Voegelin dizia que não existe comunhão de linguagem com os
representantes de ideologias, porque estes operam por meio daquilo que Sir
Roger Bacon classificou como “ídolos”, símbolos
lingüísticos que perderam o seu contato com a realidade e apenas expressam a
alienação ideológica do seu portador. Numa era como a nossa, onde a linguagem
foi tão degradada e corrompida, uma pessoa que pretenda refletir honestamente
sobre os problemas do seu tempo precisará, antes, identificar e demolir estes topoi.
E o topos do dia é
a afirmação, diante da paralisação da polícia militar, de que esta classe
profissional precisa ser defendida sempre e incondicionalmente, mesmo após a
ação omissiva de usarem as suas famílias como barreira humana que permitisse
uma paralisação sem punição militar.
A paralisação da PM no Espírito Santo criou um vácuo
institucional que causou não só um pandemônio de degradações, invasões de
propriedades e furtos, como a morte de mais de 60 pessoas. O cenário do dia
seguinte ao fim da paralisação não deixaria a desejar a nenhum vandalismo black
bloc, no melhor estilo de caos social proposto pelos frankfurtianos como um
meio de destruição do status quo. E,
em irradiação semelhante às manifestações black blocs, ouvem-se burburinhos de
paralisações semelhantes no estado do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
“Coincidência”, dirão!
Não obstante, ideólogos de direita imediatamente passaram a
defender a ação irresponsável da polícia sob a alegação de que... bem, de que “é
preciso defender a PM”. Simples assim. O lugar-comum surge instantaneamente na
boca de todos, como substituto de uma detida, inteligente e responsável
reflexão sobre os efeitos reais da ação. Puro fetiche mental!
A primeira coisa que não lhes ocorre é que a defesa da PM é
um corolário da defesa de um princípio que é anterior a instituição militar,
qual seja, o princípio da ordem social. A PM deve ser defendida contra os
ataques dos inimigos da ordem enquanto ela seja uma instituição que garanta
esta ordem. A ordem política é o conjunto de instituições e normas que garantem
a possibilidade de relações harmoniosas entre os indivíduos de uma sociedade.
Se os membros de quaisquer destas instituições se recusam a cumprir o seu
dever, permitindo que a anomia se instaure, defender esta recusa é promover o
próprio estado de anomia.
Todos os teóricos comunistas concordam que estimular um
estado de caos e desordem é a melhor maneira de concentrar o poder nas mãos de
um partido revolucionário. Não é sem razão que os partidos de esquerda
rapidamente vieram em defesa da greve da polícia.
Para uma esquerda que tem conseguido aparelhar boa parte das
instituições do estado brasileiro para os seus propósitos revolucionários, os
policiais militares sempre foram a categoria do funcionalismo público que se
manteve como um intrépido desafio, pois seu regime laboral militar está
protegido contra o controle sindical. É por isso – e só por isso – que a
esquerda advoga a desmilitarização da polícia.
Agora, porém, foi descoberta uma nova forma de usar os
policiais contra a própria instituição, instilando as famílias (e basta ouvir
os áudios das convocações para identificar as várias palavras de ordem típicas
de sindicatos) a impedirem seus maridos policiais de deixarem os quartéis.
É pueril o pensamento de que a paralisação da polícia
militar possa beneficiar qualquer avanço da direita na atual conjuntura
política. Se, no longo prazo, o estado de anomia beneficia a revolução cultural
marxista, no curto cria instabilidade social suficiente para trazer o PT de
volta ao poder nas eleições de 2018 como o salvador do país e restituidor da
paz.
Mas o maior erro dos ideólogos que “defendem a polícia a
qualquer custo” advém de uma incapacidade de aplicar os princípios
conservadores ao caso real. Não lhes ocorre que qualquer reivindicação, por
mais justa que seja, não pode se sobrepor a defesa e a proteção da vida humana.
Se a direita tem razão ao criticar as utopias de esquerda que assassinaram 150
milhões de pessoas pela promessa ideológica do socialismo de instauração do
paraíso terreno, agora cometem o mesmo erro, ao defender o ato irresponsável da
PM que conduziu – como previamente era sabido que conduziria – à morte de
tantas pessoas e ao caos instalado.
Ao colocarem a defesa da vida, da lei e da ordem abaixo da
defesa de uma instituição, o ideólogo está substituindo um pensamento político
por um slogan político. Cometem o mesmo erro apontado por Russell Kirk, em seu
A Política da Prudência, perpetrado pelos neocons americanos, que abandonaram a
defesa das coisas permanentes para abraçarem dogmas ideológicos, como a
política externa expansionista.
Recuperar a realidade a partir das deformações
contemporâneas, como propõe Voegelin, requer o tremendo esforço de reconstruir
as “categorias fundamentais de existência, experiência, consciência e realidade”.
Demolir estas deformações no nosso tempo é trabalho para aqueles que não devem
satisfações a nenhum programa político ou ideológico, mas à sua própria
consciência. É fazermos a pergunta de T.S.Elliot, “onde está a sabedoria que
perdemos com o conhecimento?” e orientarmos as nossas escolhas políticas pela
virtude da prudência, aquela que, segundo Platão e Edmund Burke, é a virtude
mais necessária ao estadista.
A ideologia anima os homens padronizados, como diria G.
Orwell, “que pensam em slogans e falam em balas de revólver”. A nova direita
brasileira, pelo visto, já nasceu com erros antigos.
Perfeito! Congratulations!!! Vamos compartilhar!
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ReplyDeleteLeituras competentes e ótimas análises. Obrigada.
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