"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Thursday, January 4, 2018

A Abolição foi obra dos liberais?

Leandro Narloch, em uma entrevista ao site Boletim da Liberdade, dá a entender que a abolição foi obra dos liberais. Eu digo "dá a entender" porque, na verdade, toda a sua explanação é confusa e ambígua, uma vez que, enquanto cita nominalmente o Partido Liberal e o político liberal Luis Gama, continua o argumento se referindo ao abolicionismo como uma "reforma liberal", mas a palavra aí já parece adotar um sentido iluminista, mais genérico.
É fato que a grande maioria dos políticos brasileiros daquela época (liberais e conservadores) eram liberais neste sentido mais amplo, pois todos defendiam certos princípios gerais do Iluminismo, como a igualdade de todos perante a lei. E é sabido inclusive que haviam grupos abolicionistas em ambos os partidos.
Mas no conjunto da obra, Narloch pretende, sim, defender o caso para os "liberais" enquanto integrantes do Partido Liberal. Seriam eles, segundo Narloch, a força agente por trás do abolicionismo. O texto é ambíguo, mas a confusão entre os termos parece ser o resultado esperado dos leitores.
Narloch ignora, no entanto, que TODAS as leis abolicionistas foram propostas por gabinetes e políticos conservadores.
Antes, porém, é importante fazer uma outra correção. Narloch afirma que foi a partir de 1860 que surge um movimento popular de intelectuais (liberais, quer fazer acreditar) relevante a abolição. Ora, já em 1810 o rei D. João VI assinou com o Reino Unido o Tratado da Aliança e Amizade, em cujo artigo X buscava restringir o comércio de escravos em terras portuguesas. Além deste, outros dois foram assinados pelo mesmo rei, em 1815 e 1817. Foi aí que começou o processo abolicionista.
Primeiramente, foi um gabinete conservador, "saquarema puro-sangue", o gabinete Olinda-Monte Alegre, que, em 1850, colocou um fim definitivo no tráfico negreiro, pela ação principalmente do seu ministro da Justiça, o senador Eusébio de Queiroz. Por ter sido chefe da polícia imperial e ministro da Justiça, Eusébio tinha conhecimento de todas as rotas do tráfico, e isto permitiu que desse o golpe fatal na fonte que alimentava o escravismo brasileiro.
Depois veio a Lei do Ventre Livre, em 1871, em outro gabinete conservador. Rio Branco, que encabeçava o gabinete, foi o proponente da mesma. Aliás, Joaquim Nabuco conta que D. Pedro II se alegrou com a crise de 1868 porque ela trouxe de volta os saquaremas ao poder e, assim, o imperador voltou a ter os eficientes homens de sua confiança para as tarefas que precisava realizar, inclusive a Abolição.
Em seguida, em 1885, foi o conservador Barão de Cotegipe quem fez passar a lei dos Sexagenários. Aqui, contou com a participação de um político liberal (finalmente!), Conselheiro Saraiva.
Por fim, em 1888, foi o conservador João Alfredo Correia de Oliveira, então presidente do Conselho de Ministros, quem conseguiu a aprovação da Lei Áurea, em 13 de maio.
Mas mais importante ainda, podemos afirmar que foi o artífice da unidade nacional, o visconde do Uruguai, quem mais contribuiu para o abolicionismo quando garantiu, com a lei de interpretação ao Ato Adicional, a centralização político-administrativa do Brasil (tornando eficaz a repressão ao tráfico pela polícia imperial) e a afirmação da soberania do Poder Moderador, que garantiu a força do gesto imperial de D. Isabel.

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