"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Sunday, August 9, 2009

Primeiro dia

Finalmente chegou o grande dia: estou na Africa. Depois de 2 meses de promotion e 6 meses de treinamento e fund raising nas terras do Tio Sam, finalmente aportei na paisagem africana.
Sai de Dowagiac as 11 da manha do dia 05. Karina, minha querida amiga mais brasileira que costariquenha, foi me levar no aeroporto de South Bend, onde deveria pegar um onibus que faz a ligacao South Bend Airport para O`Hare International Airport of Chicago, lugar de partida do meu voo. Tambem foi comigo ate South Bend minha menina, minha namorada Debora. Qualquer dia escrevo com tempo tudo que ela significa pra mim e como foi lindo, especial e magico o tempo que passamos juntos em IICD. Tempo que me mudou pra sempre. Dito isso, pode-se imaginar a dor da separacao e da despedida. Em South Bend eu nao consegui me despedir direito. Nao disse tudo que gostaria, nao consegui acompanha-la no choro, nao consegui expressar como aquilo tudo doia em mim. Mas disse o suficiente para que ela entendesse que eu estava indo, mas a estava levando no meu coracao e nao ia me separar disso. Foi um “ate breve, meu amor”, nao um “adeus”.
Depois dos beijos e choros, entrei no onibus e a viagem para Chicago transcorreu sem maiores transtornos. Ela ocupou meus pensamentos durante todo o percurso. Ja sentia muita saudade, um no na garganta...
Chegando em Chicago, me esqueci de ligar para uma pessoa que tinha me prometido umas doacoes. Aconteceu que, para o check in em Chicago, precisei dar mais de meia hora de explicacoes e mostra de documentos para a atendente da American Airlines. Eu nao tenho visto para Africa do Sul. De fato, nao preciso, uma vez que estou indo pra Mocambique. Quando eu disse isso para a atendente, ela disse que pelo fato de Mocambique ser um estado de Africa do Sul, eu deveria ter visto de Africa do Sul. Depois de alguma conversa sobre geografia, a aplicada aluna acreditou que Mocambique era um pais. Foi quando mostrei minha passagem de onibus ja comprada que faria minha conexao South Africa-Mocambique. Entao surgiu outro fato na perspicaz visao da atendente. O fato era que meu visto de Mocambique tinha apenas 3 meses de extensao e minha passagem de retorno estava para daqui a seis meses. Como sou brasileiro, segundo ela me explicou, nao teria o beneficio da duvida de que pediria extensao do visto depois de passados 3 meses. Entao, eu expliquei que o meu tipo de visto em Mocambique so era concedido com prazo maximo de 3 meses. Mostrei mais alguns papeis, dentre contrato com a Humana People to People e certificado de “ele eh gente fina” (nao, esse eu nao tinha), suficientes apenas para que ela chamasse outra atendente. E la vamos nos novamente. Todas as mesmas perguntas respondidas, muitas navegacoes no sistema e minha cara de fome. Fome mesmo. Se nao fosse a fome, talvez naquele momento eu estaria paciente. Mas eu nao tinha almocado e ja eram quase 4 horas da tarde. O sanduiche que tinha entrado quando sai da IICD (11:00 da manha) ja havia desaparecido, deixando o estomago ansioso por trabalho. Eu demonstrei toda aquela impaciencia e perguntei pras mulheres o que poderia, de fato e com eficiencia, ser feito, quem poderia ser chamado para resolveria aquilo. Entao elas ficaram discutindo entre si para quem seria bom ligar (what a hell!), ate que resolveram ligar pra alguem. O cara gastou muito tempo elogiando a tal atendente e pedindo pra ela repetir de novo a pergunta. Pelo teor das respostas e repeticoes, era a tal cantada barata do “que bonito o seu sotaque”. Ao que ela, benevolentemente, repetiu 4 ou 5 vezes a frase que ele supostamente tinha gostado, com aquela risada de quem quer uma carona depois do trabalho. E a minha fome me dizendo para ficar mais estressado. Maldito Don Juan! Ate que ela me respondeu o obvio: Eu deveria me comprometer a pedir a extensao do visto depois de 3 meses. Era isso que eu tinha dito no inicio, meu saco! E foi assim, sem assinar nada ou qualquer coisa. Ela so disse, qual conselho materno: “Eu vou liberar sua passagem, mas voce tem que prometer pedir a extensao do visto depois de 3 meses, ok?”. By the way, aquele sotaque era horrivel...
Feito o check in, vamos ao embarque. Nao sem antes comprar alguma coisa pra comer.
Para entrar no terminal, ao passar no detector de metais, uma situacao pelo menos engracada. Eu ja fui tirando o tenis e todas as coisas do bolso e colocando na mochila. Tudo pra facilitar o acesso e nao demorar no detector. Pois quando ia passando, eis que ele apita. O guarda, muito gentilmente, me pede pra revistar os bolsos e qual nao foi minha surpresa, um bolso que eu nao tinha olhado antes estava cheio de... camisinhas! Que menino mal-intencionado, me diriam voces (e me disse o guarda, com um “I got ya” bem cinico). Nao expliquei pra ele que estava levando pra distribuir quando fosse falar sobre AIDS na EPF. Nem precisava explicar. Apenas sorri e curti toda a graca do momento.
O fato foi que eu tinha me esquecido. Foi na ultima checada no meu quarto que abri a gaveta onde guardava as camisinhas. Nao tinha “empacotado” antes porque, como fiz a mala 2 dias antes, a despedida da minha namorada ainda me fazia precisar delas... Ao sair do quarto pela ultima vez, pus todas elas num bolso mais baixo da calca e fui embora. Como minha memoria nao tem a obrigacao de cuidar disso no meu lugar, nem lembrei de olhar antes de passar no detector... no detector de camisinhas.
Aguardando o aviao, inicialmente tentei conectar internet, para tentar dizer mais palavras de amor pra minha linda. Nao consegui. Entao por ali fiquei, em frente ao portao de embarque designado, esperando o aviao que me levaria a Londres, onde pegaria o aviao para South Africa.
O tempo foi passando, a hora do voo se aproximava e o aviao ainda nao havia estacionado na frente do portao de embarque. Deveria sair as 5:05pm, conforme constava do agendamento. Ate as 7:00pm ainda seria possivel alcancar o meu voo Londres-South Africa pela British Airways, segundo meus calculos, ja que o voo saia de Londres as 8:45am do outro dia. Mas ja eram 7:30pm quando, dado o fato de o aviao nao ter estacionado ainda, me pus a trocar minha passagem da segunda conexao. O problema foi que nao tinha voo para Africa do Sul ate as 7:30pm, horario de Londres. Isso me deixaria quase 48 horas no “estradao”. Como ja tinha me alimentado, nao fiquei estressado nesse momento: “nao tem voce, vai voce mesmo”. Troquei a passagem ali mesmo em Chicago e as 8:00 saimos dali em direcao a Londres. Com tres horas de atraso!
Passei a viagem toda assistindo filmes, ja que nao durmo mesmo em viagens. Assisti quase todos os filmes oferecidos pela American Airlines, em tempo pra chegar em London...
La chegando (mais ou menos 10 da manha, creio) me pus a esperar o proximo aviao pra South Africa. Entre entrar na internet (recados pra a amada namorada e para a aflita e tambem amada mae, alem de informar Michigan sobre o meu atraso), ler um livro e caminhar pelo terminal, fui deixando o dia passar ate que fosse a noite, quando peguei o aviao pra South Africa. Um fato sobre Londres eh que o dolar ali nao vale nada. Enquanto nos EUA da pra manejar e fazer o dolar nao desaparecer da carteira, em Londres tudo eh muito caro e/ou o dolar nao vale nada mesmo. Gastei 40 dolares durante a minha estadia, para 2 modestissimos lanches e algumas moedas para a conexao de internet.
E la vamos nos novamente para o embarque, dessa vez em direcao a Africa. Exceto pelo fato de meu companheiro de viagem ocupar mais que o proprio espaco na sua poltrona e uma mulher na minha frente passar mal, eu diria que foi uma boa viagem. O que matava era a saudade do meu amor...
Entao, na manha do dia 07 de agosto (sai de Dowagiac na manha do dia 05), cheguei em Johanesburgo, capital da Africa do Sul. Caraca! Senti muita emocao quando o aviao pousou. Nao conseguia conter minhas pernas tremendo. Foi muito tempo de espera, de estresse em fund raising, de expectativas, de planos, algumas vontades de desistir, alguns momentos onde achei que deveria voltar pra minha vida no Brasil, outros de profunda certeza do que estou indo fazer, alem da saudade. Saudade da familia, da namorada, dos amigos. Meu coracao batia acelerado! Africa! What a wow!! Agora eh pra valer, a hora de fato chegou!
Depois de passar pela sessao de checagem de passaporte e todas as formalidades de aeroporto, um susto. Na esteira so encontrei a minha mochila, nao encontrei o saxofone que tinha despachado junto. Eu ja estava esperando algum transtorno, porque acompanhei o sofrimento de alguns amigos que perderam malas em aeroportos e parece ter alguma relacao entre Africa e bagagem perdida em aeroporto. Mas com o sax seria sacanagem, po... Tudo poderia acontecer, ja que tive mudanca de aviao e troca de horario, etc. Alem de contar com o fator de alguem ter pegado “por engano”, ja que o case era visivelmente de um saxofone. Depois de andar mais um pouco, vi um lugar onde colocaram as bagagens com adesivo de “fragil”. La estava o meu sax, coisa mais linda, me esperando: que ufa! (o que perdi mesmo foi o meu sleeping bag, que estava amarrado na mochila, mas so percebi isso ao chegar no hotel...).
Fora do terminal, deveria encontrar o motorista da empresa hoteleira que deveria me acomodar nesses dias de Africa do Sul, ate o dia de sair pra Mocambique. Eu suspeitei que ele nao estaria me esperando, uma vez que tive todas as mudancas de horarios e cheguei 12 horas depois do combinado. Apesar de ter avisado Trine, em Michigan, e ela ter entrado em contato com o hotel, algo me dizia que ele nao viria no horario. Como de fato aconteceu. Eu coloquei a bagagem num carrinho e me pus a andar, procurando o motorista ou meu nome em alguma placa, enquanto pensava no que fazer. Consegui num posto de informacoes um cartao com o telefone do hotel, ja que so o tinha dentro da minha bagagem. E me pus andar mais um pouco. O fato eh que eu nao queria trocar meus dolares pela moeda local para ter que fazer a ligacao. Foi quando apareceu, atras de mim, um rapaz me perguntando se eu precisava de ajuda. Ele me viu passando pela segunda vez em frente da porta do terminal e me seguiu por uns 10 metros a fim de perguntar se eu precisava de ajuda. Quanta gentileza! Expliquei que deveria mas nao estava sendo esperado pelo pessoal do hotel e ele me ofereceu seu celular para que eu ligasse. O que fiz de pronto. Confesso que fiquei comovido de verdade. O agradeci dizendo como aquilo me fez sentir-me bem-vindo no pais. Ele sorriu, disse “cool” e foi esperar a namorada em frente ao terminal. Eu fiquei comovido mais pelo fato de que sei que eu nao teria feito isso. Primeiro que nao me atentaria para uma pessoa que passasse pela segunda ou terceira vez em frente ao terminal como que esperando outrem. Se notasse, duvido que seria tao gentil ao ponto de seguir a pessoa e oferecer ajuda. Ele estava esperando a namorada e nao tinha nada a ver com esse latino de chapeuzinho que passava... Aprendi isso sobre mim mesmo naquele momento. A partir de agora certamente ficarei mais atento para as pessoas nesse tipo de situacao.
Alguns 10 minutos de espera e la vou eu em direcao ao hotel. Primeira impressao de diferenca de lugar, o fato de que a direcao automotiva aqui eh a mesma inglesa, do lado direito do carro. Dava uma sensacao que estavamos invadindo a faixa alheia ou que estavamos em contra-mao. As 3 primeiras curvas me assustaram. Depois me acostumei e tudo foram flores. Ou, se nao literalmente flores, pelo menos a paisagem da cidade de Johanesburgo.
Johanesburgo eh como qualquer capital. Grande, cheia de predios, carros e gente. Dentro do carro tocava uma radio de musica classica. Era um Mahler, mas nao consegui descobrir qual sinfonia era aquela. Logo, a motorista mudou de estacao e colocou em alguma radio crista, com uma mulher pregando em lingua local, num tom pentecostal bem incinsivo e alto. Eu so localizava o nome de Jesus, algumas vezes Nazare e Israel. Enquanto isso, ao som daquele sotaque, apreciava a cidade.
De todas as capitais que conheco, Johanesburgo me lembrou mais a cidade de Goiania. Pelo menos na parte que passei, varios warehouse (como se chama isso em portugues? galpoes?) nao muito altos como nas cidades americanas, alem de ver varias concessionarias no estilo que se ve na entrada de Goiania, alguns conjuntos habitacionais e aqueles comercios do tipo “conserta-se pneus” e “vende-se qualquer coisa” pintados na parede. Mas alguns T-Mobile e MacDonald’s me disseram que eu bem poderia estar em Chicago ou New York. Mas eu estava em Johanesburgo, Africa do Sul! Como isso soa bem!
Uma coisa que notei aqui eh que, como nos Estados Unidos, nao vi mesticos. Brancos caucasoides e negros negroides. Os negros com o mesmo sotaque particular no ingles, como eu ja conhecia dos africanos que encontrei nos Estados Unidos. Os brancos, com o mesmissimo sotaque ingles. Devo dizer que essa incapacidade de certos povos de se misturarem entre si nao me cai bem no estomago. Black Power, White Honor, Korea Forever, puros judeus povo de Deus, tudo isso me da no saco. Ja disse Einstein que isso eh a poliomielite da humanidade, uma doenca infantil. Mas assim caminha a humanidade (ou, como diz no Ceara, “arriegua, pra onde rai essa romba di genti”).
Todos os motoristas sentados no banco do passageiro, muita gente vendendo qualquer coisa em todos os sinais, um frio de fim de inverno e eu andando pela cidade em direcao ao hotel. A motorista tinha ao seu lado um filho ou alguem proximo que ela estava levando para algum lugar antes de me deixar no hotel. Funcionaria do mes, cuidando de coisas particulares no horario do expediente, me fez a cortesia de dar um bom passeio na cidade. Eu nao tinha notado ainda o quanto estava cansado dos 2 dias sem dormir, dado a excitacao diante da cidade novidade. Entao, aproveitei para ver mais da cidade e ver o maximo possivel. Alias, como cheguei com tanto atraso, nao vou ficar 2, mas apenas um dia na cidade. Este. Amanha pela manha ja pego o onibus para Maputo.
Quando cheguei no hotel, apos todas as formalidades e papeis assinados, fui para o quarto. Questao interessante, essa, depois de tudo. O quarto eh um quarto conjunto, um quarto com quatro beliches e uma cama. Dessas, conta-se no momento 5 hospedes: um canadense que esta a passeio, dois quenianos que sao motorista e guia turistico que seguem num onibus turistico e aqui fizeram essa parada, o coreano Moa, meu companheiro de quarto em IICD desde que cheguei e antes de cada um arrumarmos namoradas e, agora, companheiro de projeto, ja que vamos para a mesma cidade e mesmo projeto (falo pra ele que isso ja ta parecendo uniao estavel e no Brasil tem status de casamento). Moa chegou aqui dois dias atras e estava me esperando para irmos juntos a Maputo. Alem dos 4 citados acima, tem tambem este escriba.
Hoje nao fiz praticamente nada, exceto dormir. Nao tinha nocao de como estava cansado ate ver a cama. Escolhi qualquer uma e dormi durante todo o dia. Acordei as 5 da tarde, comi uma pizza inteira e mais alguns pedacos rejeitados pelo meu amigo coreano e voltei a dormir um pouco mais. Aqui a comida tambem eh muito cara. Preco ingles. A unica comida mais acessivel no restaurante do hotel era pizza mesmo. Mas que me custou 20 dolares. Preco de pizza da Times Square. Apos essa ultima soneca, acordei, entrei na internet, falei com a namorada e mais algumas pessoas, mas como o acesso eh muito caro tambem, nao fiquei muito. Dormi novamente, de forma que meu primeiro dia na Africa se resumisse nisso. Afinal, aqui eh longe do centro da cidade e o transporte tambem tem custo ingles. Daqui ficarei mais um pouco ouvindo musica ou lendo alguma coisa ate que sejam 6 da manha, quando acordarei o coreano e vamos em direcao a Mocambique. Deveriamos ir num grupo de quatro pessoas, ja que Andrea (de Costa Rica) e Ivana (argentina) deveria seguir conosco, mas ainda nao chegaram e nao deram noticias. O aviao que veio de Sao Paulo, onde deveriam estar, chegou junto com o meu voo. Nao as vi no aeroporto e ficou alguem do hotel esperando, mas restou frustrado. Sendo assim, vamos indo, porque a experiencia me ensinou a nao confiar de esperar por elas. Podem ter mudado de ideia sobre voos, sobre qualquer coisa, e nao nos informariam.
O canadense ronca muito alto e as vezes parece que esta engolindo alguma coisa, tao estranho eh este ronco. Outras vezes ele alterna com um som mais agudo. Muito sinfonico, o canada. O guia turistico chegou a poucos minutos (3 da matina) com muito pouco sangue no alcool que lhe corre nas veias. Conversamos um pouco, ate que ele me convencesse de que eu preciso visitar o Quenia e Tanzania, segundo ele os melhores lugares da Africa (eu vou!). O Moa pegou o cobertor do motorista do onibus, que muito gentilmente nao reclamou e ja esta dormindo a muito tempo. Quem me fez notar isso foi o bebado guia, que disse que bastava ter ido pedir um na recepcao... Eu apenas sorri e guardei pra tirar algumas piadas com o Moa amanha, durante a longa viagem a Maputo.
Daqui um par de horas saio pro destino final dessa primeira viagem. Muita expectativa no coracao e muitos planos na cabeca. Rumbora!

E foi manha e noite do meu primeiro dia africano...

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