"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Sunday, February 12, 2017

Nova direita, erros antigos

Voegelin dizia que não existe comunhão de linguagem com os representantes de ideologias, porque estes operam por meio daquilo que Sir Roger Bacon classificou como “ídolos”, símbolos lingüísticos que perderam o seu contato com a realidade e apenas expressam a alienação ideológica do seu portador. Numa era como a nossa, onde a linguagem foi tão degradada e corrompida, uma pessoa que pretenda refletir honestamente sobre os problemas do seu tempo precisará, antes, identificar e demolir estes topoi.

E o topos do dia é a afirmação, diante da paralisação da polícia militar, de que esta classe profissional precisa ser defendida sempre e incondicionalmente, mesmo após a ação omissiva de usarem as suas famílias como barreira humana que permitisse uma paralisação sem punição militar.

A paralisação da PM no Espírito Santo criou um vácuo institucional que causou não só um pandemônio de degradações, invasões de propriedades e furtos, como a morte de mais de 60 pessoas. O cenário do dia seguinte ao fim da paralisação não deixaria a desejar a nenhum vandalismo black bloc, no melhor estilo de caos social proposto pelos frankfurtianos como um meio de destruição do status quo. E, em irradiação semelhante às manifestações black blocs, ouvem-se burburinhos de paralisações semelhantes no estado do Rio de Janeiro e Minas Gerais. “Coincidência”, dirão!

Não obstante, ideólogos de direita imediatamente passaram a defender a ação irresponsável da polícia sob a alegação de que... bem, de que “é preciso defender a PM”. Simples assim. O lugar-comum surge instantaneamente na boca de todos, como substituto de uma detida, inteligente e responsável reflexão sobre os efeitos reais da ação. Puro fetiche mental!

A primeira coisa que não lhes ocorre é que a defesa da PM é um corolário da defesa de um princípio que é anterior a instituição militar, qual seja, o princípio da ordem social. A PM deve ser defendida contra os ataques dos inimigos da ordem enquanto ela seja uma instituição que garanta esta ordem. A ordem política é o conjunto de instituições e normas que garantem a possibilidade de relações harmoniosas entre os indivíduos de uma sociedade. Se os membros de quaisquer destas instituições se recusam a cumprir o seu dever, permitindo que a anomia se instaure, defender esta recusa é promover o próprio estado de anomia.

Todos os teóricos comunistas concordam que estimular um estado de caos e desordem é a melhor maneira de concentrar o poder nas mãos de um partido revolucionário. Não é sem razão que os partidos de esquerda rapidamente vieram em defesa da greve da polícia.

Para uma esquerda que tem conseguido aparelhar boa parte das instituições do estado brasileiro para os seus propósitos revolucionários, os policiais militares sempre foram a categoria do funcionalismo público que se manteve como um intrépido desafio, pois seu regime laboral militar está protegido contra o controle sindical. É por isso – e só por isso – que a esquerda advoga a desmilitarização da polícia.

Agora, porém, foi descoberta uma nova forma de usar os policiais contra a própria instituição, instilando as famílias (e basta ouvir os áudios das convocações para identificar as várias palavras de ordem típicas de sindicatos) a impedirem seus maridos policiais de deixarem os quartéis.

É pueril o pensamento de que a paralisação da polícia militar possa beneficiar qualquer avanço da direita na atual conjuntura política. Se, no longo prazo, o estado de anomia beneficia a revolução cultural marxista, no curto cria instabilidade social suficiente para trazer o PT de volta ao poder nas eleições de 2018 como o salvador do país e restituidor da paz.

Mas o maior erro dos ideólogos que “defendem a polícia a qualquer custo” advém de uma incapacidade de aplicar os princípios conservadores ao caso real. Não lhes ocorre que qualquer reivindicação, por mais justa que seja, não pode se sobrepor a defesa e a proteção da vida humana. Se a direita tem razão ao criticar as utopias de esquerda que assassinaram 150 milhões de pessoas pela promessa ideológica do socialismo de instauração do paraíso terreno, agora cometem o mesmo erro, ao defender o ato irresponsável da PM que conduziu – como previamente era sabido que conduziria – à morte de tantas pessoas e ao caos instalado.

Ao colocarem a defesa da vida, da lei e da ordem abaixo da defesa de uma instituição, o ideólogo está substituindo um pensamento político por um slogan político. Cometem o mesmo erro apontado por Russell Kirk, em seu A Política da Prudência, perpetrado pelos neocons americanos, que abandonaram a defesa das coisas permanentes para abraçarem dogmas ideológicos, como a política externa expansionista.

Recuperar a realidade a partir das deformações contemporâneas, como propõe Voegelin, requer o tremendo esforço de reconstruir as “categorias fundamentais de existência, experiência, consciência e realidade”. Demolir estas deformações no nosso tempo é trabalho para aqueles que não devem satisfações a nenhum programa político ou ideológico, mas à sua própria consciência. É fazermos a pergunta de T.S.Elliot, “onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento?” e orientarmos as nossas escolhas políticas pela virtude da prudência, aquela que, segundo Platão e Edmund Burke, é a virtude mais necessária ao estadista.


A ideologia anima os homens padronizados, como diria G. Orwell, “que pensam em slogans e falam em balas de revólver”. A nova direita brasileira, pelo visto, já nasceu com erros antigos.

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