"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Friday, August 21, 2009

O horário moçambicano

Um fato que qualquer estrangeiro nota de primeiro plano sobre o povo moçambicano é a despreocupação com os horários. Devo confessar que não sou a pessoa mais correta em relação a chegar no horário, e até entendo que reuniões possam começar com 15 minutos de atraso, mesmo que eu faça esforço pra chegar no horário. Mas o horário moçambicano, mesmo para mim, causa certo incômodo. Não há meios de fazerem as pessoas chegarem aos compromissos no horário determinado.
Durante os meus dias de adaptação ao fuso horário, com todas aquelas insônias e horas sobrando, resolvi assistir o filme sobre a vida de Albert Schweitzer, que estava na lista de espera há muito tempo. Uma das coisas que ele reforçou sobre o povo africano durante o depoimento inserido no filme era a demora com que os trabalhadores se dirigiam ao local de trabalho e, mais que a demora na saída, a lentidão do percurso. Se você não conhece Africa, vai dizer que é só a visão de um europeu perfeccionista em detrimento de um povo de outra cultura. Mas, de fato, a relação do povo (moçambicano, pelo menos) com o horário, aqui, marca um tópico importante no “choque cultural”.
Minha primeira experiência aconteceu já no meu primeiro compromisso. Uma das minhas atividades na primeira semana seria sair com 2 alunos do projeto pela cidade, a fim de que me fossem mostrados os pontos principais, prédios que eu, em algum momento, irei utilizar, como o hospital, o laboratório, os prédios públicos, comércios, etc.
Pelo tamanho da cidade, soube que o tour não seria tão grande assim. Dessa forma, marquei um outro compromisso de assistir um “juri”, que é o momento em que os professores testam e analisam o aprendizado dos alunos segundo as disciplinas que foram ministradas durante a semana. Seria uma forma de entender o sistema de avaliação, me inteirar sobre as matérias que estão sendo estudadas e ver o desempenho e desenvolvimento dos alunos.
Os 2 alunos vieram me dizer que deveríamos sair às 6 da manhã. Vieram mais tarde, pouco antes de eu ir dormir, reforçando que deveríamos sair às SEIS DA MANHÃ. “Ok” - pensei - “Parece que vou ter que acordar bem cedo amanhã...”. Ora, eu não tenho o adaptador para ligar meu despertador, já que aqui o plug da tomada é diferente. Então fiquei muito atento e antes do sol nascer eu já estava em pé e cheiroso...
O juri iniciaria às 10 da manhã, então daria pra ir na cidade, ver o que tinha que ver e voltar com tempo de sobra para assistir o juri.
Desse modo, comecei o processo de espera.
Depois de procurar os alunos na área comum da escola, lá pelas 6:30 voltei pro meu quarto. Às 8:20 da manhã um dos alunos bateu na porta. “Estamos prontos?”, perguntei. “Não, só vim ter certeza que está acordado. Eu vou mata-bichar (tomar café da manhã) e volto aqui”.
Às 9:00 eu já estava grilado. Putz, o cara me fez acordar antes das 6 da manhã pra sair uma hora dessas! O Bobby, meu project leader, me encontrou naquela hora e disse que seria interessante que eu assistisse o juri que estaria pra acontecer, pois fazia parte das atividades de “reconhecimento” do projeto.
Os alunos só foram estar prontos para sair mesmo às 9:30!!!
Eu já tinha desistido de conhecer a cidade...
Falei pra eles que naquela hora não poderia mais ir, já que o Bobby me solicitou no juri.
Pronto! Isso foi suficiente para ferir os sentimentos de um dos alunos. Eu não deveria fazer aquilo, pois eles acordaram cedo para me levar na cidade (sic!) e então foi que eu, que tinha esperado todo aquele tempo, para não ferir suscetibilidades, pedi desculpas aos alunos e me dirigi ao tal juri.... E, para ter uma idéia do quanto ele ficou ferido, não me levou no outro dia para acompanhar a aula que daria na escola da comunidade. Tive de ir com um outro aluno.
Escrevi isso hoje, mesmo passado todo esse tempo, porque tive outra experiência do gênero poucos instantes atrás.
Hoje seria o dia em que decidiríamos a minha posição no projeto. Para isso, tive uma reunião com o Bobby pela manhã onde, decididos os pontos a serem decididos, eu deveria me reunir com o meu líder de projeto que ficou estabelecido na reunião, o Nicolau, bem como com os professores e com os alunos, a fim de estabelecermos os pontos de trabalho iniciais, etc e tal. A reunião ficou acertada para iniciar às 2 da tarde.
Ás 2 eu dei por encerradas minhas outras atividades e me dirigi à sala determinada. Ninguém. Andei um pouco pela escola, voltei uns 15 minutos depois e... ninguém de novo. Esperei até 2:30 conversando com o Luis e o Thiago, voltei na sala e... ninguém também! Sabedor já do horário moçambicano, fui em busca do meu líder de projeto. Ele estava na sala dos professores decidindo a hora que deveria iniciar a reunião (como assim, caramba?). Me perguntou que horas eu acharia melhor começar a reunião das duas horas... Eu perguntei: “Às 3:00 horas?”. “Três está bom pra você?”, perguntou o professor. Meu amigo, se você mora aqui e começa às 3 a reunião das 2, você tá ótimo! Mas perguntei se não poderia ser às 2:45 hs. Bom de barganha, ficamos assim estabelecidos.
Mesmo assim, no horário estabelecido, outro professor precisou ir chamar os alunos que não tinham chegado pra reunião das duas... E até 3:15 chegavam alunos...
Depois de tanto tempo, ficou evidente na reunião que nenhum ponto de fato importante estava pronto para ser determinado, apenas aquilo que eu tinha trazido do meu planejamento. Decidiu-se, então, que teríamos uma outra reunião na segunda-feira para decidir o que haveria de ser decidido...

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