleitoral, quando cerca de 60% dos eleitores ficaram de fora dos cadernos eleitorais, principalmente nas regiões onde a Renamo goza de maior apoio. “Mais de cinco milhões de eleitores não votaram, o que é uma violação grosseira à Constituição da República. Estamos perante um crime eleitoral”, disse Ivone Soares, porta-voz da Renamo.

No sábado, o delegado provincial da Renamo em Sofala, Fernando Mbararano, ameaçou dividir o país a partir de Sofala. Será a República de Sofala, com capital na Beira e governada pelo líder da Renamo e atual candidato a presidência, Afonso Dhlakama. Na província de Nampula, a líder da Renamo ameaçou incendiar orgãos públicos e a sede da STAE. Tudo sob os auspícios da afirmação de Dhlakama de que o país iria arder caso Guebuza não renuncie.

E toda a situação ficou mais grave na segunda-feira, quando um grupo de antigos guerrilheiros ameaçou iniciar uma rebelião armada caso as eleições não fossem anuladas. Com cerca de 300 homens, o grupo deu 72 horas para os órgãos eleitorais anularem os resultados das eleições.

Um amigo que é missionário em Maputo me informa que aquela região também está em polvorosa, principalmente em Machava e Matola.

Aqui em Chimoio, felizmente, a situação está tranquila, porque a grande maioria apoia a Frelimo e contam com essa vitória. Como Chimoio foi fortemente afetada pela guerra civil e sofreu as dores das torturas e assassinatos promovidos pela Renamo naquela época, o apoio à Frelimo é uma decorrência quase que natural. Alia-se a isso o fato de que Chimoio é capital de uma província mais – digamos – rural e, por isso, o debate político não é tão intenso quanto nas capitais maiores como Maputo, Beira e Nampula.