"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Monday, September 14, 2009

Origem da linhagem familiar moçambicana

Após a fixação do grupo etno-linguistico bantu na região onde hoje é Moçambique, desde cerca de 1700 anos, a base fundamental da economia consistia na agricultura de cereais, principalmente de mapira e mexoeira. A produção agrícola, que determinava relações de produção permanentes, era feita pelas mulheres da aldeia, que produziam para a família alargada (clã). Sendo assim, como produtoras, as mulheres detinham uma certa autoridade e controle sobre os celeiros, mas não controlavam bens mais valiosos e duradouros, como o gado, por exemplo. A caça e a pesca, por sua vez, eram praticadas pelos homens e tinham como finalidade complementar a dieta alimentar. Não configuravam, no entanto, relações de produção tão duráveis quanto na agricultura.

Em Moçambique, nota-se uma diferença no que concerne à produção. As tribos ao sul do Rio Zambeze centralizaram a sua produção na agro-pecuária, enquanto os povos do norte do rio eram essencialmente agricultores. Com a cultura orientada para os animais e o pastoreio, houve uma alteração na psicologia coletiva das etnias do sul, o que marca uma diferença ainda hoje notada no país.

Joseph Campbell, no seu O Poder do Mito, nos ensina sobre os arquétipos e mitologias que orientavam as sociedades antigas. Nas sociedades agrícolas a figura da mulher é de fundamental importância, pois a personificação da energia que dá origem às formas e as alimenta é essencialmente feminina. A Deusa é a figura mítica dominante no mundo agrário dos primitivos sistemas de cultura do plantio. A mulher dá à luz, assim como da terra se originam as plantas. A mãe alimenta, como o fazem as plantas. Assim, a magia da mãe e a magia da terra relacionam-se. São povos, também, fixos na terra que lhes alimenta. Povos pastores, por outro lado, estão sempre em movimento, são nômades e entram em conflitos com outros povos, conquistando as áreas para onde se movem.

Na cultura bantu, à frente de cada linhagem ou da família alargada (clã) estava um chefe, com poderes políticos e religiosos, e um conselho de anciãos. Ao norte do rio, no entanto, não obstante o poder pertencer ao homem, a comunidade aldeã constituía-se em torno de parentes consanguíneos (antepassado comum) definidos por via materna. Essa linhagem matrilinear determinava inclusive a transferência de poder, na medida em que este passava do tio materno para o sobrinho. Ao sul do Zambeze, por outro lado, o poder passava do pai para o filho ou do irmão mais velho para o mais novo.

Povos pastores são sempre conquistadores, assassinos, nômades e patriarcais. Não possuem a ligação com a terra dos povos agricultores, pacatos, estáveis e matriarcais. Surge, então, nessas comunidades patriarcais ao sul do Zambeze, um poder político que se estruturava diferentemente do poder meramente linhageiro. Era originado da conquista militar, onde o clã vencedor passava a exercer uma supremacia política sobre as outras, as quais deveriam pagar um tributo ao chefe da linhagem vencedora.

Surge, então, uma nova divisão social do trabalho. Os produtores deveriam produzir um sobreproduto para o pagamento do tributo. A linhagem do chefe e dos anciãos passa a constituir a aristocracia da sociedade. Abaixo desta aristocracia estavam os membros das outras linhagens que habitavam a área dominada. Estrangeiros pagavam impostos mais altos. A classe dominante começa a possuir escravos domésticos.

São destes grupos que sairão, logo depois, as tribos que formaram, pelas sucessivas conquistas dos outros clãs, os reinos e impérios da região. São estes, principalmente, o povo Chona, Nguni e Tsonga. Darão origem ao reino do Grande Zimbabwe, ao império Monomotapa e ao império de Gaza.

Os pacíficos povos ao norte do rio, por sua vez, recebe a influência do contato mercantil com os árabes e aspectos culturais dessas etnias vão pouco a pouco mudando, com muitos deles vindo a se estruturarem em xeicados e sultanatos. São os povos do norte também as principais vítimas do tráfico de escravos feito, posteriormente, pelos portugueses.


Hoje, a influência das linhagens matrilineares e patrilineares se fazem presentes também no direito civil. Nas províncias acima do rio Zambeze, o sobrenome (apelido, no português moçambicano) que o filho recebe é o da mãe, enquanto nas províncias abaixo do rio, as pessoas carregam o sobrenome do pai. Se uma mulher da região norte casa-se com um homem da região sul, ela adquire o sobrenome do pai do noivo. O mesmo ocorre com o homem sulista que se casa com uma mulher do norte: ele recebe o sobrenome da sogra.



1 comment: