"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Friday, December 25, 2009

O fim é o começo – parte amarga

Ao mesmo tempo, eu preciso sair do plano pessoal e tentar uma visão panorâmica do processo de formação de professores. E, nesse momento, o sentimento é outro. Eu não acredito mesmo que deva resolver todos os problemas e nem tenho um plano bem elaborado para transformar o mundo. Precisaria de muita imaturidade e um pouco de imbecilidade para pensar isso. Da mesma forma seria imaturo e infantil o romantismo que não me permitisse olhar com certa distância o que foi feito esse ano na EPF-Chimoio.
No que diz respeito à educação no país, o governo de Moçambique tem se orientado pelos Millenium Goals das Nações Unidas, que fixou metas para o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo. Um dos alvos é a melhoria do sistema educacional e a erradicação do analfabetismo.
Ora, essas metas são baseadas, obviamente, em números. E estes são, por sua vez, ineptos para medir a qualidade da educação. Os números, muitas vezes, servem para maquiar e produzem um efeito inverso daquele esperado. Veja o caso do Brasil, com o seu aumento dos numeros de universidades e de graduados no nível superior, quando descobrimos que, segundo outra combinação de números, mais de 30% deste grupo nas terras tupiniquins são analfabetos funcionais. São incapazes de ler um texto e entendê-lo. O primeiro grupo de números deu uma falsa impressão de que certo problema caminha para a sua solução.
Em Moçambique, a exigência da ONU e a preocupação do governo em resolver esse problema de pressão externa se somam no aumento do problema da educação, transformando o sistema educacional do país numa corrida por formandos.
É o que aconteceu com o programa de formação de professores da ADPP. O período de formação dos professores era de 2 anos e meio até o ano de 2007. A partir de 2008, por pressão do governo moçambicano, a ADPP reduziu o período de formação para apenas 1 ano. Assim, o governo poderá apresentar às Nações Unidas uma bela estatística com inúmeros professores formados e trabalhando nas áreas rurais mais remotas.
Mas, infelizmente, a maioria destes professores não estão preparados para serem aquilo do qual, a partir de agora, estão sendo chamados. Não quero dizer apenas que eles não estão preparados para serem os professores dos meus futuros filhos, mas estão aptos para ajudar no urgente combate ao analfabetismo moçambicano. Não, isso é muito mais sério. Antes de saírem no combate ao analfabetismo, precisaria ter sido combatido o analfabetismo de, talvez, 80% destes alunos. Uma aluna minha, por exemplo, durante uma prática pedagógica, tentava explicar “orações subordinadas adjetivas” aos alunos da escolinha do bairro, sem saber, ela mesmo, o que eram “orações”. Nesse dia, assumi a aula, expliquei para ela e para os alunos o que eram “orações”, o que eram “orações subordinadas”, “orações coordenadas”, até chegar no plano de aula daquele dia... Não era capaz de ler o livro-texto e interpretar. Não saiu, ela mesmo, da escola primária. Aliás, todo esse meu chororô já foi escrito no Golden Cut Report. Mas permitam-me repetir: 1 ano não é suficiente para formar um professor.
O problema não são os alunos-futuros professores. Eles são vítimas, das mais prejudicadas, nesse efeito-dominó dantesco. Saíram da EPF com a informação de que são professores. E, acredite-me, eles acreditaram nessa. Foram enganados pelo Ministério da Educação, pelo Governador da Província (que mandou representante para o evento) e pela EPF-ADPP. E agora se dirigem às comunidades onde irão trabalhar, crendo e espalhando as falsas boas-novas.
E não posso me permitir um otimismo tolo ao dizer que eles vão aprender, porque não vão. Se não aprenderam quando tinham formadores por perto (que não tiveram tempo suficiente para tal), agora eles acreditam que são professores. Tem um diploma para provar e duvido que você os consiga convencer do contrário.
Outro problema é o sistema de ensino, o DmM. Baseado em novas teorias educacionais, é um sistema aberto, onde o aluno acessa um banco de dados e escolhe o que quer aprender. Esse sistema é belo de se explicar, mas na prática não conta com alguns fatores. Primeiro, para um bom desempenho das atividades magisteriais, o formando não pode prescindir de aprender a grande maioria das disciplinas ensinadas no curso de formação de professores. Muito menos num curso que tenha duração de 1 ano. Ao mesmo tempo, ele possui, durante o curso, a ignorância da própria ignorância. Ou seja, ele não sabe o que precisa saber para ser um professor. Ele nunca foi professor antes na vida. Logo, não está apto para decidir o que quer (ou precisa) aprender. Seria como um engenheiro prescindir de aprender geometria espacial. E nesse momento uma ementa tradicional e pré-fabricada (por pior que seja vista pelas teorias educacionais da moda) é a melhor opção.
Além disso, as aulas presenciais na EPF também são “flexíveis”, pois a ementa é decidida a cada 3 semanas pelos formadores, a partir daquela expressão que até hoje eu não sei o que significa: “segundo as necessidades dos alunos”. O fato é que a reunião de decisão das matérias das próximas 3 semanas nunca ocorria. No final, aos formadores eram distribuídas as disciplinas e estes decidiam o que lecionar, sem que houvesse, na maioria das vezes, correspondência e continuidade com aquilo que fora ensinado nas semanas anteriores. Caso houvesse uma ementa tradicional e vinculante, o formador deveria espernear o quanto quisesse contra o autoritarismo da mesma, mas deveria dar aquela aula, seguindo um cronograma com continuidade, o que facilitaria a assimilação do aluno, não mais surpreendido com novidades a cada 3 semanas.
Pior que não ter educação é ter a impressão de que se está educado, sem estar. Isso sim, é o começo do fim.

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