"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Monday, January 16, 2023

O Oito de Janeiro Aponta Para Nova Etapa da Guerra Híbrida Brasileira


"O método supremo consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar." Sun Tzu

 


Existem duas posturas principais no país acerca dos militares. A primeira, por parte da esquerda, é uma histeria baseada em um “trauma retardatário” de uma ditadura militar que terminou há quarenta anos. Essas pessoas revivem imaginativamente um passado que a maioria não viveu, mas que foi formado a partir da produção cultural que reagiu e foi perseguida pelos órgãos de repressão naquela época. Essa postura produz o medo histérico. A segunda, por parte da nova direita ideológica, ampliam para a área da política e até da arte da guerra os ataques de Olavo de Carvalho, para quem os militares são “burros”, “despreparados”, “ignorantes“. É a postura que produz a subestima, o desdém. 


Ambas posturas obscurecem a compreensão da conjuntura política imposta no país nos últimos anos, fazendo até mais mal à análise do que a visão romantizada e infantil do tipo "tarados por coturnos", os intervencionistas, para quem os militares são uma estirpe superior de patriotas disciplinados a serviço do Brasil, os salvadores da pátria. 


Posicionar a ação política dos militares nos últimos dez anos é a tarefa de navegar por entre nuvens de fumaça, jogos das sombras e desinformações. Isso porque, apesar da percepção (correta, na maioria dos casos) de que deixam a desejar nos quesitos da política eleitoral e gestão pública, estes agentes militares se tornaram uma força de modelamento nacional supra-política, transformando o Brasil num laboratório das mais avançadas técnicas da chamada guerra de quinta geração, ou guerra híbrida.


Andrew Korybko define a guerra híbrida como "a combinação entre revoluções coloridas e guerras não convencionais”, ou seja, de operações políticas de desestabilização de governos e de operações psicológicas via redes sociais para o sequestro de mentes por meio de modulações cognitivas. Aqui, ela busca uma "dominação de espectro total" (W. Engdahl) por meio de uma "cismogênese" (P. Leirner), suscitada pela manipulação de "medos antropológicos" operados no seio da sociedade brasileira, dividindo-a artificialmente entre direita vs. esquerda, fascistas vs. comunistas, etc.


A versão brasileira teve seu clímax em 2018, na eleição de Bolsonaro, e, no domingo de 08 de janeiro, assistimos ao início de uma nova fase neste processo imposto no Brasil pelo grupo a quem eu chamo de "partido militar", um ninho de conspiradores no coração das nossas Forças Armadas. Esta operação mais recente teve como principal objetivo descolar a imagem de Bolsonaro da imagem dos militares. 


Nos últimos quatro anos, Jair Bolsonaro, eleito no bojo deste mesmo processo de guerra híbrida, deu total protagonismo aos militares. Eles ocuparam os cargos mais importantes e dirigiram as principais políticas públicas do governo. Saúde, relações internacionais, infra-estrutura, etc. Agora, diante da derrota eleitoral sofrida, esses mesmos agentes do caos iniciaram diversas ações táticas de guerra psicológica, sendo a principal delas a invasão deste domingo. 


Ao contrário do que tenta fazer acreditar a imprensa, imaginar que Bolsonaro seja capaz de planejar e executar uma ação destas é um erro. Ele sempre foi um comandante sem estratégia, sem capacidade de avaliar cenários, sem objetivo claro e sem meios de ação. E as ações de mobilização planejadas pelo núcleo operacional de Bolsonaro, o chamado "gabinete do ódio", não possuem o nível de elaboração e complexidade do Oito de Janeiro. O modus operandi do GDO é orientado à produção de "memes" (Maio de 2019, a Ema e a Cloroquina, a Seringa Gigante, etc), fruto da cabeça adolescente de Carluxo e seus jovens assessores.


De maneira oposta, o Oito de Janeiro foi uma invasão muito bem planejada e sem precedentes na história do Brasil. Aos acampados, naquele dia, se juntaram mais de 100 ônibus de todos os estados brasileiros. Anderson Torres havia deixado um subalterno encarregado da segurança em Brasília, enquanto viajava de "férias". O acordo prévio entre Dino e Ibanez de que os manifestantes não entrariam na Esplanada foi suplantado por um oficialzinho que acompanhava a marcha e resolveu dispensar o contingente policial que fazia a contenção na Esplanada. Imagens de policiais apoiando e até direcionando manifestantes para dentro dos prédios foram divulgadas pelos próprios manifestantes. Também não houve resistência do destacamento do Exército que guardava o Palácio. Os mascarados que se antecipam às invasões parecem saber exatamente onde entrar e o que destruir ou levar, realizando tudo de forma cirúrgica, como se fossem agentes de inteligência, ao mesmo tempo em que se espalha nos grupos de whatsapp bolsonaristas que estes seriam infiltrados esquerdistas. Os exemplos se multiplicam. Os próprios méritos da contenção e do fim da invasão foram entregues pela imprensa ao Exército. Tudo se procedeu como uma orquestra muito bem ensaiada e afinada.


Este primeiro objetivo, o de descolar a imagem das FA's da imagem de Bolsonaro, foi atingido com tal sucesso que o próprio Caetano Veloso, após os eventos, escreveu um tuíte dizendo que os militares representam "ideias de hierarquia, respeito e sobriedade", e que isso não teria nenhuma relação com estes bolsonaristas arruaceiros. Some-se este tipo de reação como a de Caetano ao discurso do general Mourão no dia 31 de dezembro e o descolamento "militares x Bolsonaro" foi operado com louvor. Gradualmente, a baixa avaliação e as derrotas do governo Bolsonaro também não mais serão atribuídas aos militares.


Esse movimento que é chamado de "a nova direita brasileira" foi reduzido a um grupo de pessoas que sofreram ataques de operações psicológicas suficientes para produzir dissonância cognitiva coletiva, por meio de avalanches diárias de desinformações contraditórias, alarmantes e criadoras de sobressaltos, levando a uma total submissão da mente. Essas pessoas, presas em grupos de WhatsApp, aceitam qualquer coisa, acreditam em qualquer coisa. E a celeuma social generalizada que ocorre no Brasil segue um dos conceitos mais importantes da guerra híbrida, a cismogênese, cujo tema é aprofundado pelo professor Piero Leirner no livro O Brasil no Espectro de Uma Guerra Híbrida.


Existiu também um segundo objetivo na invasão da Praça dos Três Poderes, o de desestabilizar o governo Lula, tensionando e o enfraquecendo. Lula venceu por meio de uma coalizão partidária muito pesada e o novo governo está começando de uma forma desencontrada, com fortes disputas internas sobre a condução desta "frente ampla". Por outro lado, os militares voltaram à zona de conforto que estavam em 2013, voltaram às sombras. E como falta ao PT uma compreensão clara da complexidade deste tipo de ataque, o governo tende a ficar emparedado.


Se utilizando do elemento neocortical desta guerra civil híbrida, a facção militar - ou o "partido militar" - controla e/ou influencia os dois espectros ideológicos artificialmente introduzidos, direita e esquerda. Vejam que, imediatamente após a invasão, toda a esquerda começou a pedir repressão. Sim, a mesma esquerda que foi reprimida na ditadura militar, agora pede, em uníssono, por repressão aos bolsonaristas. Para que, daqui a pouco, o governo Lula comece a ser acusado de ser uma ditadora comunista repressora nos grupos de zap bolsonaristas. Como se vê, o PT, submerso pelo identitarismo, revanchismo e histeria anti-golpe, ainda não tem condições de lutar contra isso. A própria batalha contra as fake news, inclusive, é um caminho errado (Allan dos Santos é só um paspalho!). 


Além de que, obviamente, a repressão alimenta e mobiliza ainda mais os manifestantes. A partir de agora, essa horda de radicalizados sequelados será conduzida sub-repticiamente pelo partido militar sem que este precise se responsabilizar por qualquer resultado nefasto das suas ações táticas. E estando integrada numa estratégia de guerra híbrida, fica óbvio que esse tipo de ação não vai parar. Terão outros objetivos, outros alvos. Este último foi apenas um aviso de que eles estão operantes. Logo começarão a atacar usinas de energia, refinarias, centros de abastecimento, etc. 


E o "partido militar", a partir das sombras, tende a intensificar esta guerra civil de natureza híbrida, mesmo que isso continue custando todas as vidas humanas perdidas, as mentes destruídas e a economia dilacerada.

Thursday, December 23, 2021

Retrospectiva 2021

Pairando acima de toda a lamúria sanitária e ânsias de metaverso dessa juventude dopada em Prozac, foram os velhos que salvaram 2021. 

Depois de uns anos sumido, Pharoah Sanders lançou Promises, uma jóia do spiritual jazz que revisita toda a transcendência dos seus mestres Alice e John Coltrane. Do outro lado do Atlântico saxão, os dinossauros do Iron Maiden lançaram Senjutsu, que já pode ser considerado um dos melhores albuns dos caras que fazem heavy metal há 50 anos e - caralho! - nunca decepcionam! O estilo sinfônico, as overtures e rifes típicos ainda deixam a molecada toda no bolso. Te desafio a tentar cravar qual a melhor música do álbum...

E no Brasil não poderia ser diferente. Jards Macalé, sem nenhum pudor, se juntou com o antigão Joao Donato e a Síntese do Lance é a volta aos bons tempos da bossa nova, é ponto de umbanda, é afro cubano, é aquele orgulho da nossa História, de ser BRASILEIRO. O resultado tem cheiro de terra, cheiro da poeira de uma roda de gafieira, e é um convite ao retorno as nossas raízes dionisíacas: menos chororô e mimimi, mais bum-bum-paticumbum!




Sunday, October 18, 2020

Não é porque eu vejo primeiro que eu vejo demais!

Em abril, eu previ que Bolsonaro não teria outra alternativa senão participar do pleito municipal paulistano logo no primeiro turno (ao contrário do que ele dizia então) e, ao fazê-lo, Russomano seria a escolha mais coerente. Mas essa servidão presidencial às circunstâncias tem raízes muito anteriores, senão vejamos.


A sinuca de bico presidencial começou a ser desenhada quando os “líderes” aloprados da direita convocaram as manifestações de abril e maio de 2019, a fim de hostilizar o Congresso e o STF. Estes líderes receberam a promessa de que a destruição destas instituições faria surgir um novo modelo de governo, um tal “controle popular das ruas” que por si só bastaria ao presidente para conduzir o Brasil a sua verdadeira vocação. (Na verdade, não houve consenso entre os líderes da direita sobre o “escathon” das ruas. Alguns defendiam, por exemplo, que o fim das instituições traria o retorno da monarquia, e que o governo Bolsonaro seria um “governo de transição”). O único consenso era que a destruição do Congresso e do STF seria seguida de uma terra vindoura onde “manaria leite e mel”.


Pois bem. O prometido “governo das ruas” nunca chegou, mas o clima de insanidade e histeria criado conseguiu produzir duas coisas: a criação de uma CPMI das Fakes News para investigar o uso de verbas públicas no financiamento de ataques a oposição (uma espécie de camisa-de-força para os revolucionários de direita), e a destruição da coalizão congressual governista que elegeu Maia e Alcolumbre, apoiados pelo presidente Bolsonaro, em um acordo que previa que as pautas econômicas do governo seriam aprovadas no primeiro biênio (Maia pautou e fez aprovar, por exemplo, a reforma da previdência que nem FHC, Lula ou o mensalão conseguiram fazer). Deputados bolsonaristas que estiveram na casa de Rodrigo Maia quando da realização deste acordo foram às ruas, hipocritamente, “denunciar Maia e o Centrão”.


Isolado, mal assessorado e sem o apoio do Centrão, Bolsonaro tentou construir novas alianças, e o fez, coincidentemente, com os mesmos partidos que aceitaram temporariamente a Dilma rompida com o PMDB: PSD, PP e PL. Jefferson, que naquele momento parecia agir de forma oportunista (o futuro mostrou que tinha virado um direiteca aloprado também), deu um urro de leão conservador e também encostou no presidente. Para Bolsonaro, no entanto, isso ainda não era uma coalizão suficiente, além de que todos os líderes destes partidos, pela proximidade com o presidente, começaram a ter os seus esqueletos tirados dos armários…


Eu também cantei esta bola. O único grupo político que ganhava espaço com toda a loucura direitista (e a completa desarticulação da esquerda) era os evangélicos (e o braço político do crime organizado, mas este agora não vem ao caso). Bolsonaro acabou por filiar os dois filhos cariocas no Republicanos e já sinalizou apoio a Crivela ali mesmo, em março/abril.


Naquele momento, o projeto político da direita bolsonarista já havia sido destruído pelo racha irresponsável com o PSL e pela farsa da criação do Lambança Pelo Brasil, a ideia “brilhante” de fundação de um “partido cientificamente conservador” (cuja definição nunca foi explicada), onde os maiores intelectuais conservadores e os melhores especialistas em direito eleitoral construíram uma aliança para, juntos, esquecer de checar o prazo procedimental de criação de um partido... 


Uma vez no colo dos evangélicos, Bolsonaro articula a montagem da chapa do Republicanos em São Paulo, trazendo um vice do PTB para compor com Russomano. O candidato, que começava a desidratar, volta a crescer timidamente nas pesquisas, mantendo-se abaixo dos 30%. Acontece que os eleitores que Bolsonaro “transfere” são de perfis muito parecidos com os eleitores de Russomano (jovens de periferia, baixa escolaridade) e essa intersecção pode ter apenas o efeito de consolidar os números de Russomano do início do ano.  


Mas, diferentemente do Rio, onde Crivela está liquidado (quase 60% de uma rejeição cristalizada desde 2019 e um marketing que tem criado dissonância cognitiva no eleitor), em São Paulo existe uma chance de vitória para Russonaro. Historicamente (de 2000 a 2016), um prefeito que busca a reeleição e tem a avaliação de Bruno Covas (28% de ótimo e bom), tem 12% de chance de vitória (para se ter uma ideia, nunca um governador com estes números tão baixos foi reeleito). Para vencer, Bruno precisa acentuar a rejeição de Russonaro no segundo turno, fazendo uma campanha negativa.


Veja que o ingresso de Bolsonaro no pleito alterou algo importante. Antes, Bruno pretendia repetir o fenômeno de Doria em 2016: a estratégia era esfriar o processo político para que o alto número das abstenções garantisse uma vitória no primeiro turno. Para isso, o COVID caiu como uma luva, já que a quarentena manteria candidatos e eleitores em casa o máximo de tempo possível, e uma campanha nas redes nunca teria a penetração e o engajamento suficientes.


Bolsonaro pode conseguir que um candidato sem consenso partidário, sem recursos e sem trabalho de base seja levado ao segundo turno. E, a julgar pelos números de Bruno, vai ser uma disputa acirrada. É como uma luta de dois japoneses para ver quem tem a piroquinha maior. Bruno tem muita grana para o pleito, mas sua avaliação é baixa e, para complicar, o PCC proibiu o PSDB de entrar nas comunidades. Russomano tem os 15% de transferência de Bolsonaro e uma baixa rejeição, mas é só. Em qualquer outra circunstância, ambos estariam em maus lençóis.


Mas a pergunta é: uma administração Russomano vai ser bolsonarista ou só servirá para “destruir os planos do Doria”? (Afinal, por incrível que pareça, Bolsonaro tem mesmo preocupação com o projeto presidencial de Doria. Nenhum assessor do presidente consegue perceber que Doria não será candidato a presidente e informar isso ao “Jair”. Imagine que o Doria puxe uma pesquisa em abril de 2022 e se veja ali com 5% de intenção de votos para presidente e 30% para governador, ele vem a presidente ou a reeleição?)


Se eu tivesse que cravar, diria que, se eleito, Russomano virará as costas para o presidente na primeira oportunidade. E não fará isso por maldade, necessariamente, mas porque entrou num acordo mal costurado com um presidente totalmente desgarrado. Sem contar que os efeitos das eleições municipais serão terríveis para o presidente e ele estará muito enfraquecido para cobrar qualquer coisa de Russomano. Mas isso é assunto para outro momento…

Friday, June 5, 2020

São Paulo, a Sinfonia da Metrópole 2

SÃO PAULO, A SINFONIA DA METRÓPOLE 2
(Para ler ouvindo a valsa Arranha-Céu, na voz de Silvio Caldas)

“Intervenção militar com Bolsonaro no poder!”, gritava um amontado de gente ao redor de um carro de som na Paulista, enquanto eu atravessava a avenida para buscar umas coxinhas no fascista Ragazzo. O grupo de tarados por coturno, como sempre, era formado por senhoras da terceira idade e cinquentões marombados com calças camufladas: “meu pai era militar e lá em casa tinha ordem”, me diriam se eu houvesse perguntado.

“Intervenção militar com Bolsonaro no poder!”, e aos poucos os discursos inflamados iam se misturando com o ruído de uma Paulista récem aberta ao vai-e-vem dos carros, mas ainda era possível ouvir referências a 1964, AI-5, militares, ordem, “acabar com esse Congresso que tá aí” e tudo o que eu já estou careca. De saber.

Foi o Zé Murilo de Carvalho quem abriu nossos olhos para o fato de que, na América Latina, existe uma convergência para o presidencialismo de caráter imperial, uma tendência ao presidencialismo absolutista. E o ex-ministro do STF, Victor Nunes Leal, sacaria logo o seu clássico “Coronelismo, Enxada e Voto” para mostrar as origens dessa moda.

Nenhum líder carismático de direita deste país teve uma base de representação popular (Jânio, Collor e Bolsonaro). E o presidencialismo de coalizão parece ser uma exigência num caso de partidarismo fragmentário. Maldita sina: ou ele é de coalizão ou é um projeto cesarista. Cesarista como define Gramsci, é claro.

A tara por coturno obscurece a compreensão de que, para Bolsonaro, não existe nenhuma hipótese equivalente a 1964. Em 1964, o golpe foi realizado por forças de oposição, não de continuidade. E em 64 o que houve foi um regime autoritário comandado por um conselho do Estado Maior das FFAA’s, com um rodízio presidencial subordinado a este conselho. Bolsonaro não teria a menor chance de participar de algo como 1964 porque não faz parte das FFAA’s. Olhos azuis brilhantes não é posto.

O que ele poderia implementar seria um cesarismo no modelo do Estado Novo de 1937, de continuidade and all that jazz. Mas mesmo a fórmula cesarista exige líderes com alguma sofisticação de articulação política, o que não é o caso.

De qualquer forma, sugiro às tias (agora da Paulista, que abandonaram o zap) um outro canto de guerra: “Novo Estado Novo, com Bolsonaro no poder!”

Thursday, January 4, 2018

A Abolição foi obra dos liberais?

Leandro Narloch, em uma entrevista ao site Boletim da Liberdade, dá a entender que a abolição foi obra dos liberais. Eu digo "dá a entender" porque, na verdade, toda a sua explanação é confusa e ambígua, uma vez que, enquanto cita nominalmente o Partido Liberal e o político liberal Luis Gama, continua o argumento se referindo ao abolicionismo como uma "reforma liberal", mas a palavra aí já parece adotar um sentido iluminista, mais genérico.
É fato que a grande maioria dos políticos brasileiros daquela época (liberais e conservadores) eram liberais neste sentido mais amplo, pois todos defendiam certos princípios gerais do Iluminismo, como a igualdade de todos perante a lei. E é sabido inclusive que haviam grupos abolicionistas em ambos os partidos.
Mas no conjunto da obra, Narloch pretende, sim, defender o caso para os "liberais" enquanto integrantes do Partido Liberal. Seriam eles, segundo Narloch, a força agente por trás do abolicionismo. O texto é ambíguo, mas a confusão entre os termos parece ser o resultado esperado dos leitores.
Narloch ignora, no entanto, que TODAS as leis abolicionistas foram propostas por gabinetes e políticos conservadores.
Antes, porém, é importante fazer uma outra correção. Narloch afirma que foi a partir de 1860 que surge um movimento popular de intelectuais (liberais, quer fazer acreditar) relevante a abolição. Ora, já em 1810 o rei D. João VI assinou com o Reino Unido o Tratado da Aliança e Amizade, em cujo artigo X buscava restringir o comércio de escravos em terras portuguesas. Além deste, outros dois foram assinados pelo mesmo rei, em 1815 e 1817. Foi aí que começou o processo abolicionista.
Primeiramente, foi um gabinete conservador, "saquarema puro-sangue", o gabinete Olinda-Monte Alegre, que, em 1850, colocou um fim definitivo no tráfico negreiro, pela ação principalmente do seu ministro da Justiça, o senador Eusébio de Queiroz. Por ter sido chefe da polícia imperial e ministro da Justiça, Eusébio tinha conhecimento de todas as rotas do tráfico, e isto permitiu que desse o golpe fatal na fonte que alimentava o escravismo brasileiro.
Depois veio a Lei do Ventre Livre, em 1871, em outro gabinete conservador. Rio Branco, que encabeçava o gabinete, foi o proponente da mesma. Aliás, Joaquim Nabuco conta que D. Pedro II se alegrou com a crise de 1868 porque ela trouxe de volta os saquaremas ao poder e, assim, o imperador voltou a ter os eficientes homens de sua confiança para as tarefas que precisava realizar, inclusive a Abolição.
Em seguida, em 1885, foi o conservador Barão de Cotegipe quem fez passar a lei dos Sexagenários. Aqui, contou com a participação de um político liberal (finalmente!), Conselheiro Saraiva.
Por fim, em 1888, foi o conservador João Alfredo Correia de Oliveira, então presidente do Conselho de Ministros, quem conseguiu a aprovação da Lei Áurea, em 13 de maio.
Mas mais importante ainda, podemos afirmar que foi o artífice da unidade nacional, o visconde do Uruguai, quem mais contribuiu para o abolicionismo quando garantiu, com a lei de interpretação ao Ato Adicional, a centralização político-administrativa do Brasil (tornando eficaz a repressão ao tráfico pela polícia imperial) e a afirmação da soberania do Poder Moderador, que garantiu a força do gesto imperial de D. Isabel.

As Grandes Fundações e a Engenharia Social

É comum a crença de que as mudanças culturais das ultimas décadas são resultado de um processo orgânico e gradual de evolução da sociedade. Nada poderia estar mais longe da verdade. Aristóteles, em sua Física, mostra que todas as coisas possuem quatro tipos de causas, a material, a formal, a eficiente e a final, sendo que as causas às quais mais precisamos nos atentar são a causa final e a causa eficiente. Todas as coisas se movem na direção da sua finalidade e, para existir movimento, ou seja, a passagem da potência ao ato, é necessária a existência de um agente externo que lhe seja causa. Este agente é a causa eficiente. Isto não poderia ser de outro modo, pois se a matéria pudesse se mover da potência ao ato sem uma causa externa eficiente, já o teria feito enquanto potência, e seria potência e ato ao mesmo tempo, o que é impossível.
Foi o materialismo que, na medida em que restringiu as causas dos fenômenos às suas relações meramente materiais, cegou o homem moderno para a percepção destas relações de causas finais e eficientes das coisas. Não é de se estranhar, portanto, o desdém ou a ignorância quanto a estas duas causas no que concerne, como é o caso presente, por exemplo, às mudanças culturais
Este é um erro essencial daqueles que acreditam que as mudanças nos costumes que atualmente assistimos na sociedade brasileira são resultado de uma evolução, no sentido moderno. Nada no seio social ocorre como em uma ordem espontânea ou uma evolução determinística, pois tudo carece de uma causa eficiente. Este texto pretende traçar uma breve cronologia dos principais agentes e eventos históricos que concorreram como causa eficiente para o atual estado de coisas no que tange aos costumes, orientadas principalmente ao controle social e ao crescimento populacional zero.


Origem da Fundação Rockefeller

A origem das grandes fundações remonta a meados do século XIX, quando as condições sociais, políticas e econômicas dos Estados Unidos propiciaram o surgimento de fortunas nunca antes conhecidas pela humanidade. Dentre os donos destas fortunas, se destacaram as figuras de John Rockefeller, no setor petrolífero, e Andrew Carnegie nas indústrias de aço. Sendo ambos oriundos de famílias muito pobres e profundamente religiosos, consideravam como bênçãos divinas as fortunas que adquiriram. Tanto que, em 1898, Carnegie escreveu O Evangelho da Riqueza, onde afirmava o seu compromisso de usar a sua riqueza para promover o bem estar da humanidade, ao mesmo tempo em que exortava os demais magnatas a fazerem o mesmo. Rockefeller, profundamente tocado pelo livro, convida então seu pastor, Frederick Gates, a criar a Fundação Rockefeller. Gates já havia criado a Universidade de Chicago, também financiado pelo milionário.
Sob a gestão do pastor Gates, a fundação se dedicou principalmente a erradicação de doenças e a causas educacionais. Para tanto, começa a financiar pesquisadores de saúde e educação, dando a seguir o aporte financeiro para a aplicação concreta das recomendações advindas das pesquisas.
Ocorre, no entanto, que a Primeira Guerra Mundial veio como uma surpresa e trouxe uma grave preocupação: “de que adianta promover o bem da humanidade se o advento de uma guerra como esta coloca todo o nosso trabalho a perder?”. É então que a fundação decide mudar a estratégia e passa a investir em estudos nas áreas de ciências sociais e psicologia. Era preciso, concluíram seus diretores, gerar uma transformação da estrutura social e da mente humana, a fim de promover a paz mundial. Começavam assim os estudos de engenharia social.


Cecil Rhodes e o Fim das Guerras

Na mesma época, em outra parte do mundo, um outro grupo havia chegado às mesmas conclusões. Tudo começou quando Cecil Rhodes (1853-1902), um milionário das minas de diamantes na África do Sul, vai estudar em Oxford e fica extremamente impressionado com a aula inaugural do professor John Ruskin. Ruskin era um socialista que defendia a restauração dos valores humanos nas artes e no trabalho por meio do estabelecimento de um império anglo-saxão. Neste famoso discurso, Ruskin convocava os filhos da Inglaterra a abraçarem o destino desta “ilha poderosa, fonte de luz e centro de paz para todo o mundo”[1].
Rhodes retorna a África e cria uma bolsa acadêmica para financiar pesquisadores e acadêmicos ingleses ou originários das colônias anglo-saxãs, a fim de que se tornassem os líderes condutores da expansão que traria todo o mundo para sob a égide do império inglês, inclusive buscando o retorno dos Estados Unidos a este império. Em seu Tragedy and Hope, Carroll Quigley afirma que Rhodes foi o criador do Round Table Movement, uma fraternidade de pessoas e organizações que buscava implementar o plano de unir todas as nações de língua inglesa. Após desempenhar um importante papel no fim da Guerra dos Boeres e na guerra tribal de Matabele, ele então dá início aos seus planos de unificar a África, do Cairo à Cidade do Cabo, por meio de uma ferrovia.
A solução do problema da guerra foi o forte mote para Rhodes e seus associados. É famosa a palestra The Prevention of War, de Phillip Kerr, secretário da Rhodes Trust, ministrada no Institute of Politics de Williamstown, Massachussets. Falando para americanos, Kerr usa o exemplo do Velho Oeste para falar de uma organização global dividida em estados soberanos. Segundo ele, no Velho Oeste americano, uma querela entre dois indivíduos teria apenas dois finais possíveis: ou ambos tratariam de fazer as pazes entre si ou acabaria na morte de um deles. Assim é em uma organização global baseada na soberania das nações: uma desavença acabará sempre em guerra, caso a diplomacia falhe. “A causa das guerras é a divisão da humanidade em estados separados”[2], afirma Kerr. A prevenção das guerras depende, então, do fim das soberanias nacionais e da criação de um governo global.


O Surgimento da Ideia do Controle Populacional

Raymond Fosdick, que representara os Estados Unidos na Liga das Nações, assume a presidência da Fundação Rockefeller em 1921. Para Fosdick, o caminho para a paz mundial passava por uma reconsideração da ideia de soberania das nações, na construção de uma estrutura mais econômica do que política de organização global. Em 1915, Warren Thompson havia lançado o seu livro Population, que se tornou muito influente e criou as bases para a teoria neo-malthusiana e a necessidade de um controle populacional.
Começam a surgir inúmeras denúncias contra as fundações Rockefeller e Carnegie, acusando-as de estarem controlando todas as decisões educacionais nos Estados Unidos e minando a liberdade dos professores e pesquisadores. Eram os resultados das influências nefastas das políticas educacionais de John Dewey que começavam a ser sentidas. Dewey tinha sido presidente da League for Industrial Democracy, antiga Intercollegiate Socialist Society, um movimento estudantil ligado ao Partido Socialista da América. Todo o mal que Dewey, reconhecido como o pai da pedagogia moderna, promoveu na educação mundial deve ser objeto de um estudo específico, e por isso sugerimos ao leitor a obra Maquiavel Pedagogo, de Pascal Bernardin.
Após o pedido de demissão do pastor Gates, o Comitê Executivo da Fundação Rockefeller prepara um memorando onde afirma que “a Fundação não deverá apoiar trabalhos nem organizações cujos objetivos sejam a alteração da legislação... a Fundação não deverá buscar obter reformas políticas, econômicas ou sociais... a Fundação não deverá tentar influenciar os resultados ou as conclusões das pesquisas que forem por ela patrocinadas...”. Mas a orientação não dura. Em 1933, o relatório anual da Fundação Rockefeller afirma a esperança da instituição de desenvolver “a genética sobre bases sólidas para possibilitar no futuro a criação de um tipo superior da espécie humana”. Rockefeller II passa a investir cerca de 2% de todo o patrimônio em pesquisa científica no que a própria fundação passou a chamar de Biologia Molecular. Em 1934, John Rockefeller III declara a seu pai que deseja dedicar sua vida principalmente ao controle do crescimento mundial da população. Em 1946, apresenta um projeto, que é rejeitado pelos diretores, para reestruturar a fundação, focando a partir de então na “construção de um mundo em que a paz possa crescer” e em estudos do “comportamento humano dirigido para o entendimento dos fatores que modificam ou controlam o comportamento humano”. No entanto, ele conseguiu realizar esta reestruturação em 1963.
Dois anos após a morte de Henry Ford, Rowan Gaither assume a presidência da fundação Ford, criada por Henry e seu filho Edsel Ford, que até então se dedicava a obras filantrópicas de interesse local. Gaither Rowan se inspira na reforma de John Rockefeller III, afirmando que a Fundação Ford não mais se orientaria para a pesquisa médica ou de saúde pública e que o primeiro de seus principais objetivos será o de estabelecer a paz no mundo. Para tanto, trabalharia para que as nações reconsiderem o conceito de soberania nacional e pelo empoderamento das Nações Unidas. Os meios de ação principais serão, afirma Gaither, uma ampla intervenção na educação e no desenvolvimento dos métodos de controle do comportamento humano. Bernard Berelson, que viria a se tornar o terceiro presidente do Conselho Populacional, se torna diretor da Divisão de Ciências Comportamentais da Fundação Ford.
Em 1952, John Rockefeller III, juntamente com mais 26 especialistas em demografia, entre os quais Warren Thompson, Kingsley Davis e Frank Notestein, funda o Conselho Populacional, a fim de controlar o crescimento mundial da população. A Fundação Ford se torna o principal parceiro do projeto, colocando o controle demográfico entre suas prioridades. Sob a presidência do líder eugenista Frederick Orborn, o Conselho investe na produção de DIU e em centros mundiais de estudos demográficos. No ano de 1954, a Fundação Ford cria o Centro de Estudos Avançados de Ciências Comportamentais na Universidade de Stanford.
Em seu livro World Population Crisis[3], Phyllis T. Piotrow descreve assim a criação do Conselho Populacional:
Em junho de 1952, por sugestão de Rockefeller (John D. Rockefeller III) e sob o patrocínio da Academia Nacional de Ciências, um grupo de especialistas em saúde pública, planejamento familiar, agricultura, nutrição, demografia e ciências sociais se reuniram em Williamsburg, Virgínia.  A conferência recomendou a criação de um conselho internacional que se dedicasse exclusivamente aos estudos populacionais em todos os seus aspectos. Em novembro de 1952, o Conselho Populacional foi organizado, tendo Rockefeller como presidente do conselho de diretores e Frederick Osborn como vice. Seus propósitos declarados eram: Estudar os problemas decorrentes do crescimento populacional no mundo; encorajar e apoiar pesquisas e disseminar como apropriado o conhecimento resultante de tais pesquisas; servir como um centro de coleta e expansão dos fatos e dados em questões populacionais; cooperar com indivíduos e instituições no desenvolvimento de programas; e assumir a iniciativa no vasto campo em cujo agregado constitui o problema populacional.
Apesar de algumas insistências terem se mantido até 1965 de que “os campos científicos e técnicos são aquelas onde a nossa organização pode ser mais efetiva”, o Conselho Populacional foi rapidamente levado a assumir um papel mais ativo, uma vez que seus profissionais estavam entre os melhores qualificados para aconselharem os países em desenvolvimento sobre as melhores ações a serem tomadas. (...) A criação do Conselho teve um impacto também na área filantrópica. Sendo uma organização que evitava e não provocava controvérsia, era mais suscetível ao recebimento de fundos que as organizações militantes do controle de natalidade. As duas primeiras doações da Fundação Ford que superaram a marca de $500.000 foram direcionadas ao Conselho Populacional, que recebeu aproximadamente 80% de todas as doações da Ford relacionadas as questões populacionais.

No mesmo ano de 1952, Margaret Sanger funda a IPPF (International Planned Parenthood Federation), na Índia.
Em 1958, Ansley Coale e Edgar Hoover publicam o livro Crescimento Populacional nos Países de Baixa Renda, patrocinado por Rockefeller e pelo Banco Mundial. O livro muda o foco da questão eugenista e a transfere para a questão populacional. Por adotar um enfoque econômico, a obra se torna um clássico e oferece toda a fundamentação ideológica do movimento demográfico, já que o discurso eugenista pôde ser deixado de lado. Por outro lado, no entanto, este enfoque dificultou a introdução da perspectiva sociológica na questão, que só retornou nos anos 90. Tal perspectiva sociológica tem uma aplicação em escala mundial relativamente simples e imediata a qual, porém, uma vez aplicada, transcende facilmente estas mesmas questões demográficas. Esta aplicação é na verdade um piloto experimental para testar técnicas mais amplas de controle do comportamento humano.
Nos anos seguintes, o Conselho Populacional, sob a presidência de Frank Notestein, instala projetos de controle populacional em dezenas de países da Ásia e da África, evitando cuidadosamente a América Latina e os Estados Unidos. Inaugura também fábricas de DIUs na Coréia, Hong Kong, Taiwan, Índia, Paquistão, Egito e Turquia. John Rockefeller III é responsável pelo lobby com ministros e presidentes destes países.
Na Segunda Conferencia Bienal da FAO (Food and Agricultural Organization) da ONU, em Roma,no ano de  1961, John Rockefeller III discursa sobre os efeitos da explosão populacional. Numa palestra com o título de “População, Alimentos e Bem Estar da Humanidade”, ele afirma que “o crescimento populacional é o segundo problema da humanidade depois do controle das armas atômicas”. O diretor da FAO, R. B. Sem começa então a propagar a ideia de que o crescimento demográfico tenha um impacto negativo na economia dos países pobres. John Rockefeller III começa um lobby pessoal junto ao Papa Paulo VI sobre as questões populacionais e R. B. Sen faz um discurso sobre o tema no Congresso Eucarístico de Bombaim, que conta com a presença pessoal de Paulo VI. Apesar de afirmar na Encíclica Populorum Progressio, em 1967, que “crescimento demográfico acelerado traz novas dificuldades ao desenvolvimento”, no ano seguinte o Papa declara, na Encíclica Humanae Vitae, a imoralidade dos métodos artificiais de controle de natalidade, afastando de uma vez por todas a influência de John Rockefeller III.
A partir do ano de 1965, o Senado americano inicia uma série de audiências públicas para tratar do “problema demográfico”, após ceder ao lobby de Rockefeller e da USAID, a agência americana responsável pela administração da ajuda internacional. Estas audiências culminam na inclusão do Título X no Foreign Assistance Act, que passa a permitir o uso de dinheiro público americano em programas de controle populacional ao redor do mundo. De 1968 a meados dos anos 70, a USAID gastou 1,7 bilhões de dólares para treinar médicos e promover em cerca de 80 países do mundo o aborto clandestino, a esterilização forçada, a anticoncepção e o desenvolvimento e a difusão clandestina do misoprostol. Reimer Ravenholt, diretor do escritório populacional da USAID, declara que seu programa conseguiu impedir, em uma década, o nascimento de um bilhão de seres humanos[4].  No mesmo texto, ele ainda ironiza quem se ilude de que o aborto está sendo promovido por causa da saúde das mulheres, já que o aborto diminuiria para dois anos os mesmos resultados de redução da taxa populacional que levaria cinco anos com a mera utilização da pílula e da esterilização, em qualquer país do terceiro mundo.
Rockefeller III passa então a visitar diversos chefes de Estado, a fim de os conscientizar sobre o problema populacional e solicitar a assinatura de um documento que, em dezembro de 1967, seria lido na Assembléia Geral das Nações Unidas pelo Secretário Geral da ONU e invocado na criação do Fundo das Nações Unidas para Atividades Populacionais (UNFPA), em 1969. Era a Declaração dos Líderes Mundiais sobre População, que, dentre outras coisas, afirma que “a paz permanente depende de modo como o desafio do crescimento populacional for enfrentado”. Dentre os países signatários estão os Estados Unidos, o Reino Unido, a Suécia, a Holanda, o Japão, a Índia, o Paquistão, a Indonésia, e a Austrália. A família Rockefeller inicia um forte lobby junto ao governo americano, no sentido de transformar o problema do controle demográfico mundial em uma questão de segurança interna dos Estados Unidos. É como fruto deste lobby que surge o Relatório Kissinger, aprovado quando Nelson Rockefeller era vice-presidente dos Estados Unidos.
Em 1973, a Suprema Corte americana decide, no famoso processo Roe x Wade, que qualquer lei que proíba o aborto durante todos os nove meses de gestação é inconstitucional em todo o território norte americano. Não deveria haver mais a necessidade de apresentar motivos para o aborto nos primeiros seis meses, sendo que a partir de então, qualquer motivo também seria aceito. No mesmo ano, o Congresso americano, alarmado com o trabalho de promoção do aborto realizado pela USAID, aprova a Emenda Helms, que impede a utilização de recursos de assistência externa dos Estados Unidos para o financiamento da realização de abortos como método de planejamento familiar. Diante disto, os diretores da USAID decidem criar o IPAS, uma organização privada internacional, com sede na Carolina do Norte, que se torna uma das principais promotoras do aborto clandestino no mundo.


Kingsley Davis e Adrianne Germain

Kingsley Davis é um dos intelectuais mais importantes para se compreender os caminhos tomados pelas fundações a partir da década de 70. Após terminar seu mestrado em Filosofia na Universidade do Texas, em 1932 Davis ingressa no programa de pós-graduação de Sociologia da Universidade de Harvard, criado naquele mesmo ano pelo sociólogo Pitirim Sorokin, cujo trabalho aborda principalmente as teorias da diferenciação social, da estratificação social e do conflito social. Para Sorokin, a relação social precípua é a familiar, que tem maior solidariedade, os valores de todos os envolvidos são considerados e onde existe um alto nível de interação. Além do alto nível dos acadêmicos que Sorokin conseguiu agregar no novo departamento, ficaram conhecidos os debates que este teve com outro professor de sociologia em Harvard, Talcott Parsons, criador da teoria do funcionalismo estrutural e profundamente influenciado pelas ideias de Thomas Malthus. Este debate influenciou profundamente o jovem Davis.
Davis foi um dos pioneiros na teoria da transição demográfica, que afirma que o processo de industrialização inicialmente causa um declínio no índice de mortalidade, que leva a um considerável crescimento da população e só tardiamente ocasiona um declínio na taxa de fertilidade, que eventualmente causa o fim do crescimento populacional. Vinte anos depois, ele revisa e melhora esta teoria, analisando as mudanças nas motivações que eventualmente produzem o declínio na fertilidade. Foi ele quem cunhou o termo “crescimento populacional zero” e popularizou a noção de “transição demográfica” e a metáfora da explosão populacional.
Antes, porém, de dedicar seus estudos a demografia social, Kingsley Davis se destacou por vários artigos publicados sobre a estrutura familiar e parentesco, influenciado por outro professor de Harvard, o antropólogo W. Lloyd Warner. Em seu segundo artigo mais importante, publicado em 1937, chamado “Reproductive Institutions and the Pressure for Population”[5], Davis  faz a ousada e pessimista afirmação de que as instituições familiares tradicionais são incompatíveis com a natureza da sociedade moderna. Já neste artigo, Davis afirma que as medidas contraceptivas eram usadas apenas quando as mulheres queriam evitar um aumento da prole, mas que o desejo de limitar o número de filhos não está presente na maioria das sociedades. Este argumento seria posteriormente melhor desenvolvido e passaria a ser o novo fundamento do trabalho do controle populacional. Em um jantar do Conselho Populacional, em maio de 1963, Davis travou uma acalorada discussão com o então presidente do Conselho, Notestein, após este afirmar os benefícios e vantagens do DIU como forma de promover o declínio populacional. As ideias de Davis, no entanto, só seriam aceitas vários anos depois.
Esta discussão, no entanto, estimulou Davis a publicar na revista Science, em 1967, um artigo chamado “Population Policy: Will Current Programs Succeed”, em que afirma que os meios médicos ou políticos não seriam suficientes para promover o controle populacional, pois este requer um trabalho de mudança da própria estrutura da sociedade para que as mulheres não queiram mais ter filhos, o que somente pode ser obtido por especialistas em estudos sociais. Muitos sociólogos argumentavam em favor do DIU, como David Bogue, que publicou um importante artigo na primavera de 1967, onde afirmava que “o desenvolvimento tecnológico no campo da contracepção promove a adoção do planejamento familiar, por parte da população sem instrução, num ritmo acelerado”. Davis discorda, afirmando que o planejamento familiar apenas seria adotado por pessoas que já estavam motivadas quanto a baixa fertilidade; programas de planejamento não reduziriam a fertilidade a não ser que a motivação estivesse presente. Além disso, conforme a sua teoria da transição demográfica, a motivação para a redução da fertilidade só ocorreria após um considerável declínio da taxa de mortalidade e modernização social.
Ainda no mesmo artigo, Davis afirma que “o estudo da organização social é uma especialização técnica”. Para alterar a motivação de ter filhos é necessário “alterar a estrutura da família, o papel das mulheres no mundo do trabalho e as próprias normas sexuais, e não proteger a família e a observância das normas familiares”. Isto não seria trabalho para médicos nem para políticos, ao contrário, trata-se de uma especialização técnica das ciências sociais. Aqui, Davis faz referência ao início dos seus estudos sobre os grupos sociais, colocando o foco do trabalho de mudança social na inversão da importância dos grupos primários e secundários. Uma criança aprende normas, crenças, valores e linguagens nos grupos primários, chamados assim por serem "primeiros" no tempo, na intimidade e na influência. É preciso que sejam grupos de confiança imediata e da qual a criança dependa para a sua sobrevivência. O mais importante deles é a família. Os grupos primários tendem a ser menores em tamanho, mas longos em duração. Funcionam com base numa interação face-a-face e dependem do auto-sacrifício e da lealdade dos membros, que valem pelo que são, não pelo que possuem ou podem oferecer. Grupos secundários são o contrário: são maiores, não dependem do contato direto e não geram lealdade, como numa relação de funcionário para com a empresa onde trabalha, por exemplo. Davis propõe que os grupos primários sejam reduzidos da sua importância.
Em fevereiro de 1968, o Comitê Populacional da Academia Natural de Ciências publicou na mesma revista Science uma resposta contra o artigo de Kingsley Davis, apontando erros em partes da sua análise e, enquanto concordava com outros pontos, afirmava a improbabilidade da execução de suas alternativas no futuro imediato. A seguir, Frank Notestein respondeu também negativamente, agora em nome do Conselho Populacional, afirmando que a melhor solução ainda era prover os serviços adequados àquelas mulheres que já, naquela data, possuíam a motivação para o controle da fertilidade. Afirmava ainda que até o final do século o crescimento populacional não seria mais um problema ao desenvolvimento econômico. A USAID também responde energicamente ao trabalho de Davis, afirmando que ter filhos é algo tão difícil em si mesmo que seria suficiente disponibilizar amplamente pílulas e outros métodos anticoncepcionais para que as mulheres queiram usá-los. Não há motivo para ter que utilizar as teorias da cultura e do comportamento humano para modificar a estrutura da sociedade e os valores para somente então poder controlar a população. Isto exigiria uma quantidade de recursos muito grande que somente serviria para diminuir o muito que efetivamente deve ser usado em atividades diretas de controle da população.
Seja pela aversão causada em seus pares por seu temperamento explosivo ou porque os burocratas e pesquisadores das agências de controle populacional não tinham interesse em direcionar fundos para atividades diversas daquelas com as quais lucravam à época, o fato é que Kingsley Davis não recebeu a atenção devida. Coube, portanto, a uma aluna sua, Adrianne Germain, que segundo ele mesmo teria sido a sua aluna mais inteligente, convencer John Rockefeller III, em uma única reunião, sobre a validade das teorias do seu professor.
Adrianne Germain  se graduou em Sociologia pela Wellesley College, na turma de 1969, a mesma de Hillary Clinton. Ingressa então no mestrado em Sociologia e Demografia em Berkeley, quando então se torna aluna de Kingsley Davis. Se muda então para New York, onde é contratada pelo Conselho Populacional. Conhece, então, Joan Dunlop, que havia sido contratada por Rockefeller III para promover mudanças na estrutura do trabalho da fundação. Dunlop fica impressionada com as ideias de Germain, principalmente quanto a atestação de que a fundação precisava investir na diversidade do seu quadro funcional, e, após citar Germain no relatório que envia a John Rockefeller, a convida a redigir o discurso que ele proferiu na Conferência Mundial da População, em Bucareste, em 1974. O discurso de Rockefeller causou furor entre os especialistas do controle populacional, mas o sinal para a mudança já havia sido dado. A partir de então, John Rockefeller III encontra-se cada vez menos com chefes de Estado e outras autoridades mundiais e passa a promover e a encontrar-se cada vez mais com líderes homossexuais e grupos feministas.
Germain assume a direção da Fundação Ford em Bangladesh, oportunidade que utiliza como um laboratório para o trabalho que foi aperfeiçoando no decorrer da sua carreira. Quando Merle Goldberg, Joan Dunlop e Adrianne Germain reestruturam a IWHC (International Women’s Health Coalition), esta ONG inicia os trabalhos em Bangladesh, financiados pela Ford Foundation, sob o comando de Germain. Constroem clínicas de aborto utilizando aparelhos de regulação menstrual, além de treinarem agentes públicos de saúde para habilitá-los a realizarem abortos. Diante do sucesso deste trabalho, a IWHC divide as ações entre diversos países, inclusive o Brasil.


Onde os megacapitalistas e os marxistas se encontram

O discurso de John Rockefeller III na Conferência Mundial da População, no ano de 1974, em Bucareste, marca a grande mudança no entendimento do magnata sobre qual deveria ser a orientação do trabalho das grandes fundações. É então que acontece o grande encontro entre os grandes capitalistas e os movimentos de esquerda, quando as fortunas que buscavam operar a engenharia social do declínio populacional passam a financiar os movimentos de libertação das minorias.
Uma importante representante desta união macabra é a feminista Kate Millett (1943-2017), uma das mais importantes figuras da segunda onda do feminismo. Grande parte daquilo que o movimento feminista conquistou em termos de legalização do aborto, igualdade profissional entre os sexos e liberação sexual se deu devido ao trabalho de Millett.
Em seu livro Sexual Politics (1970), Millett afirma que, para que a revolução sexual prosseguisse adiante teria sido necessária uma transformação social verdadeiramente radical, a alteração do matrimônio e da família como foram conhecidos através de toda a história. Sem semelhantes mudanças radicais torna-se impossível erradicar os males que derivam destas instituições e que os reformadores julgavam particularmente ofensivos. Uma revolução sexual completa necessitaria o fim da ordem patriarcal através da abolição de sua ideologia que estabelece uma socialização diferenciada dos sexos. A ideologia patriarcal era de fato erodida e o patriarcado reformado, mas a ordem patriarcal social essencial permanecia. Como a maioria das pessoas não consegue conceber uma outra forma de organização social, a única alternativa para a sua perpetuação parecia ser o caos. O problema não é tanto que a ordem social requer a subordinação da mulher, mas que ela requer uma estrutura familiar que envolve a subordinação da mulher. Ademais, o patriarcado é necessário para o sistema familiar.
As semelhanças com as teorias de Kingsley Davis são claras. Em 1990, a Fundação Ford emite um relatório chamado “Saúde Reprodutiva, uma Estratégia para os anos 90”, assumindo de uma vez por todas a perspectiva dos movimentos de esquerda. A fundação estima que, para alcançar o crescimento populacional zero seria necessária uma redução da natalidade para a qual a oferta de serviços médicos poderia contribuir quando muito com cerca de 40%, enquanto que os 60% restantes somente poderiam ser alcançados mediante alterações sociais. Esta motivação de não mais ter filhos não é um problema médico, mas de ciências sociais. O enfrentamento do problema populacional, afirma o relatório, “envolve temas tão delicados como a educação sexual precoce, o status da mulher na sociedade, os julgamentos de valor morais e os valores éticos pelos quais as decisões reprodutivas são tomadas pelos indivíduos e pela sociedade”. Para fazer frente ao problema, a Fundação Ford pretende “combinar sua vasta experiência no campo populacional e a experiência de sua equipe em ciências sociais”. A Fundação irá promover a discussão e a educação sobre a sexualidade humana, em uma abordagem em que “não poderá omitir-se o reconhecimento da necessidade de se promover o aborto”.
O relatório propunha reconceitualizar a saúde e a doença não apenas como estados biológicos, mas como processos relacionados aos modos como vivem as pessoas, introduzir os conceitos de saúde e direitos sexuais e reprodutivos, empoderar as organizações de mulheres para promover a saúde reprodutiva, financiar a promoção de debates e a disseminação de informação para definir áreas de consenso com as políticas de saúde reprodutiva, e promover o reconhecimento do aborto como um direito reprodutivo.
Este foi o primeiro projeto de controle do comportamento humano planejado a nível global, financiado pelas grandes fundações e consubstanciado por intelectuais marxistas, com o aval das agências internacionais.

A partir dos anos 90, a Fundação MacArthur se une aos esforços de implementação do programa da Fundação Ford, escolhendo principalmente o Brasil e o México como alvos preferenciais. No Brasil, Carmen Barroso é escolhida como diretora de seu Programa Internacional de População e Saúde Reprodutiva.
Em 1992, é criado o Centro de Direitos Reprodutivos que atua, por meio da ONU, formando advogados e ativistas na promoção do aborto.
Em 1993, David Rockefeller e parte da elite política e econômica dos Estados Unidos passam a apoiar os movimentos de esquerda, em troca da deposição da luta armada pelo poder e do apoio ao movimento homossexual, à legalização do aborto e à educação sexual liberal.
No mesmo ano, a AVSC International, o IPAS, a International Planned Parenthood Federation (IPPF), a Universidade John Hopkins e a Fundação Pathfinder criam o Post Abortion Care Consortium, a fim de promover os cuidados pós aborto como estratégia de saúde reprodutiva. Os tratamentos pós aborto incluem diversas técnicas de esvaziamento de útero.
Em 1994, as feministas dominam a Conferência Populacional do Cairo, tornando o relatório da Fundação Ford como orientação geral da conferência.
Em 1995, a Conferência da Mulher, promovida pelas Nações Unidas em Pequim, introduz, além dos conceitos já aceitos na Conferencia do Cairo, a ideologia de gênero.
No ano de 1996, em uma conferência secreta realizada en Glen Cove (NY), vários Comitês da ONU estabelecem um pacto com as principais organizações que promovem o aborto para interpretar os direitos humanos reconhecidos pelas nações como contendo implicitamente o direito ao aborto e passam a acusar sistematicamente as nações, principalmente na América Latina, de violarem os direitos humanos reconhecidos internacionalmente por não terem aprovado o aborto.
A partir de 1998, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas e outros órgãos de monitoração de tratados internacionais da ONU passam a pressionar sistematicamente todos os países do mundo que ainda não aprovaram o aborto para que legalizem a prática.





[1] RUSKIN, John. Lectures on Art, delivered before the University of Oxford in Hilary term, 1870.
[2] MARQUIS OF LOTHIAN, Philip Henry Kerr; CURTIS, Lionel. The Prevention of War. Yale University Press 1923.
[3] PIOTROW, Phyllis Tilson. World Population Crisis: The United States Response (New York: Praeger Publishers, 1973), pg. 13-14.
[4] WORLD FERTILITY TRENDS, 1974. R.T. Ravenholt and John Chao. FAMILY PLANNING PROGRAMS. Population Report, Series J, Number 2, August 1974 Department of Medical and Public Affairs.
[5] Sociological Review, Vol. 29, No. 3. July 1937.

Saturday, October 21, 2017

Poema - Reformata

REFORMATA

Na noite mais escura ele vem
O germânico bruxo do além
Aos mestres do passado vil desdém
Se insurge, destruindo a unidade.

Tão tarde se inclinou a meditar
Tão pronto ao magistério ignorar
Tão débil teologia a propagar
Vivência pueril da santidade.

Apóstolo do império temporal
Verdugo do presente celestial
Proeza de um ébrio habitual
Ocaso da sã catolicidade.

De firme ódio aos filhos de Sem
De solas que sentido nenhum têm
De lâmina ocamista advém
Enterra enfim a apostolicidade.

(Rodrigo Morais)

Poema - O Leão Imolado

O LEÃO IMOLADO
A Antônio Joaquim Rodrigues Torres, herói na Guerra do Paraguai

"Inimigos à porta, um já matei!"
Brada o jovem e bravo guerreiro
A postos se põem, seus nobres iguais
Indócil rol de heróis brasileiros
Enérgico freio ao dano guarani
Dá-se então com revide certeiro
Encontra entrépido troco fatal
Justa carga de exímio artilheiro

"O inimigo suporta, fogo lhe dei!"
Resiste a flâmula do meu Brasil
Que o vil Solano não quis respeitar
E a pátria conclama escudo viril
E eu nos meus tenros e só desesseis
Atendo ao chamado co'afã varonil
Resisto as batidas de Itapiru
Rejeito a mera existência servil.

"O inimigo me corta, sangue suei"
Não sinto d'adaga profunda cisão
Não sirvo ao medo, tenho u'a missão
Sirvo a Caxias, nobre capitão
Meu grito de fúria conduz meus irmãos
A banda inimiga me avista um leão
Que enquanto avança qual forte trovão
Vai gritando vivas a brasileira nação!

"Ao inimigo a derrota, com Deus me encontrei!
A ilha é nossa, rival derrotado
Os montes de corpos tombados no chão
Sempre cantarão tal grandioso legado
Lembrarão das chagas do seu coração
Heróis que o tiveram por bravo aliado
Honrada a nação, sagrada a vitória
Cujo fiador é o cordeiro imolado.

(Rodrigo Morais)

Thursday, October 12, 2017

Aristóteles e os Libertários

Os libertários consideram que a escassez dos bens é a causa dos direitos de propriedade, de modo que a função social e moral dos direitos de propriedade é a prevenção de conflitos acerca destes bens. Se baseiam em Hoppe, para quem “apenas porque existe escassez existe um problema de formular leis morais; se os bens são superabundantes (bens ‘livres’), nenhum conflito quanto ao uso dos bens é possível e nenhuma coordenação de ação é necessária”.
O que diria Aristóteles sobre isso?
Em primeiro lugar, para o estagirista é incorreto atribuir uma única causa às coisas, pois a todas as coisas podem ser atribuídas pelo menos quatro causas, quais são material, formal, eficiente e final. O fato da preservação da posse dada a escassez dos bens segundo as necessidades humanas pode ser apontado como uma causa final dos direitos de propriedade, mas outras causas podem e devem ser atribuídas, como por exemplo a própria existência da ordem natural-cosmológica percebida, como correspondência do direito natural, sendo uma causa formal.
Hermann Hoppe, na verdade, extrapola a noção de Carl Menger sobre as razões econômicas do direito de propriedade. Considerar aquelas como as únicas causas da moral ou da sociabilidade humana é também hipostasiar uma causa extrínseca, ignorando causas intrínsecas várias. O próprio Aristóteles demonstra – e aqui não precisamos analisar os corolários ainda mais profundos, posteriormente explicitados por São Tomás de Aquino – que “a natureza arrasta instintivamente todos os homens à associação política” (A Política). Em seu “estado de natureza”, o homem é um zoon politikon, sendo esta uma causa intrínseca que não pode ser ignorada. Outras causas são, ainda, o cultivo das virtudes e o da sabedoria.
Não é possível considerar que o estado de natureza do homem seja o conflito, seja ele por razões de “inveja”, como queria Girard, ou de “escassez de bens”, como quer Hoppe, pois desta forma o natural e comum seria a existência humana como a das aves de rapina e o estado de sociabilidade seria uma exceção, não a regra. E isto não é o que se observa.

Ciranda Emebelista

CIRANDA EMEBELISTA

Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar
A ciranda MBL
Que ao Brasil vai reformar

Neste doze de outubro
Vamos todos celebrar
O poder da meninada
Que iremos instalar

Já falava o velho Nelson
Do império juvenil
O desprezo ao antigo
Se instalando no Brasil

Não importa que eu seja
Deformado emocional
Parricídio, cá pra nós
Tem apelo nacional

Adoleta, le peti peti petá
Lescafé com chocolá
Adoletá
Puxa o rabo do Lulá
Quem saiu? Dilmá!

So-mos jo-vens
Não quisemos registrá
Por detrás veio o Fro-tá (ui!)
Somos jovens
Puxa o rabo do Lulá
Quem saiu? Dilmá!

Por isso, Tio Dória
Entre dentro desta roda
Faça o teste do sofá
Que logo cê tá na moda.

Neste doze de outubro
Vamos todos celebrar
O poder da meninada
Que iremos instalar

Abaixo a vida adulta
E os adultos traidores
No governo Peter Pan
São só docinhos e flores

CRUJ! CRUJ!
Nós somos ultra-jovens e merecemos respeito!