"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Wednesday, October 31, 2012

Sobre justiça como distribuição


“Se não houvesse a escassez, não haveria necessidade da justiça”, numa tradução livre de um trecho de Enquiries, de Hume.

Para explicar o contexto em que este trecho está inserido, basta dizer que, para o filósofo, a justiça perderia sua utilidade social nos casos de abundância absoluta ou de escassez absoluta. Como vivemos, no entanto, no mundo da abundância limitada (ou escassez limitada), a desigualdade nos haveres (propriedade) é útil porque é justa.

Este trecho é, talvez, o argumento mais forte contra a ideia tão comum de que a expropriação e distribuição de bens pelo Estado poderia garantir um mundo onde todos teriam suas necessidades satisfeitas. Essa visão do Estado Robin Hood, que tira dos ricos para dar aos pobres, base do pensamento marxista, é ideia disseminada mesmo na cabeça de pessoas que não se afirmam seguidores de Marx, mas que a reproduzem por mera repetição.

Na verdade, bens limitados e necessidades humanas ilimitadas são não apenas noções cediças no pensamento econômico clássico, mas a própria razão da existência da ciência econômica, mas, como ironizou Roberto Campos, quando Marx afirmou que bastava distribuir para  acabar com os males do mundo, foi fatal: "os socialistas nunca mais entenderam a escassez." Alguns críticos de Marx, inclusive, questionam o fato de que, sendo Hume um filósofo tão relevante e conhecido na época de Marx, não foi citado nas obras deste com o fito de refutação ou recolocação dos argumentos daquele. Faz parecer que Marx, um escritor combativo, evitou este debate em especial dado a força dos argumentos de Hume.

A idéia de justiça como distribuição igualitária (das mesmas coisas em mesmas quantidades), além de ilusória, é, em verdade, absolutamente desigual. Primeiro porque não é possível obter o consentimento de todos os envolvidos e, segundo, porque ela parte do pressuposto de que as necessidades de todas as pessoas são parecidas, o que não é verdade, a não ser no mundo utópico de Aldous Huxley, onde o estado super-poderoso condicionava os cidadãos desde antes do nascimento para preferir isto e preterir aquilo.

Ao poder estatal totalitário e planejador junta-se, então, um terceiro papel, qual seja, o de repressor da liberdade de escolha, para que este igualitarismo possa sobreviver. O totalitarismo repressor não é, portanto, mero acidente de percurso, mas conditio sine qua non para que este regime político funcione. Queira o que está sendo igualitariamente distribuído ou seja enviado aos gulag.

Ainda em tempo, junte-se este anseio ilusório do “perfeito mundo possível” ao paternalismo político, tão comum nos povos românticos (latinos), e está formado o retrato do mindset dos bem pensantes, politicamente corretos, demagogos políticos e jornalistas desinformados deste país. São os fundamentalistas da religião civil onde o Estado resolverá todos os seus problemas, basta acreditar.

No comments:

Post a Comment