"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Wednesday, September 23, 2009

A história do meu saxofone

A história do meu sax merece um post. Ainda no Brasil eu perdi meu antigo saxofone num negócio de jerico que fiz. Esse não era muito bom, mas tinha me acompanhado desde que aprendi tocar este instrumento. Eu precisava completar a grana para vir pro projeto e apareceu uma pessoa com um papo de comprar meu sax pra tocar na igreja e entre aleluias e glórias acabei oferecendo um preço muito barato, mas que, no final, o cristão fez questão de esquecer de pagar... Eu vim para o projeto e não pude cobrar o prejuízo. Ficar sem o dinheiro não foi grande problema. Problema mesmo foi ter ficado sem o sax.
Um dia, porém, quando andava em fundraising nos Estados Unidos, fiquei na casa de um rapaz em Washington, o Chethan. Ele tinha um estúdio dentro de casa, onde fazia música experimental e tinha, além da aparelhagem de som, muitos instrumentos musicais de todo o tipo. Para quem não sabe, Washington é a meca da música experimental no mundo e o Chethan é um dos caras que organizam os festivais em DC. Os 3 dias que passei na casa dele foram de conversas infindáveis sobre música. Nós trocamos muita informação e ele me deu tanta música em mp3 que ainda não consegui ouvir todas. Muita coisa boa mesmo!
E foi ali naquele estúdio que encontrei um sax alto de marca Conn num case quebrado e cheio de poeira. O cara tinha comprado pra aprender qualquer dia e esse dia estava demorando chegar... Peguei aquela coisa linda e fizemos uma jam: ele na guitarra e eu no sax. Nossa jam se prolongou até uma da manhã e só parou porque os coreanos que estavam comigo queriam dormir. Chethan, no outro dia, disse que tinha gostado demais da nossa jam e do meu som. Disse que só não me vendia o sax porque intentava aprender. Ele me deu o fone de algumas pessoas que poderiam me vender um sax usado, mas nenhum preço estava acessível. No final, eu até me decidi por comprar um mais barato que tinha visto, que fiquei de ir no outro dia.
Quando cheguei de volta na casa do meu anfitrião, continuamos a nossa conversa sobre música até que ele ficou pensativo, perguntou se eu tinha comprado o sax, coçou a cabeça e disse que não iria se sentir bem se deixasse de me vender aquele Conn. Chethan disse que do menor preço que eu tivesse encontrado, poderia pagar metade pra levar aquele sax. O preço mais barato que eu tinha encontrado por um sax como aquele, usado, em todas as minhas pesquisas, era de US$ 300,00. “Just give me US$ 150,00”. Entreguei o dinheiro antes que ele tivesse tempo de desistir da oferta e fui embora satisfeito, com meu sax de ótima marca por um preço inacreditável...

A invasão das abelhas africanas

Durante o festival, um fato inusitado. Enquanto as pessoas almoçavam, eu fiquei com alguns rapazes que conheci, estudantes de uma universidade da cidade, fazendo uma jam. Os caras tocavam blues muito bem, além de alguns ritmos da região. Ficamos improvisando muita coisa e dali não pretendíamos sair tão cedo. Nem o cheiro de peixe com chima tirava a atenção dos músicos. Algumas crianças se juntaram ao redor e se divertiam com a nossa performance. De repente, um enxame de abelhas africanas invadiu o lugar. Foi um pandemônio. Um deus-nos-acuda. As crianças gritavam de debandada. Eu não esperei ver nenhum inseto. Bastou o grito de “abelha!” e eu já corri qual azougue. Saí do jeito que estava, com o sax na mão e fui parar dentro da escola. Alguém derrubou o violão durante a corrida. Quem vinha ver o motivo da gritaria logo estava voltando com mais pressa do que a da chegada.
Depois de algum tempo, passado o susto, fui ver o estado dos meus novos amigos. Encontrei-os já no meio da rua, fora da escola, com microfones e percussão nas mãos e os olhos assustados.
As abelhas continuaram ali um bom tempo. Eu tentei ir em busca do case para guardar o sax, mas logo voltei correndo com um bando de furiosas atrás. Uma criança apontou acima da minha cabeça e gritou: “Estão todas em cima de você!”. Nem me voltei pra conferir. Do jeito que estava, corri de volta pra escola. Dessa vez uma das abelhas se enroscou no meu cabelo, fazendo um barulho de fúria. Quanto maior o barulho, mais eu me debatia; quanto mais eu me debatia, mais furiosa ela ficava e maior o barulho. Até que senti uma dor aguda no topo da cabeça. Tirei o nervoso inseto com um tapa, não sem antes ele ter me deixado uma marca de dor...


What the hell is Bobby’s Band?

Desde que cheguei em Chimoio tratei de por em ação um projeto que me foi partilhado por Bobby, meu team leader. Há algum tempo a Kellogs Foundation doou para a escola uma aparelhagem de som com o básico: amplificador, mixer, 2 caixas de som, 4 microfones e um teclado. A idéia, então, era montar uma banda para sair pelas cidades e vilas da região cantando e falando sobre prevenção de AIDS, educação e temas correlatos.
O Bobby era baixista de uma banda de rock nos Estados Unidos antes de vir para o projeto. Um aluno do projeto, o Mateus, toca violão. Outro aluno, o Manhacha, toca bateria e um grupo de alunos cantam e dançam. Está, então, formada a Bobby’s Band.
Bem, o nome não é muito criativo, mas foi idéia dos alunos. Bobby até quis argumentar, mas sem sucesso. Ficou Bobby’s Band mesmo.
Nós tocamos músicas feitas pelos próprios alunos, com ritmos africanos e temas que falam principalmente de AIDS e educação. Como não tem tecladista na banda, eu resolvi tocar teclado também, além do sax. Já tinha treinado alguma coisa em Michigan, no piano da IICD. Agora, estou conseguindo até arriscar uns improvisos...
Fim-de-semana passado foi a nossa estréia, no Festival Cultural da EPF Chimoio, que reuniu várias escolas com apresentações de teatro, danças e música.
No próximo sábado vamos tocar no evento de uma escola na cidade e, depois, vamos organizar uma agenda para as comunidades ao redor.



Monday, September 21, 2009

Nasceu onde mesmo?

Essa brincadeira no post anterior sobre nascer naquele ou neste lugar merece mais palavras. O post até poderia se chamar “a vingança que tardia” ou alguma coisa do gênero.
Aqui, em Moçambique, os brancos, principalmente os portugueses, andam todos com um ar de superioridade que irrita o mais asceta dos homens. Fazem pouco caso dos negros, desrespeitam-os no seu próprio continente. Se referem aos moçambicanos negros com termos que lhes afastem o máximo, aquele pronome na terceira pessoa do plural, mais indefinido impossível. Conversar com alguns brancos na cidade, para mim, tem sido torturante, a maioria das vezes. Gente em eterno choque cultural, cuja cura talvez só venha mesmo com outro tipo de choque, o elétrico, por uma agulha dentro da unha...
Bem, a parte da “vingança” veio de ter conhecido um deste citado tipo, português, branco, bonito aos próprios olhos e muito, mas muito chato mesmo.
Depois de alguma conversa, já na hora de me despedir, perguntei de qual cidade de Portugal ele era. Foi então que o candidato a "sêo Manuel da padaria" titubeou e disse que nascera aqui mesmo, em Moçambique. Ora, pela idade, ele nem poderia ter nascido antes da independência, mas não deu outra. Juntei tudo numa risada sarcástica e revelei ao enganado aprendiz de Dom Manuel o Venturoso que ele era, na verdade, moçambicano.
Fui saindo em despedida enquanto ele, entre gaguejos vergonhosos, tentava argumentar contra essa minha conclusão impecável. Mas impecável mesmo estava o meu sarcasmo...

Os bandidos da minha terra gorjeiam até demais...

“No dia em que o crime se ornamenta com os despojos da inocência, por uma curiosa deformação que é própria do nosso tempo, é a inocência que se vê intimada a apresentar suas justificativas”. É de um ‘francês’ nascido em terras africanas, Albert Camus, a frase que uso para lamentar a vergonhosa atuação do governo brasileiro em defesa do italiano Cesare Battisti, que matou a tiros quatro pessoas: Antonio Santoro (agente penitenciário), Pierluigi Torregiani (joalheiro), Lívio Sabatini (açougueiro) e Andréa Campagna (policial), além de ter remetido à prisão perpétua, em cadeira de rodas, o filho de Andrea Campagna, atingido por disparos da pistola.

O amor brasileiro ao banditismo já não é novidade e desde muito tempo está aí, nas músicas, literatura e cinemas nacionais. Foi o espírito que moveu as pessoas que adoravam Leonardo Pareja e que colocaram a bandeira brasileira sobre o seu caixão, sob os louvores de aprovação da mídia nacional. Foi o espírito que moveu Moreira Salles, menos notável pelos seus filmes do que por sua proteção ao bandido Marcinho VP. O teatro de Chico Buarque, obras de Ledo Ivo, apoio presidencial às FARC’s, ao MIR chileno, rifa feita por deputado para pagar a fuga de guerrilheiro colombiano, música deste ou daquele pensador que estava feliz porque matou o presidente, ... e a lista vai crescendo. No teor, o discurso pateta de que bandidos são bons (ou, pelo menos, vítimas da sociedade) e a polícia e as instituições democráticas são o mal.

A tese é tão absurda que nem vale a pena citar nomes de pessoas que nasceram na pobreza e são exemplos de vida. Também não vale a pena dissertar sobre a distância de valores entre os crimes de corrupção dos homens do poder político e os crimes contra a vida humana dos assassinos e bandidos do “submundo”. Até porque muito dessa dualidade bem-mal pregada diz respeito aos opostos entre a vida do culpadíssimo cidadão comum que tenta sobreviver montando o seu próprio negócio (um burguês filho da puta) e o venturoso bandido que escapa do presídio e dá entrevista nas páginas amarelas da Veja contando como a polícia é mal treinada e equipada, para o orgasmo nacional.

No caso atual, o ministro da Justiça, Tarso Genro, abandona todo o decoro e critica o posicionamento do ministro Peluso, do STF, que não fez coro com o grupo da torcida organizada do assassino que, nas terras tupiniquins, atende pelas alcunhas de escritor e preso político. Enquanto a novilíngua usa palavras como “preso político” para induzir o traumatizado cérebro brasileiro a se identificar com as prisões políticas da ditadura militar.

Então, outro ministro pede vista do processo, numa manobra que parece o “ganhar tempo” para que o novo ministro do STF, que logo será indicado pelo presidente, venha cantar em uníssono em defesa do assassino, já com a ordem de Sua Excelência (sua sim, minha não) o presidente dessa bagunça toda, digo, da República.

Lembrando que logo teremos uma candidata à presidência cuja único grande feito na vida foi o assalto à casa da ex-amante e secretária do político Adhemar de Barros, onde o político, já defunto, teria deixado um cofre contendo muito dinheiro, que a atual ministra nunca disse onde guardou... Enquanto isso, eu vou lendo notícias do Brasil e minha gastrite vai se tornando em úlcera.

E, para continuar com a xaropada de citações, termino com essa de Rui Barbosa, brasileiro que nasceu no Brasil mesmo: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.


Monday, September 14, 2009

Origem da linhagem familiar moçambicana

Após a fixação do grupo etno-linguistico bantu na região onde hoje é Moçambique, desde cerca de 1700 anos, a base fundamental da economia consistia na agricultura de cereais, principalmente de mapira e mexoeira. A produção agrícola, que determinava relações de produção permanentes, era feita pelas mulheres da aldeia, que produziam para a família alargada (clã). Sendo assim, como produtoras, as mulheres detinham uma certa autoridade e controle sobre os celeiros, mas não controlavam bens mais valiosos e duradouros, como o gado, por exemplo. A caça e a pesca, por sua vez, eram praticadas pelos homens e tinham como finalidade complementar a dieta alimentar. Não configuravam, no entanto, relações de produção tão duráveis quanto na agricultura.

Em Moçambique, nota-se uma diferença no que concerne à produção. As tribos ao sul do Rio Zambeze centralizaram a sua produção na agro-pecuária, enquanto os povos do norte do rio eram essencialmente agricultores. Com a cultura orientada para os animais e o pastoreio, houve uma alteração na psicologia coletiva das etnias do sul, o que marca uma diferença ainda hoje notada no país.

Joseph Campbell, no seu O Poder do Mito, nos ensina sobre os arquétipos e mitologias que orientavam as sociedades antigas. Nas sociedades agrícolas a figura da mulher é de fundamental importância, pois a personificação da energia que dá origem às formas e as alimenta é essencialmente feminina. A Deusa é a figura mítica dominante no mundo agrário dos primitivos sistemas de cultura do plantio. A mulher dá à luz, assim como da terra se originam as plantas. A mãe alimenta, como o fazem as plantas. Assim, a magia da mãe e a magia da terra relacionam-se. São povos, também, fixos na terra que lhes alimenta. Povos pastores, por outro lado, estão sempre em movimento, são nômades e entram em conflitos com outros povos, conquistando as áreas para onde se movem.

Na cultura bantu, à frente de cada linhagem ou da família alargada (clã) estava um chefe, com poderes políticos e religiosos, e um conselho de anciãos. Ao norte do rio, no entanto, não obstante o poder pertencer ao homem, a comunidade aldeã constituía-se em torno de parentes consanguíneos (antepassado comum) definidos por via materna. Essa linhagem matrilinear determinava inclusive a transferência de poder, na medida em que este passava do tio materno para o sobrinho. Ao sul do Zambeze, por outro lado, o poder passava do pai para o filho ou do irmão mais velho para o mais novo.

Povos pastores são sempre conquistadores, assassinos, nômades e patriarcais. Não possuem a ligação com a terra dos povos agricultores, pacatos, estáveis e matriarcais. Surge, então, nessas comunidades patriarcais ao sul do Zambeze, um poder político que se estruturava diferentemente do poder meramente linhageiro. Era originado da conquista militar, onde o clã vencedor passava a exercer uma supremacia política sobre as outras, as quais deveriam pagar um tributo ao chefe da linhagem vencedora.

Surge, então, uma nova divisão social do trabalho. Os produtores deveriam produzir um sobreproduto para o pagamento do tributo. A linhagem do chefe e dos anciãos passa a constituir a aristocracia da sociedade. Abaixo desta aristocracia estavam os membros das outras linhagens que habitavam a área dominada. Estrangeiros pagavam impostos mais altos. A classe dominante começa a possuir escravos domésticos.

São destes grupos que sairão, logo depois, as tribos que formaram, pelas sucessivas conquistas dos outros clãs, os reinos e impérios da região. São estes, principalmente, o povo Chona, Nguni e Tsonga. Darão origem ao reino do Grande Zimbabwe, ao império Monomotapa e ao império de Gaza.

Os pacíficos povos ao norte do rio, por sua vez, recebe a influência do contato mercantil com os árabes e aspectos culturais dessas etnias vão pouco a pouco mudando, com muitos deles vindo a se estruturarem em xeicados e sultanatos. São os povos do norte também as principais vítimas do tráfico de escravos feito, posteriormente, pelos portugueses.


Hoje, a influência das linhagens matrilineares e patrilineares se fazem presentes também no direito civil. Nas províncias acima do rio Zambeze, o sobrenome (apelido, no português moçambicano) que o filho recebe é o da mãe, enquanto nas províncias abaixo do rio, as pessoas carregam o sobrenome do pai. Se uma mulher da região norte casa-se com um homem da região sul, ela adquire o sobrenome do pai do noivo. O mesmo ocorre com o homem sulista que se casa com uma mulher do norte: ele recebe o sobrenome da sogra.



Sunday, September 13, 2009

Ronda macabra [baseado numa história real]

Era o ano de 1989. Ela estava sentada debaixo da mangueira. Descascava uma manga vagarosamente. “Esse ano as mangueiras não deram quase nada”, pensou, enquanto descansava daquele dia difícil de cuidado da machamba nos fundos de sua casa. Foi o dia em que colhera em boa parte dos canteiros. Amanhã deveria levar os produtos para a feira, para vender ou trocar por algum outro produto com outras pessoas da vila.
Sua mente voava eufórica. Lembrava daquele dia, mês passado, quando foi com seu namorado para o riacho, banhar. Ele era o mais lindo da vila, ela achava. Foram naquele dia, depois que ele sorriu para ela e disse que queria namora-la. “Ndinokuda, mama”, ele dissera. Isso fora suficiente para ela descer com ele o rio. Lá, eles fizeram sexo durante ela nem lembra quanto tempo. Ah, como ele gostara. Bendita hora em que sua mãe, cumprindo a tradição agora quase esquecida ou deixada de lado, a preparara para o futuro marido. Fizera a matuna, numa cerimônia de preparação da sua vagina com folhas de uma planta sagrada, que aumentava os pequenos lábios, melhorando o desempenho sexual. Ela conseguia, então, controlar a penetração do homem e o orgão masculino só saia da vagina quando ela queria, quando ela tivesse terminado, quando ela alcançasse o prazer. Sim, ela vira a expressão de contentamento no rosto dele. Sabia que ele voltaria a ter com ela. Quem sabe até a pediria em casamento. Era isso que ela queria. Já estava na idade, tinha 17 anos. Se não casasse logo, em pouco tempo a vila começaria a se perguntar se ela não casaria. Era o seu maior medo.
Ainda mais agora, que ficara grávida. Sentia que algo mudara dentro de si desde que estivera no riacho com o namorado. Carregava uma vida dentro de si. Mas agora sentia medo. E se ele não a aceitasse como esposa? E se tivesse que criar o filho sozinha?
De repente, pensou que traria ao mundo mais uma vida. Sentiu um frio descendo pela espinha. Uma vida, um filho! Sentiu uma alegria e uma dor. Seria mãe, aquilo para o qual nascera para ser, que sentira como sendo desde que sangrara a primeira vez. Desde então, os deuses a lembravam, todo mês, do seu papel naquela vila. Ela se sentia em unidade com a terra que cultivava. Faria nascer uma vida, como as plantas que regava nasciam da terra. Sabia que seus seios iriam mudar, para amamentar. Alimentar, como também faziam as plantas dadas pela Mãe Terra aos homens. Seu pensamento voava longe, voava como o falcão-cuco, tão comum naquela região. Sua mãe sempre a repreendia, dizendo que ela pensava demais. Não era papel da mulher pensar. Mulher tinha que aprender a cultivar a machamba, a passar troco na feira e a cuidar dos filhos.
Mas ela pensava muito mesmo e não conseguia parar. Agora, pensava no mundo que ia receber o seu filho. A dor, o trabalho, a seca, a guerra civil. Nem se lembrava mais quando ou porque a guerra civil começara. Desde a sua infância, as notícias da morte de algum vizinho, parente ou conhecido eram constantes. Era normal, como comprar o pão na feira ou regar a machamba. Era cotidiano.
Ela nem pensava no fim da guerra. Para ela, a guerra sempre existiu e sempre existiria. Era como aquela casa, onde ela morou desde que nasceu, com sua mãe, seu irmão, sua irmã. Depois, veio o cunhado e, logo depois, a sobrinha. O cunhado não deveria ter vindo morar na casa. Segundo o costume, ele deveria construir sua própria casa ou levar a esposa para a casa dos pais dele. Mas ele era orfão e desempregado. A mãe dela foi deixando, com o compromisso do genro de que sairia dali assim que pudesse. Então, veio a sobrinha.
Ah, como ela adorava a sobrinha. Viera para alegrar aquela casa. Trouxe aquela alegria que a fazia esquecer da dor e secura daquela vida. Sorria, brincava, chorava de madrugada. Acordava a todos na casa, aos berros. Em poucos minutos, o sobressalto dava lugar a carinhos e brincadeiras, vozes suaves de acalento. Como ela gostava de carregar a sobrinha nas costas, amarrada na capulana...
Sim, a vinda da sobrinha mudou um pouco aquela rotina. Mas, depois, tudo voltou a parecer o mesmo: a família, a machamba, a feira, a guerra.
E nada lhe parecia mais cotidiano do que a guerra civil. Não custou muito para aprender a viver com a guerra. Não mais estranhava as invasões de soldados à sua vila. Às vezes, uma família qualquer que costumava encontrar na feira, vendendo produtos da machamba, desaparecia. Ela aprendera a não mais perguntar. Com o tempo, aprendera a não sentir saudades. Outras vezes – muitas vezes – tinha visto pequenas fábricas e comercios da vila queimando, destruídos. Todos sabiam que tinham sido os revoltosos. Não permitiam o crescimento da vila. De nenhuma vila por onde passavam. Assim, com o tempo, todos eles aprenderam a não construírem grandes casas, a não estocarem comida ou mesmo construirem fábricas de farinha ou tijolos. Todos faziam os tijolos no próprio quintal, comiam o produto da própria machamba e apenas trocava entre si o essencial, na pequena feira montada do centro da vila. Nada que pudesse chamar a atenção dos revoltosos.
Os revoltosos também não aceitavam escolas. Tinham queimado a pequena escola da vila, que os portugueses construíram e onde ela estudara. Agora, estudava na casa do professor da vila, que lhe falava sobre países distantes, sobre contas com números e que mandava ler livros que ele mantinha escondido dos revoltosos. Mas ela não gostava dos números. Preferia as aulas onde ele falava das terras distantes. Isso a fazia sonhar, imaginava-se vivendo naqueles reinos e países, com aquelas pessoas diferentes e jeitos de ser todo especiais. Ela não dizia, mas queria ter nascido muzungu. Todos os muzungus são muito ricos e podem ir onde quiserem. Todos os muzungus que vira não tinham aquele olhar de dor, tão comum nos olhos da sua vila. Um dia, na capital, vira uma televisão. Era um caixa luminosa, onde se passava uma história de muzungu. Todos bem vestidos, sorridentes, gordos e felizes. Era uma história de amor. E como eles amavam bonito, pensou ela. Um dia, quem sabe, iria perguntar ao feiticeiro se era possível alguma poção para faze-la muzungu.
A guerra também lhe ensinara a evitar lugares onde existiam minas terrestres. Sempre ouvia de pessoas vitimadas por alguma mina, em determinado lugar. Quase sempre morriam. Para outras, no entanto, os deuses olhavam de bom grado. Perdiam uma perna, ou as duas, mas viviam. Sorte, proteção dos deuses. Quanto ao terreno onde isso acontecia, não precisavam dizer mais nada. Ela, como todos na vila, sabia que não devia andar mais por aquele lugar. E, com o passar do tempo, poucos eram os lugares por onde ela andava. Apenas nos lugares seguros dentro da vila, da escola para casa, de casa para feira e para casa.
Tinha ouvido do cunhado que aquela era uma região que corria maior risco, porque era próxima ao Malawi. Era lá que os revoltosos tinham uma base, com o apoio do governo daquele país. Ela não entendia muito sobre a guerra. Ouvia muitas coisas, todos os dias. Aprendera a repetir os comentarios, as opiniões e as esperanças. Alguns, mais velhos, tinham esperança de que a guerra acabasse. Falavam de um tempo em que toda aquela região era um grande e poderoso império, o Império do Grande Zimbábwe. Via nos olhos destes contadores do passado uma melancolia cheia de esperança quanto ao futuro. Quanto a ela, apenas conhecera a guerra. Mas aqueles olhares a contagiava. E ela tentava imaginar sua vida sem a guerra. Mas não conseguia. Não conhecera nenhum mundo sem guerra. Nunca deixara a sua vila, exceto aquela vez em que fora à capital. Mas a guerra também estava lá. Em todo o seu mundo conhecido havia a guerra. E, com ela, toda a dor, choro, perdas e funerais.
Antes, vieram os portugueses. Dominaram, colonizaram, levaram escravos, exploraram a terra, exploraram as pessoas. Depois, uma euforia. Palavras de ordem, expectativa. Independência. Seu país passara a se chamar Moçambique. Ganhara bandeira, hino, presidente, cidadania. E ganhara a guerra. A guerra viera no mesmo comboio que trouxera a independência.
Os mais velhos diziam que os deuses abandonara aquela terra. Os feiticeiros explicavam que, antes, os homens é que haviam abandonado os deuses. Aceitaram a religião dos brancos, a religião muzungu. Até um rei de um reino vizinho tinha se batizado na religião dos brancos. Pecado. Desobediência às leis do seu povo, dadas pelos deuses aos feiticeiros.
Agora, sofriam a dor do abandono. Os deuses não olhavam mais pra eles. As secas eram maiores, os rios demoravam encher, os homens morriam como formigas pisoteadas num formigueiro. E eles aguardavam um tempo onde os deuses restaurariam as glórias dos tempos do grande império.
De repente, ela ouviu um barulho do outro lado do quintal. Seus pensamentos se interromperam bruscamente quando notou que alguém derrubara a cerca de bambu e adentrava os domínios de sua casa. Seu coração tomou um ritmo descompassado, acelerado. Suas pernas tremeram. Largou, então, suavemente, o caroço de manga que ainda roía e se voltou, muito cautelosamente, na direção daquele som. Ouviu uma voz grave, agressiva, que não lhe pareceu familiar. Dava ordens de comando num tom baixo e assustador.
Muito devagar, ela olhou por entre o arbusto que impedia a total visualização do invasor. Para sua sorte, essa posição impedia os invasores de ve-la. Pôde acompanhar os movimentos daqueles homens. Reconheceu a roupa que usavam, a roupa dos revoltosos. “Oh não, os revoltosos não!”, gemeu dentro de si.
Seu coração era todo gelo e medo. Suava frio, imaginando que só poderia vir o pior daquele momento.
Eles se achegaram ao redor da casa e chutaram a porta que, frágil, se partiu em duas no chão da cozinha, num forte estrondo. Gritos foram ouvidos de dentro da casa. Os homens, num relance, haviam entrado. Secos golpes são ouvidos do lado de fora.
Ela volta à sua posição anterior, atrás do tronco da mangueira. As batidas do seu coração a traem. É o som que mais ouve naquele momento. Parece querer lhe sair pela garganta. Traduzem todo o pânico que sente.
Sua mente trabalha desesperadamente. Tenta descobrir o que fazer. Que ação tomar. Correr na direção de impedir aquela agressão? Fugir? Ficar?
De repente, como que por uma luz vinda dos deuses, ela visualiza um buraco na cerca. Muito perto de onde ela estava, poderia passar por ali sem ser notada. Seu instinto de sobrevivência a impulsiona naquela direção. Uma vez segura, pensaria melhor no que fazer. Foi, então, silenciosamente, para aquela fenda, seu lugar de salvação. Com muito cuidado, atravessou aquele espaço e passou a olhar o que desenrolava dentro do quintal.
No instante em que volta o seu olhar ao lugar de onde viera, os homens estão levando sua família para fora. Sua mãe é arrastada pelo cabelo por um homem que parecia ser o comandante daquele grupo. Em seguida, vem outro guerrilheiro segurando seu cunhado pelo pescoço e o joga no chão de terra, violentamente. Atrás, vem outro homem segurando pelo braço a irmã com a sobrinha nas costas. Mais 2 outros homens saem da casa e andam pelo quintal, para ter certeza que ninguém mais faltava àquela reunião macabra. Todos eles portam rifles, que carregam a tiracolo, e armas pequenas e facas nas cinturas. Suas roupas demonstram estarem a muito tempo no mato, combatendo nas guerrilhas.
Ela olha, assustada, entre as brechas deixadas pelos bambus. Tenta entender o que se passa. Um turbilhão confuso de pensamentos passam por sua mente. Seu corpo, no entanto, não mostra a mesma mobilidade. As pernas trêmulas pesam como chumbo. Não se movem, estáticas. Um gosto amargo na boca. As mãos a tremerem, suadas e igualmente pesadas. Apenas os olhos, em pânico, esboçam lágrimas que descem pelo rosto, retrato terrificante.
Seus ouvidos não conseguem captar os sons advindos do sinistro. Mesmos gritados, audíveis, são bloqueados pelo pavor daquela testemunha. Ela apenas percebe os bruscos movimentos dos guerrilheiros que acusam, golpeiam e machucam aquelas carnes estendidas no chão.
De repente, um dos homens golpeia a cabeça da irmã, que já segurava a criança em seus braços. O marido esboça uma reação instintiva de proteção. Levanta a mão direita, como que para alcançar aquela cena que se desenrola a poucos centímetros dele. O soldado que ataca, então, saca a arma e desfere o primeiro golpe, que atinge o coração do homem. Suficiente. O corpo tomba, imóvel. Um outro soldado alveja o corpo já morto. Tiro inútil, apenas vontade de participação naquele ato cruel.
A esposa grita um pranto desesperado. Um soldado arranca a criança das suas mãos. O pranto se intensifica. O homem coloca a criança num pilão que se encontra próximo à porta destruída. Entrega, então, o pau do pilão à mãe e ordena: “Acerta a cabeça dele!”. Da distância, a testemunha geme e vira-se. Não poderia ver aquela cena. Não tem mais forças pra chorar. Apenas se segura de joelhos no chão, enquanto volta o olhar para longe daquela cena agriotímica.
A mãe se recusa a acertar a cabeça da criança. Seu pranto adquire um tom mais assustador. A dor de ter de matar sua filha seria maior que qualquer dor de morte. Seu corpo se encolhe no chão, recusando-se ao movimento, enquanto recebe golpes das pesadas botas daqueles soldados em todo o seu corpo. Mas, quanto mais fortes as ordens e golpes, mais rendido ao chão aquele corpo tomba. Então, os homens desistem da crueldade. Num tiro de misericórdia, dão cabo ao sofrimento e à vida daquela mãe. Um outro tiro assassina a criança que chorava dentro do pilão. Um ultimo estampido vitima a matriarca daquele lar.
No ar ainda se ouvem o eco dos tiros. As outras casas da vila, ao som do primeiro tiro, deram por fechadas todas as portas e janelas. Uma áurea de pavor e apreensão toma conta daquele povoado. Todos pedem aos deuses que aquele momento termine.
Os guerrilheiros dão por encerrado o seu trabalho. Começam a se retirar do local pelo mesmo lugar de entrada, não sem antes pegarem na casa os mantimentos e água que garantiriam mais um dia de jornada, aqueles mesmos mantimentos que deveriam ir para a feira no dia seguinte. Comentam os soldados da sorte de terem encontrado tanta comida embalada, como que esperando por eles. Seus olhares, carregados de ódio e impiedade, procuram uma outra vila para um novo palco do terror que impõem.
Atrás da cerca de bambu, um corpo jaz desmaiado, já sem forças para chorar ou assistir a cena que se passa.

Tuesday, September 8, 2009

Sobre dores e amores

“Põe-me como selo sobre o teu coração (...) porque o amor é forte como a morte”. Cântico dos cânticos 8:6.



Kalevo Oberg fala dos estágios do choque cultural no contato com um meio social diferente. São 4. Primeiro, a lua-de-mel, recebe-se toda a novidade cultural como estupendo. Depois, vem o choque propriamente dito, o sentimento de desorientação e estranheza. A seguir, o período de negociação com as diferenças culturais. Por último, a aceitação de que coisas boas e más na outra cultura podem ser trabalhadas. Mas isto, meu amigo, é teoria. A prática, na maioria das vezes, dói.
Nesse caso, dói mesmo o tal segundo estágio. E foi nesse que me bati semana passada. Ou que me bateu.
Em dado momento, a vida fica normal a ponto de ficar “pensável”. Era finda toda a novidade, já tinha me integrado no projeto, dei algumas aulas, etc e tal.
Ao redor, uma vida toda diferente. Nada do que estava acostumado. Cores, gostos, costumes, cheiros, sotaques. Tudo tão diferente. Eu era o total estranho, o anormal, o Outro.
Então, a gente lembra do tempo em que era apenas mais um, era o patrício. Aquele sentimento de integração, de integralidade mesmo. Disso brota uma triste saudade, um sentimento de estranheza. Lembranças de tudo que deixei pra trás.
Já vi vários tipos de choques culturais. Uns ficam amargurados, outros culpam os pais por não terem nascido negros. Outros, ainda, olham para a cultura estranha com asco e não perdem nenhuma oportunidade de gabar-se da grandeza de qualquer rincão do qual tenha vindo. Preconceitos, estado de choque, irritabilidade, sentimento de superioridade, sentimento de inferioridade, interpretação errônea dos comportamentos. Tenha o efeito que for, choque cultural, no final das contas, não faz bem pra ninguém. Eu estava com a aura negra, como disse um colega de quarto. Minha dor era mesmo estar me sentindo deslocado, desintegrado. Estranho e, principalmente, sem amor.

Foi então que aconteceu algo que me restituiram os sentidos, me trouxe toda a força necessária para alcançar a sanidade, para poder pensar sobre aquele momento e me levantar em busca de cura para a alma.
Estava lendo um dos livros que trouxe do Brasil, justamente um sobre integração pessoal do Mário Ferreira dos Santos e, em determinada página, já muito avançado na leitura, encontro uma folha de papel como que a marcar alguma leitura anterior. Pego em minhas mãos aquela folha de papel e, surpresa!, era uma carta de amor. Uma carta dela. Naquelas palavras, todo o cuidado, carinho, preocupação, confiança e segurança que eu precisava. Experimento a verdade tantas vezes repetidas pelos poetas e filósofos, “a redenção pelo amor e no amor”. Na pior situação exterior, a entrega interior à pessoa amada é tábua salvadora.
“Saiba, porém, que aqui, ao lado dos seus, é o seu lugar”. Essa frase resgatou meu sentimento de integração. “Talvez minhas preocupações com você sejam infundadas, mas ainda não consegui chegar ao nível de maturidade pra deixar de sentir tanto medo, quando se trata de você (...) porque eu estava triste (...) mas acho que não tenho o direito de impossibilitar a você essa experiência. (...)”. A carta prossegue. Cada palavra são tijolos com os quais me reconstruo.

Tanto amor, amor que só uma mãe pode dar.

Te amo, dona Eida.

O Robinson africano

Fora uma noite tribulosa aquela. Desde o ocaso viam-se nuvens negras se aproximando no horizonte, tomando, pouco a pouco, o controle de toda a abóbada celeste, cortada, periodicamente, por feixes luminosos que piscavam naquele manto negro. O capitão dissera, com aquele piscar do olho direito que lhe era particular, que aquela seria uma noite daquelas... Mandara sua tripulação preparar o barco para a noite que começava. Esteve, sim, deveras preocupado. Deveria aportar em Lourenço Marques nos próximos 3 dias, naquela que aparentava ser uma viagem rápida e tranquila. Vinha da cidade de Bombaim, donde transportara alguns produtos alimentícios, principalmente especiarias, que davam muito lucro ao mercado português.
Já estava aposentado de 40 anos no mar. Ainda aceitava aquele tipo de trabalho fácil para ajudar na manutenção de casa. Aquela viagem, em especial, lhe renderia ótimos lucros no mercado de Lourenço Marques. Viagem simples, rota segura. Conhecia o Oceano Índico como ao quintal de sua casa. Desde que era um garoto e começara naquele navio negreiro. Mas não gostava do negreiro. Sua consciência lhe dizia que não correto escravizarem os negros. Mesmo que eles não fossem totalmente humanos, apenas selvagens, como ouvira o padre dizer na missa. Mas mesmo se fossem animais, pensava. Dizia isso porque lembrara de como gostava do cão de sua mãe, um mastif inglês de cor beje e jovialidade que fora perdida por anos deitado a correntes. Alias, fora do mastif que lembrara quando vira o primeiro negro, acorrentado ao pescoço, ser embarcado naquela sua primeira viagem. Os negros também são criaturas de Deus, Vossa Santidade. Não, não ousara dizer isso ao clérigo. Padre é homem de Deus, sabe o que diz. Mas, mesmo assim, lá no fundo, não concordava. Porém, não matutava muito sobre isso.
De qualquer forma, deixara o negreiro assim que conseguiu que suas economias lhe permitisse o acesso ao navio a que dedicara sua vida. Aquele sim, era um navio que lhe dera orgulho. Começara como imediato e galgara ao posto de capitão do navio. Apesar de navegar sobre a bandeira portuguesa, sendo ele um italiano. Os portugueses pagavam melhor e não tinham bons marinheiros como ele. Duvidava se alguém amava o mar tanto quanto ele. Sim, senhor. Isso que o fazia tão bom marinheiro. Era o amor que sentia por aquela vida, um flutuar macio sobre as águas do oceano. Um dia, quando criança, ouvira o padre dizer sobre o paraíso, sobre morar no céu. Pra ele, o céu de que falava o padre era como o mar. Viver flutuando. Tão macio como só vivem os reis. No timão, se sentia o rei do oceano, embaixador de Poseidon.
E, agora, suas preocupações se mostraram fundadas. Aquela tempestade estava se tornando a mais forte que jamais vira. As ondas batiam no casco do barco, jogando a forte embarcação de um lado a outro, descontrolada. O motor roncava veloz, mas com um frustrado som que indicava não mais ter o controle sobre aquela embarcação. Num esforço heróico, um tripulante alimentava a fornalha com um carvão já totalmente encharcado pelas águas daquele temporal. Outros homens gritavam ordens de comando, sons que eram abafados pelo brado enfurecido do deus dos mares. Outros, ainda, corriam pelo convés, na esperança de conterem cordas, bagagens e barris que eram arremessados pela fúria do vento. Enquanto isso, o barco se chocava com cada imensa onda que se levantava em sua direção, qual leve casca de noz. Alguns homens, em desespero, pulavam do barco. Outros eram mesmo arremassados contra a vontade. Uma vez no oceano, as ondas rapidamente engoliam os seus corpos exaustos. Gritos continuavam a ser ouvidos nos intervalos dos golpes das ondas chocando-se com o casco. A derrocada daquela máquina naval era evidente.
O capitão apenas olhava todo o espetáculo infernal. A serenidade sexagenária estampada no rosto sabia que pouco poderia ser feito, a menos que a tempestade diminuisse. Também não tinha forças para enfrentar a tempestade lá fora. Restava rezar. E era o que fazia, na sua mente. Rezava, lamentava pelos seus homens e pensava num saída.
Foi quando avistou um luz. Longe, bem longe, tremulava um pequeno clarão que não era um raio. Tinha certeza também que não era uma estrela. Lembrara de onde deveria estar. Pelo tempo da viagem, só poderia estar perto daquele farol. Como não pensara nisso antes? Aquela era a cidade de Beira, onde tantas vezes aportara para descansar de uma dura viagem. Cidade que sofrera muitos ataques das tribos dos negros do interior do continente, mas que continuara sob o dominio portugues, que se esforçava tanto para te-la, sabedor que era da posição estratégica daquela região.
A mesma luz irradiou toda a esperança naquele velho coração. Abriu a porta da sua cabine e correu ao homem do leme. “Quarenta e cinco graus a estibordo, a todo vapor!”. O grito contagiou o tripulante que, desde algum tempo, desistira de controlar o leme. Aquela efusão de ânimo e confiança o deu força para cumprir as ordem do seu capitão.
O barco ainda teimava em sobreviver diante de toda a fúria daquela tempestade. De forma cambaletante, obedeceu ao novo comando do leme. Os poucos homens que restaram entenderam a manobra. Alguns viram a mesma luz, distante. Gritos de esperança brotaram de lábios trêmulos. E o barco se dirigiu rumo a luz salvadora.
De repente o capitão se sente sem forças. Uma tontura, uma fraqueza. Sente-lhe faltar as forças. Empreendera muito esforço para chegar até o leme. Fora um luxo que não poderia ter tido, mas sabia que isso salvaria a vida dos poucos amigos que ainda sobrevivera. Sem mais forças para pensar sobre isso, vê tudo ficar mais escuro ainda. Mas este escuro agora era por dentro da retina. Era o escuro da sua mente que apagava. Desmaiou.
Poucas horas se passaram até que o barco alcançara a praia. Um som seco indicou que o barco navegava outra superfície que não a água do mar. Adentrava a praia. De repente pára. Os olhos do capitão se abrem. Já era dia. A maré começava a baixar. O céu ia ficando limpo. A bem poucos metros do barco ele vê o farol que os salvara. Agradece aos céus.
Passados alguns instantes, vê seus homens gritando de alívio e agradecendo pela vida. Ele resolve sentar e observar aquela euforia, com um leve sorriso de quem vê os filhos a brincar numa poça de lama. Poucos minutos depois, homens correm em direção ao barco. Perguntam, ouvem respostas, gritam, levantam as mãos aos céus em desespero. Outros aparecem, carregam nos ombros as poucas mercadorias que restaram. Outros carregam corpos dos seus amigos. Um outro – este ele acompanha com maior interesse – carrega o seu corpo. Sim, era ele mesmo que ali ia sendo carregado. Reconhecera a farda de capitão e a barba e cabelos grisalhos. Mas ele não se importava mais com o próprio corpo. Queria mesmo era ficar ali, no seu barco, no barco do qual era o capitão. Nunca mais sairia, pois sabia que aquele era o seu lugar.
Se dirigiu então ao castelo de proa. Era sua parte preferida do barco. Era ali que ficava a contemplar o oceano nos dias de calmaria, aquele manto que dividia as extremidades do horizonte com o céu cheio de nuvens.
Sentado no castelo, se sentiu novamente o rei do mar. Os homens vinham e iam. Às vezes vinham crianças brincar no barco. Mas sempre saiam no final da tarde, quando a maré subia. Parte do barco ficava coberto de água. Mas ele dali não arredava. Era o dono, senhor daquele guerreiro do Índico, que acabara a batalha tão bravamente. Sentia orgulho ao lembrar daquela peleja entre seu barco e o furioso Poseidon. Ao deus fora difícil vencer o pequeno e valente guerreiro...
O tempo foi passando. Vez por outra, alguma negra trazia seu sinhozinho para banhar naquela praia. Eles sempre queriam subir no barco, mas eram impedidos pelas preocupadas mucamas. Outras vezes vinham um bando de negrinhos, trepavam no barco, faziam algazarras, banhavam pelados no mar e voltavam correndo para as suas casas.
Sempre via companheiros de navegação passar ao largo. Se dirigiam ao porto. Outros, barcos pesqueiros, menores que o seu, aportavam numa comunidade a poucas centenas de metros dali. Vendia-se e compra-se peixes.
O tempo passava. Já não sabia mais quantos anos ali estivera. Sem sentir frio, sem sentir calor, cansaço ou fome. Apenas ele e seu barco. Suficientes.
Um dia, ouvira um alvoroço. Os portugueses saíam apressados em barcos, carregando o que podiam. Pelas conversas que conseguiu ouvir, soube que tinha sido declarada a independência da nação de Moçambique. O lugar não mais pertencia a Portugal. Era terra dos negros. Ora, afinal errara o padre. São, sim, homens, os negros. Via-os, agora, a passear pela praia, com a cabeça erguida e, no olhar, aquele orgulho próprio de quem reconhece em si mesmo a humanidade.
Homens continuaram vindo e indo. Roupas diferentes, cores diferentes, idiomas diferentes.
Essa manhã, que lhe aparentava ser um sábado, viu vindo um grupo de jovens. Reconheceu o idioma português, mas com um sotaque diferente. De qualquer modo, não pareciam portugueses. Foram chegando e, como ouvira muitas vezes antes, ouviu exclamações de espanto diante do seu barco. Um deles, recuperado o choque inicial da contemplação do barco, tirou logo parte da roupa e correu em direção ao oceano. Outro sacou uma maquina da bolsa. Reconheceu a máquina. Era uma camera fotográfica. Tinha visto uma quando fora em Londres com a esposa. Tirara uma fotografia que exibia na sala-de-estar de casa. Mas esta que o jovem exibia era bem menor que aquela. Parecia também muito mais leve e moderna. Ele a levava pendurada no pescoço. Não quis pensar sobre isso. Não se interessava por câmeras fotográficas. Apenas fez a pose de capitão do barco enquanto o rapaz se posicionava em vários angulos diferentes.
Dois dos visitantes deitaram sobre a sombra da almeida do seu barco. Ali, pela conversa, soube serem eles um grupo de brasileiros que trabalhavam como voluntários numa organização que ajudava no desenvolvimento do país. O capitão ficou feliz com aquele ato de cortesia entre os países irmãos. Do seu rosto nasceu um discreto sorriso de sexagenário.
Outras duas mulheres que estavam no grupo encontraram um lugar ao sol, deitadas em um pano estendido sobre a areia. Ainda fazendo parte do grupo, um outro que notou não ser brasileiro. Este falava inglês e deveria ser do Zimbabwe, como vira muitos outros com o mesmo sotaque naquela praia anteriomente.
Um grupo de adolescentes gritavam e pulavam na água, muito agitados e despreocupados, como convém aos de pouca idade. Logo, vieram se acercar dos brasileiros e sentaram-se todos no casco do barco, conversando animadamente sobre pensamentos que povoam a mente dos jovens.
Depois, todos eles se foram e só restou um brasileiro, aquele que antes correra em direção a água. Olhou para os lados e não viu seus amigos. Então se aproximou mais do castelo de proa e ficou a olhar e a tocar o barco. Seus olhos se perdiam naquela contemplação. O capitão, então, parou por um momento e se interessou por aquela cena. Se pudesse, queria saber o que se passava na mente daquele rapaz. De alguma forma, quis que o rapaz estivesse pensando no capitão daquele barco. Na tripulação que morrera, na tripulação que se salvara. Porque o capitão sabia que, de alguma forma, aqueles gritos ainda ecoavam. Os comandos, os desesperos, os desfalecimentos, as esperanças, o adeus. Ainda podiam ser percebidos por aqueles que possuem ouvidos.



Monday, September 7, 2009

O ditador

O ditador vai ao médico:

- E a pressão, doutor?

- O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem.

E a libido vence o pietismo

“Tudo aqui manda pecar e peca - desde a cigana-do-mato e a mucama, cipós libidinosos, de flores poliandras, até os cogumelos cinzentos, de aspirações mui terrenas, e a erótica catuaba, cujas folhas, por mais amarrotadas que sejam, sempre voltam, bruscas, a se retesar.” João Guimarães Rosa

Na praia, assim que cheguei, conheci um grupo de adolescentes e jovens muito animados. Entabulamos uma conversa e um rapaz que falava mais pelo grupo disse que faziam parte de uma igreja tal. Conheço a mesma igreja no Brasil. É de um segmento neopentecostal, conhecida pela enorme adesão de jovens. Aqui, pelo que vi, não é diferente. De fato, a maioria dos segmentos do movimento neopentecostal tem como foco principal os jovens e adolescentes. Os cultos acabaram com a liturgia tradicional e tem como centralidade um período – o mais longo do culto – de louvores e músicas “de jovens”, com oportunidade de se dançar, pular, correr, suar, gritar. Tudo com muita euforia, num afã de histeria coletiva. A própria homilia é toda voltada pra temas recheados de pensamento positivo, teologia da prosperidade, vida com propósito, etc. Tudo que atrai um ser humano na difícil fase da juventude, de vazio existencial, facilmente preenchido por qualquer ideologia da moda, onde somos o nosso maior desconhecido e o ideário do Poder Jovem nos diz que somos tudo. Além disso, grande parte da programação dessas igrejas são voltadas aos jovens na forma de encontros, retiros, células, estudos e saídas pra “balada gospel”.
Todo esse ganho a partir desse sentimento de integrar-se em algo maior que si mesmo tem um preço. As igrejas neopentecostais usam de uma agressiva doutrinação pietista, principalmente nas questões ligadas ao corpo, como o sexo e dinheiro. Prometem aos jovens que, uma vez seguidas essas regras, Deus lhes garantirá um casamento feliz e um futuro profissional brilhante. E quem não tem problemas sentimentais? Que jovem não se preocupa com sua carreira? Está resolvido o problema. A igreja oferece um sistema pietista de namoro (namoro de côrte) e um sistema de dízimos e ofertas de causar inveja no Papa medieval mais avarento. Se você não gosta de MacDonalds, saiba que os americanos exportam coisa pior...

A lembrança disso tudo me fez sorrir ao ver aqueles jovens. E me fez lembrar o trecho de Sagarana que neste texto serve de epígrafe. Esse é o país da libido sexual. Tudo aqui, de forma muito forte, manda pecar e peca. Os jovens estavam ali num período de descanso de um retiro. Ora, se você já foi num retiro desses no Brasil, sabe que esse é o momento de reafirmação da confissão de fé, onde, entre histerias e profecias, os jovens se arrependem e ficam pelo menos uma semana sem se masturbarem. Mas ali, naquele momento de intervalo, eu vi cenas de fazer Craig Hill bater o tamanquinho em chiliques de madame, o pior pesadelo de Jaime Kemp. Enquanto o dito rapaz me repetia as frases de efeito ouvidas no retiro (que eu já conhecia e já tinha ouvido à exaustão), uma menina se trocava na frente de outro rapazinho, tirando toda a roupa e fazendo cara de satisfeita quando notava que ele se deliciava naqueles seios. Outros, mais afoitos, se dirigiam, aos pares, para umas ruínas ali perto, na certa para fazerem algo de diferente do que seja refletir sobre as palavras dos líderes no retiro...
Então, perguntei ao rapaz que tipo de assuntos eles ensinavam no retiro. Sim, eram temas padrões de todo retiro neopentecostal. Então perguntei se eles deixavam de fazer sexo. Ele deu um sorriso, apenas. Disse que gostava mesmo da parte que ensinava o jovem a não roubar e a ir pra escola.

Fiquei feliz por Moçambique. A cultura erótica os protegeu de serem afetados por essas aberrações que o Brasil, por outro lado, aprende rápido do decadente puritanismo norte-americano. Aqui, à parte de ouvir o rapaz dizendo chavões como “Deus é tremendo”, estive com uma pessoa com um ótimo papo, diferente do tipo-padrão de jovens neuróticos do neopentecostalismo brasileiro, com quem é impossível ter uma conversa saudável.

Visita a Beira

Desde sexta-feira estive na cidade de Beira, capital da província de Sofala, uma das maiores e mais importantes cidades do país. Ali, o moderno e o provinciano não coram em andar de mãos dadas. Prédios, carrões, casebres, carroças, esgoto à céu-aberto, feiras, grandes supermercados, menino maltrapilho, mulher lavadeira, uma reunião de determinada seita, um cantico que vem da mesquita, sinos de outra sé, doutor deputado, negro, branco, hindu e mulato. Está tudo ali, morando a vizinhança.
Beira é importante também em relação ao passado. Ali era a principal rota de acesso da colonização portuguesa ao interior do continente, por meio do Rio Pungue, fazendo a ligação até o Zimbabwe.

Primeira parada depois do descanso da viagem foi a borda moçambicana do Oceano Índico, na praia do Estoril, que tem uma vista singular: um farol e a carcaça de um navio em partes soterrado na areia da praia. Verdadeiro cartão postal!

Foi ali também que, depois de alguns minutos de caminhada na praia, encontrei uma comunidade de pescadores: várias casas de palha na beira do oceano, com vários barcos e aquele cheiro de peixe. Era a hora que os barcos voltavam do oceano e eu corri pra ajudar um que aportava, pra fazer um amigo e perguntar se o mar estava pra peixe. Depois de levarmos o barco pra uma distãncia segura na praia, como em todo relacionamento  moçambicano, vieram os abraços e sinais que poderiam muito bem indicar que nossa amizade era desde a nossa infância.

Eles me mostraram os peixes, inclusive dois cações, um peixe-martelo e duas enguias. Nas enguias o pescador me fez um preço camarada, que comprei só pra experimentar. Comprei ainda um peixe de mais de 2 quilos pela metade do preço do mercado, que garantiu a nossa janta naquele dia.



Eleições

Moçambique esse ano terá seu quarto processo eleitoral presidencial, no proximo 28 de outubro. Dessa vez, no entanto, a eleição também terá, no mesmo pleito, a escolha dos representantes assembléias provinciais e distritais.
Os presidenciáveis são Armando Guebuza, candidato à reeleição pelo partido Frelimo, Afonso Dhlakama, pelo partido Renamo, e Daviz Simango, do partido MDM.
A Frelimo governa o país por 34 anos, desde a independência. Naquele tempo, era partido único, uma vez que o país vivia um regime socialista. A guerra de desestabilização, promovida pela Renamo, tinha como objetivo principal o fim do regime de partido único e a instauração da democracia.
O candidato da Renamo é um dissidente da Frelimo que saiu por não concordar com as idéias socialistas e a administração da Frelimo, e disputa sua quarta eleição concorrendo contra a Frelimo.
Vindo da cidade de Beira, o edil (prefeito, para os brazucas) Daviz Simango, é a esperança do partido MDM. Filho de Uria Simango, vice-presidente e um dos fundadores da Frelimo, à época da morte de Eduardo Mondlane deveria ter sido seu presidente, mas foi vetado e partilhou do poder num triunvirato com Samora Machel e Marcelino dos Santos. No mesmo ano (1969) foi expulso do partido, fugiu do país e voltou em 1974, fundando o partido PCN. Quando a Frelimo assumiu o poder após a independencia, Uria Simango foi preso e forçado a confessar crimes, inclusive o assassinato de Eduardo Mondlane. Desde então seu corpo nunca foi encontrado, bem como de outros membros do PCN. Seu filho, agora edil de Beira, virá para esta eleição com um discurso de justiça pela morte do pai.

Um conselho, dos bons...

Conselho, se fosse bom, não seria dado. Então, estou a vender um, que abaixo segue. Sobre as formas de pagamento, aceitamos depósito bancário, cash, western union e cheques (que tenham provisão de fundos).

Se você viveu os ultimos anos no Brasil recebendo qualquer regular informação, por meios que podem ir desde TV à cabo até conversas de botequim, sabe da briga entre o clã Marinho, donos das Organizações Globo de Comunicação (que controla boa parte do mercado brasileiro de televisão, jornais, rádios, revistas, produção cinematográfica, etc), e o bispo Edir Macedo, dono da Igreja Universal, da Central Record de Comunicação e de 15 milhões de fiéis mentes ao redor do mundo.
Como era de se prever, o encontro destes dois titãs do controle de massa no solo brasileiro foi seguido de intenso combate, que se protrai no tempo desde que o gigante Edir venceu a disputa pela compra da TV Record. Mas esse derrota não intimidou o gigante Marinho, que se levantou, limpou a poeira e, novamente, se preparou para um novo ataque.
Outro combate memorável se deu quando o bispo Von Helde, num programa da TV Record, numa preocupação extremada de demonstrar a ineficiência de uma escultura de Nossa Senhora Aparecida, “chutou a santa” e, não se contendo, fez críticas de ordem estética ao escultor, chamando a santa de “bicho tão feio, horrível e desgraçado”. A Rede Globo, então, encontrou no evento uma chance de vencer uma batalha: a imagem do goleador de santas repetiu-se mais que avião de árabe aterrizando no World Trade Center. Diante da comoção nacional, o bispo supostamente arrependido pediu desculpas pelo ultraje a culto e sumiu dentro de alguma igreja récem-aberta na África do Sul.
Malas recheadas com milhões, denúncias de ambos os lados sobre quaisquer futilidades e foi se formando a arena onde o troféu é o cérebro do povo brasileiro.
No último ano, novamente vimos toda a efusão combativa dos nossos titãs, quando a Igreja Universal aparentemente orquestrou um plano onde vários fiéis, em diferentes cidades, entravam com ações contra jornais e televisões que criticassem o estilo de vida “macedônico”. Como não existe crime perfeito, ao se compararem as petições iniciais dos diferentes e aparentemente desconexos processos, notou-se que poucas palavras guardavam de diferentes. Possivelmente teria sido escrito pelo mesmo advogado e distribuídas pelas diferentes cidades dos rincões brasileiros. A direção da igreja se restringiu à negação geral das acusações de obstrução da justiça e litigância de má-fé. Se tivessem falado que o mesmo anjo ditou as diferentes petições aos “profetas” usando o mesmo vernáculo, eu, como homem de grande fé que sou, teria acreditado.

Sim, toda esta xaropada acima serve pra um propósito. Seguido do conselho.

O fato é que a filial da Igreja Universal, digo, da TV Record em Moçambique, Rede Miramar de Televisão, tem obtido altos índices de audiência no país, garatido pela grande aceitação por parte de todos os segmentos sociais do país, transmitindo (pasmem!) novela brasileira produzida pela Rede Globo!
Isso é um exemplo de companheirismo, de amizade, de que os gigantes podem andar de mãos juntas...
E qual é o slogan da TV Miramar? “Tudo a ver com você”!
Então, quando forem brigar, nobres gigantes, lembrem-se o quão amigos vocês são nas terras moçambicanas, dêem as mãos e cantem “we’re happy to be together”...

feriado nacional

Dia 07 de setembro, feriado nacional. Em Moçambique também.

Foi no dia 07 de setembro do ano de 1974 que se consolidou o Acordo de Lusaka entre Portugal e Moçambique, que preparou o processo de descolonização e fixou como data final da transição para a total independência o dia 25 de junho de 1975. Esse acordo pôs fim a 10 anos de guerra pela independência.

Como no Brasil, enquanto o acordo estava sendo negociado entre a metrópole e a colônia, os colonos portugueses que moravam em Moçambique se revoltaram contra o acordo. Aqui, eles invadiram uma estação de rádio, um presídio, o aeroporto e outros orgãos. Mas a ordem estava dada na metrópole. A Frelimo, partido político à frente do processo, voltou para a capital já como governo provisório na transição.

Livros pra comida, prato pra educação

Semana passada, dando aula para a turma dos futuros professores, fiz uma enquete: Quantos livros os senhores leram semana passada? Nenhuma resposta. Mudei a pergunta: Quem leu um livro nesse mês que passou? Silêncio. Dois meses atrás? Nada. Três meses? Uma mão levantada dessa vez. Alguém leu um livro no último semestre? Outra tímida mão surge. Com muita coragem, fiz a pergunta: Algum dos que não levantaram a mão antes leu um livro esse ano? Mais ninguém.

Era a minha primeira aula de interpretação de texto e não preciso dizer o resultado do exercício. Se não têm o hábito da leitura, não poderiam mesmo interpretar um texto. Mesmo que eu tenha lido o texto antes do exercício e tecido comentários, facilitando em muito a resposta de simples perguntas sobre o texto, o resultado foi triste.

Ora, se você me conhece, sabe que não sou o tipo perfeccionista. Não tenho disciplina, leio o que gosto e nunca fiz tabelinhas de leituras. Li 4 livros a semana passada, me sinto atrasado por isso e às vezes (só às vezes) sinto culpado por minutos de sono excedentes.

Mas como um professor pode ficar um ano sem ler outro livro que não seja aquele usado para preparar a aula que vai dar no dia seguinte?

Hoje deixei de lado o plano que fiz para as minhas aulas e vou trabalhar mais leituras. Essa vai ser minha nova obsessão.