"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Sunday, August 23, 2009

A Batalha

O sol queimava a face daqueles homens. A pele, negra como a noite mais escura, brilhava, refletindo o sol do deserto. O suor que escorre, umidecendo a negritude qual óleo que besunta uma escultura, reforça o brilho daquela raça. São os deuses do deserto. O grupo, armado de coragem e bravura, mira, com fúria no olhar, o inimigo, postado à frente naquele campo que testemunhara tantas vezes batalhas como aquela. São em mesmo número e em mesma intrepidez. Cores diferentes nas suas vestes indicam seus diferentes lados na batalha que está para começar. Mais uma vez haveria a defesa daquele território, como muitas gerações haviam feito antes destes que agora ocupam essa arena.
À frente do grupo que defendia aquele território estava aquele que aparentava ser o líder. Maior em força e tamanho, exibia aos inimigos a robustez dos braços torneados, onde bíceps e tríceps apareciam perfeitamente delineados, dando, juntamente com os avantajados músculos do tórax, a impressão de que ele vestia uma armadura de guerra.
Suas coxas negras exibiam também o mesmo poder, testemunhando a presença anterior em muitas outras batalhas, donde acumularam toda a força e resistência. As pernas, mais finas, davam àquele guerreiro a habilidade do melhor corredor, vantagem naquele campo aberto e repleto de inimigos.
Dele também se via o suor a escorrer pelo corpo, realçando o poder daquela cor tão escura. Seus olhos flamejantes testificam o legado guerreiro da raça. Seu pai, seu avô e muitas gerações passadas visualizam o inimigo por meio daquele olhar. Toda a fúria de um povo forjado na batalha. É sem titubear que, ao contemplar seu físico, os homens da sua tribo se faziam tão confiantes. Parecia mesmo que a batalha já estava ganha. Seus destinos estavam nas mãos daquele herói.
De repente, um agudo som indica o início do combate. Os homens correm na direção de onde estavam os inimigos. As fortes e ágeis pernas saltam após leves toques no chão, dando a impressão de que aqueles homens voam. Todos correm em direções estrategicamente pré-estabelecidas, conhecedores que são daquele tipo de batalha.
Então se dá o encontro com o inimigo. Pernas se chocam bruscamente, violentamente os guerreiros avançam sobre o inimigo. Empurrões, violências, chutes, palavras inaudíveis. O suor se intensifica. Os bravos homens avançam com fúria.
Mas os homens das outras vestes também são bravos. Logo se percebe que aquela não seria uma batalha fácil. Toda a fúria se transforma em secos e súbitos ruídos dos golpes que aquele sol testemunha.
Ouvem-se gritos. São as mulheres daquela tribo, que de longe assistem estupefadas. Seus gritos impulsionam seus homens, lembrando-os do legado que defendem: essas mulheres, seus filhos, seus irmãos, sua tribo.
Essa nova infusão de ânimo encoraja aqueles nobres guerreiros, que avançam com mais violência sobre o inimigo.
Os minutos passam, com cada segundo sendo testemunha de golpes e ataques brutais. Os corpos negros se chocam em movimentos frenéticos. Ágeis giros, pés voam na direção do inimigo. Mais e mais corpos em luta. Alguns caem no chão, mas rapidamente se levantam e voltam à batalha. Revidam-se golpes, intensifica-se o conflito.
O sol se movimenta na direção de se esconder daquela peleja. Teme, talvez. Aquela arena, que tantas vezes fora palco de batalhas como aquela, recebe mais feridas em seu solo.
Os homens já não são tão negros assim. A areia do deserto agora cobrem-lhes os corpos, colorindo um tom acizentado aos guerreiros suados.
Enquanto ouvem-se mais e mais golpes, nota-se que o inimigo pouco a pouco se enfraquece. Alguns não mais correm, mas andam, arquejantes, visivelmente abatidos. Não poderiam vencer aqueles bravos homens. Não poderiam vencer os donos do deserto.
De repente, aquele que era o líder dos bravos aponta os olhos ao objeto que os inimigos estavam a defender. Prepara então seu instrumento de guerra. Naquele instante, um seco som se faz ouvir. É o golpe dado pelo bravo guerreiro. O instrumento de guerra levanta voo, subindo até as alturas.
Todos os corpos param. Os segundos são contados com apreensão. Todos os olhos acompanham aquele instrumento de guerra. Seguem-no, apreensivos, todos. As bocas se entreabrem, assustadas. As mulheres emudecem. O vento silencia. O objeto ainda voa no ar. Todos adivinham aonde ele vai dar. Alguns inimigos tentam esboçar uma reação. Mas é tarde demais. De repente, o grito da vitória. Toda a turba que assistia grita em uníssono:
GOOOOOOOL!!!!!
A bola entra certeira próxima ao vértice das traves. Os guerreiros se aglomeram em comemoração. Os que assistiam invadem o campo, bradando. As mulheres pulam, batendo palmas. E o juiz aponta o centro do campo, marcando um gol para o time de Chimoio contra o time de Gondola.

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