Desde o desaparecimento do liberalismo clássico a economia do
tipo intervencionista tem sido o modelo dominante na maioria dos países do
mundo, qual seja, o sistema de mercado controlado, em que a propriedade privada
dos meios de produção é mantida, mas as ações dos seus proprietários são restringidas por ordens autoritárias do Estado. Ou, como disse Othmar
Spann, citado por Von Mises, é o sistema de propriedade privada em sentido
formal, mas um socialismo em essência.
Este regime é reputado, com razão, como mercantilista,
protecionista ou proto-capitalista. Sim, de fato, é um retorno ao protecionismo do século XVIII.
Quem poderia contestar que a mentalidade que rege as decisões no âmbito econômico
no Brasil, por exemplo, não seja um conjunto de medidas econômicas no sentido
de favorecer as atividades internas em detrimento da concorrência estrangeira?
Podem discordar, talvez, dos resultados de tal política econômica, ou se estes
resultados são benéficos ou maléficos, mas qualquer observador frio e apto concluirá
que o que chamamos neoliberalismo está mais próximo de um neomercantilismo.
Para fins de comparação entre o mercantilismo do século XVIII e o atual, basta que atentemos aos principais princípios daquele sistema econômico e a ideologia que norteia as decisões politico-econômicas hodiernas: metalismo, com o fim de evitar a saída de metais preciosos (ou a produção nacional?); incentivos às manufaturas, em detrimento da produção agrícola; protecionismo alfandegário por meio principalmente de tarifas; balança comercial favorável; soma zero, que acredita que o lucro de uma parte redunda na perda da outra; etc. Qualquer semelhança com a política econômica do PT, por exemplo, não é mera coincidência.
Para fins de comparação entre o mercantilismo do século XVIII e o atual, basta que atentemos aos principais princípios daquele sistema econômico e a ideologia que norteia as decisões politico-econômicas hodiernas: metalismo, com o fim de evitar a saída de metais preciosos (ou a produção nacional?); incentivos às manufaturas, em detrimento da produção agrícola; protecionismo alfandegário por meio principalmente de tarifas; balança comercial favorável; soma zero, que acredita que o lucro de uma parte redunda na perda da outra; etc. Qualquer semelhança com a política econômica do PT, por exemplo, não é mera coincidência.
Ora, o fato de ser este um regime misto, habitando aquela
zona cinzenta entre o capitalismo liberal e o socialismo, nos faz questionar as
razões porque este sistema não se desintegra ou não se torna, de uma vez,
capitalista ou socialista. Sendo o intervencionismo tão prejudicial a todas as
classes sociais, não podemos afirmar que é meramente uma ideologia o que mantém
esse sistema intacto. Ora, mais dias, menos dias, as classes trabalhadoras, por
exemplo, insurgiriam contra um sistema que, por meio dos sindicatos e da
elevação artificial dos salários (instituição do salário mínimo), criou o
desemprego como uma instituição permanente, diferente tanto do sistema capitalista
liberal, em que o desemprego é uma situação temporária de adaptação ao mercado
de trabalho, quanto do sistema socialista, para o que o desemprego é resolvido
com a integração forçada do trabalhador na máquina de produção estatal.
Ou talvez se insurgiria a classe dos empresários e
empreendedores, insatisfeitos que são em relação ás restrições de produção, aos
impostos, às pressões sindicais, às intervenções nos preços, etc. Talvez esta
classe social, mais esclarecida ou com melhores meios de se fazer ouvir sua voz
no seio da polis, poderia se insurgir contra o sistema intervencionista em que
vivemos. Mas por que não o fazem? Por que um sistema que tem causado tanta
desigualdade e desemprego não é, de uma vez, escorraçado e relegado aos porões
da História humana?
Ora, vejam que a falência deste sistema é normalmente
censurada exclusivamente no que toca às leis, que não são aplicadas com
profundidade. Ou seja, diante do fracasso de um sistema em que o estado intervém,
o cidadão pede por mais leis e mais intervenção do Estado nas situações
cotidianas. Por incrível e estranho que possa parecer, a corrupção dos órgãos do governo não abala a
confiança na infalibilidade do estado, mas provoca repugnância em relação aos
empresários, empreendedores e capitalistas.
Não será por meio do cumprimento estrito da lei, como
querem os socialistas, que se alcançará o paraíso na terra. Se todas as leis
intervencionistas fossem observadas, as engrenagens terminariam emperradas pela
força inoperante e burocrática do estado.
Como exemplo, não imaginário porque foi uma situação específica
na Inglaterra quando este país testava as primeiras teorias socialistas que
surgiam, vamos analisar o caso do controle do preço do leite. Os produtores de
leite aumentam o preço do leite para poderem honrar com os custos da produção.
O estado, então, sempre preocupado com o bem-estar social, buscando o interesse
comum sobre o interesse privado, estabelece preços máximos para o leite e
ameaça prender os produtores que não obedecerem à ordem intervencionista.
Uma vez que o leite não fica tão barato como gostariam os
consumidores, estes culpam o fato de que as leis não foram suficientemente
severas. Na verdade, se os preços fossem mantidos tão baixos, em pouco tempo
não haveria mais oferta de leite, ou seja, o fornecimento seria interrompido. Oferta
e demanda, regrinha básica de economia que os socialistas não gostam, certo?
Qual o caminho possível para que o leite continue a chegar à
mesa do cidadão? Se o consumidor ainda consegue leite, é porque algum produtor
está burlando a lei e vendendo acima do preço taxado, além de, provavelmente,
estar pagando suborno para o funcionário público responsável pela fiscalização.
Não precisamos aqui questionar quem, se o estado ou o produtor corrompido, faz
mais para o bem público. Claro que o produtor que paga propina para levar seu
produto à mesa do consumidor, agindo à revelia da lei e por razões egoístas,
serve mais ao interesse público, movido pelo interesse de evitar o prejuízo que
teria se tivesse obedecido à lei. A decadência ética da conduta empresarial é a
decorrência inevitável das intervenções.
Um exemplo mais atual foi testemunhado por mim quando da
minha viagem ao Zimbábue e foi narrado neste blog. Na minha segunda viagem ao
país, a van em que viajávamos saiu da estrada principal e, depois de vários
minutos mata adentro, chegamos a um sítio onde se cozinhava diesel ilegal para
o fornecimento aos motoristas daquela região. A ausência de diesel no mercado
se deu porque o governo zimbabuano interviu no preço do óleo de forma muito
severa e mandou prender os fornecedores que desobedecessem à ordem, fazendo com
que o produto sumisse do mercado, fazendo com que o consumidor tivesse que se
valer de métodos ilegais para conseguir continuar a viagem.
Vejam que num caso desses, a população normalmente não
questiona a ação governamental, mas a atitude “iníqua” de desobediência às leis
e a ausência de uma aplicação mais severa das leis. Inclusive, no caso
zimbabuano nem ao menos faltou a prisão de fornecedores que desobedeceram ao
mandamento legal. Acontece que os problemas básicos do intervencionismo não são
questionados. Aqueles que ousam duvidar da validade de tais leis são
normalmente taxados de inimigos do povo ou mercenário.
Von Mises, no seu livro Uma Crítica ao Intervencionismo,
esclarece esta questão com muita propriedade, dizendo que o elemento
equilibrador do intervencionismo é a corrupção. Sem ela, o intervencionismo
certamente se desintegraria e seria substituído pelo socialismo ou pelo
capitalismo liberal. Se não houvesse a saída pela corrupção, o controle de
preços criaria uma situação de escassez generalizada que abriria o caminho para
uma revolta dos famintos que instauraria o socialismo totalitário, ou a revolta
dos empreendedores, o que culminaria na destruição das leis intervencionistas e
a implementação de uma economia puramente liberal.
O intervencionismo coloca nas mãos do governante e do
legislador um enorme poder, sob a alegação de que estes irão proteger os
pequenos e os pobres contra os grandes e capitalistas. A atividade empresarial e
empreendedora é vista como egoísta pelos governos intervencionistas. Para
substituir o efeito considerado nocivo da propriedade privada, os
intervencionistas acreditam que basta deixar o poder na mão de desinteressados
e infatigáveis legisladores e burocratas. Acontece que estes não são anjos.
Logo percebem que as suas ações podem redundar em ganhos ou perdas
significativas para os empresários. Daí surge a oportunidade de partilhar os
ganhos permitidos pelo intervencionismo, por meio de favoritismos na aplicação
de medidas protecionistas.
Por melhores que sejam as leis de licitações, por exemplo,
não existem critérios totalmente neutros e objetivos para a concessão de uma
obra. Ou no caso de uma licença de exportação, a quem deve ser dada ou a quem
deve ser negada? Sempre haverá margem para que funcionários públicos tomem a
decisão baseados em preconceitos e favoritismo, mesmo que seja apenas a
contraprestação do apoio eleitoral, por exemplo.
Assim, como disse Mises, a corrupção é uma consequência
natural do intervencionismo e sua condição
sine que non.
* Esta corrupção a que me refiro não diz respeito àquela
do tipo dos mensaleiros, por exemplo. Ali, a motivação é ligada ao que o
filósofo Olavo de Carvalho acertadamente chama de a mentalidade revolucionária.
Os mensaleiros não pretendiam burlar um empecilho legal à produção de bens ou
serviços e nem ao menos podemos dizer que pretendiam usar o dinheiro
ilegalmente arrecadado para fins de enriquecimento pessoal. Era, sim, uma
corrupção perpetrada com o fito de manutenção e aperfeiçoamento de um projeto
de poder por meio da compra de apoio parlamentar. Qualquer partidário do PT
aplaudirá a atitude dos mensaleiros na medida em que ela serviu ao projeto de
poder do partido, não ao enriquecimento individual. Para os “possuidores” da
mentalidade revolucionária, esta atitude é justificada como um meio para a
implantação do futuro perfeito pregado pelos revolucionários de esquerda.
**Logo após publicar este texto me veio às mãos uma
reportagem sobre o efeito das intervenções estatais do governo brasileiro na
economia. Estas intervenções custaram um prejuízo de 61,6 bilhões de reais só
neste ano, em termos de perdas no valor de mercado de empresas do setor elétrico,
bancário e de telecomunicações e foram causados principalmente pela situação de
incerteza advinda das mudanças de regras, afugentando os investimentos.
Sérgio Lazzarini, escritor de Capitalismo de Laços, afirma
que o “diferencial” do governo Dilma é que, enquanto nos governos Lula e FHC as
intervenções “se davam através de movimentações de bastidores por meio do BNDES
e dos fundos de pensão, as intervenções do governo Dilma são explícitas e
ocorrem por meio de mudanças nas leis ou da utilização das estatais para forçar
a concorrência.” Como sempre ocorre, o governo entende que a finalidade é justa.
É aquela velha história, “é bom para o Brasil, mesmo não sendo bom para você”.
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