"Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem".
Alberto da Cunha Melo

Wednesday, August 19, 2009

Cenário por dentro da janela

Lembro de, em alguma série do primário, ter lido um texto sobre um garoto que queria ser inventor e, com certo espírito revolucionário, esboçou uma casa redonda, se gabando, então, de ter criado algo totamente novo. Foi então que lhe mostraram o joão-de-barro construindo sua casinha circular num galho de uma árvore, ao que foi informado que este passaro assim o fazia desde tempos imemoriais, ensinando o garoto da impossibilidade de viver de rupturas sem se conhecer mesmo que minimamente o passado.
Se eu conhecesse esse menino, o convidaria para conhecer o meu lugar de descanso. Digo lugar de descanso porque não posso chamar de casa. Minha casa mesmo é o mundo e o meu teto é de estrelas, assim como tudo o que tenho cabe numa mochila de 75 quilos (fora o case do meu saxofone).
Mas quanto ao quarto onde descanso e o farei por 6 meses, dada as suas características circulares e arquitetura pouco usual, mereceria a visita do nosso pequeno arquiteto de casas circulares (me refiro ao menino da estória, não ao Niemeyer...). Assim é o meu quarto, conforme descrevo a seguir:
A parede, que na minha terra seria chamada “parede de reboco”, de base circular, formando um cilindro equilátero, “circunda-se” em algo como quatro metros de diâmetro e dois metros e alguma coisa de altura, pintados de branco, por dentro e por fora, com uma tinta à base de cal.
O telhado de palha amarrada forma um cone reto, com vários bambus saindo do vértice do cone em direção a extremidade da circunferência. Essa é a base sob a qual assenta a palha amarrada num estilo moçambicano que me foi explicado por um trabalhador do projeto, formando uma grossa esteira que é jogada sobre os bambus e amarrada no vértice do cone, levemente saliente. Antes, porém, uma lona preta cobre toda a superfície do teto, com vistas a evitar qualquer infiltração de agua nesse aparato de palha, bem como a visita dos insetos que habitam esse tipo de cobertura residencial.
Se você consegue visualizar como isso seria, te deixo dizer que moro numa “oca”.
Dentro, quatro saliências na parede formam as bases daquilo em que foram construídas duas beliches, com caibros, de forma totalmente rudimentar. Quando cheguei éramos quatro a ocuparem todas as camas. O alemão Gerard foi embora, então somos eu numa beliche e o Luis e o Paulo (ambos brasileiros) na outra.
O assoalho é cimentado e pintado de vermelho, donde descola muita poeira durante todo o dia, impedindo o quarto de ter uma limpeza genuína. Uma janela da abrir para dentro com folhas duplas, feita de madeira e com tela para evitar a invasão dos mosquitos da malária, tão comuns por estas paragens.
O quadro se completa com uma mesa de madeira usada para leituras e porta-trecos, com uma cadeira que lhe acompanha, uma estante de palha trançada, uma estante feita de tabuas que aproveita a quina de uma das beliches, uma outra cadeira de palha trançada e, por último mas não menos importante, um bambu amarrado no teto que serve de pau-de-arara para alguns cabides.
O melhor dessa residencia está desenhada na parte de dentro da parede. Por todo derredor algum voluntário anterior reproduziu, com uma notável perfeição artística, alguns dos desenhos originais do Pequeno Príncipe de Saint-Exupery. O mais notável deles mostra o planeta do principezinho, com um broto de baobá e o vulcaozinho no cercado, réplica muito fiel do desenho que consta do Capítulo III do livro. Alem dos desenhos, uma frase tirada do livro: “On ne voit bien qu'avec les yeux du coeur. L'essentiel est invisible pour les yeux”.

Assim se dá o cenário do meu descanso diário...

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